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ENTREVISTA


Eduardo García Nieto


Centro Cultural Montehermoso


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EDUARDO GARCÍA NIETO


No âmbito de um trabalho de investigação intitulado “Condições de Produção e Práticas de Recepção de Arte Feminista”, consideramos pertinente visitar o Centro Cultural Montehermoso Kulturunea e conhecer algumas das estratégias de mediação por parte da Unidade de Educação, relativamente à produção artística feminista, e compreender que papel de influência joga nas comunidades interpretativas, agregadoras de determinados públicos visitantes. Após a visita comentada à exposição “Contraseñas 07” realizamos uma entrevista a Eduardo García Nieto (Responsável da Unidade de Educação) a qual publicamos na íntegra na ARTECAPITAL.

O Centro Cultural Montehermoso Kulturunea pertence ao Departamento da Cultura da Câmara Municipal de Vitoria-Gasteiz. Este centro define-se como um espaço de produção, exposição e difusão da arte e do pensamento contemporâneo e tem entre os seus objectivos principais a aplicação de políticas de igualdade entre os sexos. (1)
A uma escala internacional, este centro cultural ocupa uma posição excepcional no que diz respeito à sua programação. À semelhança do Centro Cultural El Juglar (Mexico), da Galeria Femina Pottens (Estados Unidos) ou do Museu Guerrilla Girls (Estados Unidos), o Centro Cultural Montehermoso Kulturunea constitui-se como um espaço muito particular que promove a fusão entre o mundo artístico e culturas de género, criando uma promoção teórica e cultural específica que engloba o conjunto das relações não só com artistas, comissários e críticos, mas também com agentes do mundo académico, contribuindo para a criação discursiva politizada e para a disseminação do conhecimento.

Numa das salas deste centro está presente (de 12 de Junho até 20 de Setembro de 2009) a exposição “Contraseñas 7”, comissariada por Alicia Murría. Em termos gerais, o objectivo do projecto “Contraseñas” consiste em revelar, questionar e rebater os mecanismos e os conteúdos sexistas da iconografia dominante sobre as mulheres e sobre a feminilidade. (2) Este projecto está composto por 12 ciclos quadrimestrais, que têm a duração de 4 anos e são comissariados por 12 profissionais do panorama espanhol e internacional.

O ciclo “Contraseñas 07” é composto por produção videográfica datada entre 1997 e 2006 e realizada por autoras espanholas (Susana Casares, Alicia Framis, Dora García, Marta de Gonzalo e Publio Pérez Prieto, Julia Montilla, Precarias a la Deriva, Estíbaliz Sádaba, Virginia Villaplana). Estas obras, desde diferentes estratégias, constituem-se como respostas críticas à sociedade patriarcal e à perpetuação de violência de género, tanto na ordem do real como na ordem simbólica. Marcam caminhos possíveis para a desconstrução de alguns padrões ideológicos de dominação que se produzem nos meios de comunicação, na publicidade, na educação, e que se reproduzem na família, nas relações laborais e nas relações afectivas. (3)


Por Rui Pedro Fonseca
23 de Julho de 2009



P: Que tipos de públicos têm vocês a intenção ou preferência em atrair?

R: O Centro Cultural Montehermoso é um espaço público dependente da Câmara de Vitoria Gasteiz. Este facto condiciona o que deve ser entendido como serviço público, orientado, portanto, a todos os cidadãos. No momento de delinear a que públicos a Unidade de Educação do Centro se irá dirigir precisamos de estar conscientes que devemos preocupar-nos com todos eles, mas procurando dar uma especial atenção a todos públicos e colectivos que tradicionalmente não identificam os desígnios da instituição. Este facto leva-nos a estabelecer distintas estratégias, mais do que excluir ou dar prioridade a uns colectivos em relação aos outros. Existem actividades para o público geral – composto por visitantes que decidiram visitar Montehermoso por vontade própria e também existem as actividades para grupos – nas quais se trabalha com os responsáveis dos mesmos para adequar a metodologia e os conteúdos às visitas.


P: Reparei que a visita guiada da exposição “Contraseñas 7” foi um pouco diferente quando comparada com outras visitas de outras instituições culturais. A partir desta exposição foram mencionados aspectos não apenas exclusivos à história da arte, mas também sobre a teoria feminista e sobre o sujeito receptor de obras e enquanto actor que reproduz valores de género. Quer comentar esta medida de mediação durante a visita guiada?

R: Na nossa unidade de educação partimos da ideia de que a arte, tal como outros artefactos culturais, não pode ser “explicada”. Evitamos dar uma “explicação” sobre as obras porque consideramos que é uma forma de fechar o sentido das mesmas, procuramos evitar uma fundamentação muito controlada que impeça o desenvolvimento intelectual dos públicos aos quais as obras estão destinadas. O nosso objectivo é gerar o pensamento crítico racional e para que tal aconteça tentamos facilitar chaves de leitura que permitam aos e às assistentes construir os seus próprios discursos em relação às produções contemporâneas.


P: Quando os valores e comportamentos de género estão tão “naturalmente” enraizados nas formas de actuar e pensar na generalidade das pessoas, incluindo muitas das que visitam o centro, pode-lhes resultar em alguma estranheza que alguém (artista, agente cultural, teórico, etc.) tente desmontar algumas assimetrias que geram por vezes injustiças fundadas nesses mesmos valores de género. Considera que estes obstáculos, que podem ser impedidores para uma compreensão de determinados conteúdos feministas, farão parte das formas de sentir e pensar das pessoas que visitam esta exposição?

R: Partimos da ideia de que a identidade é uma construção cultural. Ou seja, o “natural” é uma intelectualização realizada baseada num pensamento ilustrado e classificador a partir de uma visão antropocêntrica da natureza. Quando chega a hora de falarmos de género ou da redefinição da masculinidade e da feminilidade vamos encontrar problemas devido às formas de sentir e pensar das pessoas, mas não podemos assumir que essas formas de pensar ou sentir são “naturais” mas antes, tal como outras realidades, que se tratam de “construções” e, portanto, de que é possível “desconstruí-las”. Ou seja, trata-se de questionar os modos a partir dos quais assumimos essas questões como “naturais” mas que, na realidade, não o são.


P: Que tipos de estratégias considera importantes para que os visitantes compreendam os conteúdos das obras da exposição “Contraseñas”?

R: As estratégias que estabelecemos são as mesmas quer no programa “Contraseñas”, quer nas restantes exposições. Ou seja, procuramos oferecer um contexto e algumas chaves de interpretação para que eles (públicos) sejam capazes de gerar os seus próprios discursos.


P: Que impactos esperam que os conteúdos de “Contraseñas” tenham sobre os públicos?

R: De forma idêntica à resposta anterior, o nosso objectivo é conseguir que os públicos questionem a realidade de modo a que deixem de assumir determinadas situações e determinados comportamentos como “normais”, mas que absolutamente não o são. Não procuramos tanto uma acção imediata como provocar uma pequena quebra na ordem estabelecida assumida como imutável por parte de certos sectores dos públicos.


P: Numa nossa conversa mais informal disse-me que não lhe agrada muito o termo “guia”. Não lhe agrada o termo em si ou as práticas institucionais recorrentes que contribuem para dar significado a este termo?

R: O dicionário da Real Academia da língua espanhola define guia como “aquele/a que dirige ou encaminha.” A partir da nossa Unidade de Educação não pretendemos dirigir mas procuramos antes que sejam os indivíduos que decidam quais são os seus caminhos e trajectórias a tomar. A decisão de nos considerarmos como educadores e educadoras deve-se ao facto de encararmos que a educação deva ser um processo comum a todo este nosso percurso vital e que deva ser entendida como algo bidireccional, ou seja, não como uma educação de um perito para um ignorante mas como uma forma de enriquecimento colectivo. Não procuramos dirigir mas procuramos antes que as pessoas sejam autónomas na hora de se dirigirem.



NOTAS

(1) Cf. www.montehermoso.net

(2) Cf. Panfleto Contraseñas 0 “Nuevas Representaciones sobre la Femineidad” Centro Cultural Montehermoso Kulturunea.

(3) Cf. www.montehermoso.net/index.php?/exposiciones/detalle/209