Links

O ESTADO DA ARTE


Akram Zaatari, Letter to a Refusing Pilot (still), 2013.

Outros artigos:

2024-04-23


ÁLBUM DE FAMÍLIA – UMA RECORDAÇÃO DE MARIA DA GRAÇA CARMONA E COSTA
 

2024-03-09


CAMINHOS NATURAIS DA ARTIFICIALIZAÇÃO: CUIDAR A MANIPULAÇÃO E ESMIUÇAR HÍPER OBJETOS DA BIO ARTE
 

2024-01-31


CRAGG ERECTUS
 

2023-12-27


MAC/CCB: O MUSEU DAS NOSSAS VIDAS
 

2023-11-25


'PRATICAR AS MÃOS É PRATICAR AS IDEIAS', OU O QUE É ISTO DO DESENHO? (AINDA)
 

2023-10-13


FOMOS AO MUSEU REAL DE BELAS ARTES DE ANTUÉRPIA
 

2023-09-12


VOYEURISMO MUSEOLÓGICO: UMA VISITA AO DEPOT NO MUSEU BOIJMANS VAN BEUNINGEN, EM ROTERDÃO
 

2023-08-10


TEHCHING HSIEH: HOW DO I EXPLAIN LIFE AND CHANGE IT INTO ART?
 

2023-07-10


BIENAL DE FOTOGRAFIA DO PORTO: REABILITAR A EMPATIA COMO UMA TECNOLOGIA DO OUTRO
 

2023-06-03


ARCOLISBOA, UMA FEIRA DE ARTE CONTEMPORÂNEA EM PERSPETIVA
 

2023-05-02


SOBRE A FOTOGRAFIA: POIVERT E SMITH
 

2023-03-24


ARTE CONTEMPORÂNEA E INFÂNCIA
 

2023-02-16


QUAL É O CINEMA QUE MORRE COM GODARD?
 

2023-01-20


TECNOLOGIAS MILLENIALS E PÚBLICO CONTEMPORÂNEO. REFLEXÕES SOBRE A EXPOSIÇÃO 'OCUPAÇÃO XILOGRÁFICA' NO SESC BIRIGUI EM SÃO PAULO
 

2022-12-20


VENEZA E A CELEBRAÇÃO DO AMOR
 

2022-11-17


FALAR DE DESENHO: TÃO DEPRESSA SE COMEÇA, COMO ACABA, COMO VOLTA A COMEÇAR
 

2022-10-07


ARTISTA COMO MEDIADOR. PRÁTICAS HORIZONTAIS NA ARTE E EDUCAÇÃO NO BRASIL
 

2022-08-29


19 DE AGOSTO, DIA MUNDIAL DA FOTOGRAFIA
 

2022-07-31


A CULTURA NÃO ESTÁ FORA DA GUERRA, É UM CAMPO DE BATALHA
 

2022-06-30


ARTE DIGITAL E CIRCUITOS ONLINE
 

2022-05-29


MULHERES, VAMPIROS E OUTRAS CRIATURAS QUE REINAM
 

2022-04-29


EGÍDIO ÁLVARO (1937-2020). ‘LEMBRAR O FUTURO: ARQUIVO DE PERFORMANCES’
 

2022-03-27


PRATICA ARTÍSTICA TRANSDISCIPLINAR: A INVESTIGAÇÃO NAS ARTES
 

2022-02-26


OS HÁBITOS CULTURAIS… DAS ORGANIZAÇÕES CULTURAIS PORTUGUESAS
 

2022-01-27


ESPERANÇA SIGNIFICA MAIS DO QUE OPTIMISMO
 

2021-12-26


ESCOLA DE PROCRASTINAÇÃO, UM ESTUDO
 

2021-11-26


ARTE = CAPITAL
 

2021-10-30


MARLENE DUMAS ENTRE IMPRESSIONISTAS, ROMÂNTICOS E SUMÉRIOS
 

2021-09-25


'A QUE SOA O SISTEMA QUANDO LHE DAMOS OUVIDOS'
 

2021-08-16


MULHERES ARTISTAS: O PARADOXO PORTUGUÊS
 

2021-06-29


VIVER NUMA REALIDADE PÓS-HUMANA: CIÊNCIA, ARTE E ‘OUTRAMENTOS’
 

2021-05-24


FRESTAS, UMA TRIENAL PROJETADA EM COLETIVIDADE. ENTREVISTA COM DIANE LINA E BEATRIZ LEMOS
 

2021-04-23


30 ANOS DO KW
 

2021-03-06


A QUESTÃO INDÍGENA NA ARTE. UM CAMINHO A PERCORRER
 

2021-01-30


DUAS EXPOSIÇÕES NO PORTO E MUITOS ARQUIVOS SOBRE A CIDADE
 

2020-12-29


TEORIA DE UM BIG BANG CULTURAL PÓS-CONTEMPORÂNEO - PARTE II
 

2020-11-29


11ª BIENAL DE BERLIM
 

2020-10-27


CRITICAL ZONES - OBSERVATORIES FOR EARTHLY POLITICS
 

2020-09-29


NICOLE BRENEZ - CINEMA REVISITED
 

2020-08-26


MENSAGENS REVOLUCIONÁRIAS DE UM TEMPO PERDIDO
 

2020-07-16


LIÇÕES DE MARINA ABRAMOVIC
 

2020-06-10


FRAGMENTOS DO PARAÍSO
 

2020-05-11


TEORIA DE UM BIG BANG CULTURAL PÓS-CONTEMPORÂNEO
 

2020-04-24


QUE MUSEUS DEPOIS DA PANDEMIA?
 

2020-03-24


FUCKIN’ GLOBO 2020 NAS ZONAS DE DESCONFORTO
 

2020-02-21


ELECTRIC: UMA EXPOSIÇÃO DE REALIDADE VIRTUAL NO MUSEU DE SERRALVES
 

2020-01-07


SEMANA DE ARTE DE MIAMI VIA ART BASEL MIAMI BEACH: UMA EXPERIÊNCIA MAIS OU MENOS ESTÉTICA
 

2019-11-12


36º PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA
 

2019-10-06


PARAÍSO PERDIDO
 

2019-08-22


VIVER E MORRER À LUZ DAS VELAS
 

2019-07-15


NO MODELO NEGRO, O OLHAR DO ARTISTA BRANCO
 

2019-04-16


MICHAEL BIBERSTEIN: A ARTE E A ETERNIDADE!
 

2019-03-14


JOSÉ MAÇÃS DE CARVALHO – O JOGO DO INDIZÍVEL
 

2019-02-08


A IDENTIDADE ENTRE SEXO E PODER
 

2018-12-20


@MIAMIARTWEEK - O FUTURO AGENDADO NO ÉDEN DA ARTE CONTEMPORÂNEA
 

2018-11-17


EDUCAÇÃO SENTIMENTAL. A COLEÇÃO PINTO DA FONSECA
 

2018-10-09


PARTILHAMOS DA CRÍTICA À CENSURA, MAS PARTILHAMOS DA FALTA DE APOIO ÀS ARTES?
 

2018-09-06


O VIGÉSIMO ANIVERSÁRIO DA BIENAL DE BERLIM
 

2018-07-29


VISÕES DE UMA ESPANHA EXPANDIDA
 

2018-06-24


O OLHO DO FOTÓGRAFO TAMBÉM SOFRE DE CONJUNTIVITE, (UMA CONVERSA EM TORNO DO PROJECTO SPECTRUM)
 

2018-05-22


SP-ARTE/2018 E A DIFÍCIL TAREFA DE ESCOLHER O QUE VER
 

2018-04-12


NO CORAÇÂO DESTA TERRA
 

2018-03-09


ÁLVARO LAPA: NO TEMPO TODO
 

2018-02-08


SFMOMA SAN FRANCISCO MUSEUM OF MODERN ART: NARRATIVA DA CONTEMPORANEIDADE
 

2017-12-20


OS ARQUIVOS DA CARNE: TINO SEHGAL CONSTRUCTED SITUATIONS
 

2017-11-14


DA NATUREZA COLABORATIVA DA DANÇA E DO SEU ENSINO
 

2017-10-14


ARTE PARA TEMPOS INSTÁVEIS
 

2017-09-03


INSTAGRAM: CRIAÇÃO E O DISCURSO VIRTUAL – “TO BE, OR NOT TO BE” – O CASO DE CINDY SHERMAN
 

2017-07-26


CONDO: UM NOVO CONCEITO CONCORRENTE À TRADICIONAL FEIRA DE ARTE?
 

2017-06-30


"LEARNING FROM CAPITALISM"
 

2017-06-06


110.5 UM, 110.5 DOIS, 110.5 MILHÕES DE DÓLARES,… VENDIDO!
 

2017-05-18


INVISUALIDADE DA PINTURA – PARTE 2: "UMA HISTÓRIA DA VISÃO E DA CEGUEIRA"
 

2017-04-26


INVISUALIDADE DA PINTURA – PARTE 1: «O REAL É SEMPRE AQUILO QUE NÃO ESPERÁVAMOS»
 

2017-03-29


ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO CONTEMPORÂNEO DE FEIRA DE ARTE
 

2017-02-20


SOBRE AS TENDÊNCIAS DA ARTE ACTUAL EM ANGOLA: DA CRIAÇÃO AOS NOVOS CANAIS DE LEGITIMAÇÃO
 

2017-01-07


ARTLAND VERSUS DISNEYLAND
 

2016-12-15


VALORES DA ARTE CONTEMPORÂNEA: UMA CONVERSA COM JOSÉ CARLOS PEREIRA SOBRE A PUBLICAÇÃO DE O VALOR DA ARTE
 

2016-11-05


O VAZIO APOCALÍPTICO
 

2016-09-30


TELEPHONE WITHOUT A WIRE – PARTE 2
 

2016-08-25


TELEPHONE WITHOUT A WIRE – PARTE 1
 

2016-06-24


COLECCIONADORES NA ARCO LISBOA
 

2016-05-17


SONNABEND EM PORTUGAL
 

2016-04-18


COLECCIONADORES AMADORES E PROFISSIONAIS COLECCIONADORES (II)
 

2016-03-15


COLECCIONADORES AMADORES E PROFISSIONAIS COLECCIONADORES (I)
 

2016-02-11


FERNANDO AGUIAR: UM ARQUIVO POÉTICO
 

2016-01-06


JANEIRO 2016: SER COLECCIONADOR É…
 

2015-11-28


O FUTURO DOS MUSEUS VISTO DO OUTRO LADO DO ATLÂNTICO
 

2015-10-28


O FUTURO SEGUNDO CANDJA CANDJA
 

2015-09-17


PORQUE É QUE OS BLOCKBUSTERS DE MODA SÃO MAIS POPULARES QUE AS EXPOSIÇÕES DE ARTE, E O QUE É QUE PODEMOS DIZER SOBRE ISSO?
 

2015-08-18


OS DESAFIOS DO EFÉMERO: CONSERVAR A PERFORMANCE ART - PARTE 2
 

2015-07-29


OS DESAFIOS DO EFÉMERO: CONSERVAR A PERFORMANCE ART - PARTE 1
 

2015-06-06


O DESAFINADO RONDÒ ENWEZORIANO. “ALL THE WORLD´S FUTURES” - 56ª EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL DE ARTE DE VENEZA
 

2015-05-13


A 56ª BIENAL DE VENEZA DE OKWUI ENWEZOR É SOMBRIA, TRISTE E FEIA
 

2015-04-08


A TUMULTUOSA FERTILIDADE DO HORIZONTE
 

2015-03-04


OS MUSEUS, A CRISE E COMO SAIR DELA
 

2015-02-09


GUIDO GUIDI: CARLO SCARPA. TÚMULO BRION
 

2015-01-13


IDEIAS CAPITAIS? OLHANDO EM FRENTE PARA A BIENAL DE VENEZA
 

2014-12-02


FUNDAÇÃO LOUIS VUITTON
 

2014-10-21


UM CONTEMPORÂNEO ENTRE-SERRAS
 

2014-09-22


OS NOSSOS SONHOS NÃO CABEM NAS VOSSAS URNAS: Quando a arte entra pela vida adentro - Parte II
 

2014-09-03


OS NOSSOS SONHOS NÃO CABEM NAS VOSSAS URNAS: Quando a arte entra pela vida adentro – Parte I
 

2014-07-16


ARTISTS' FILM BIENNIAL
 

2014-06-18


PARA UMA INGENUIDADE VOLUNTÁRIA: ERNESTO DE SOUSA E A ARTE POPULAR
 

2014-05-16


AI WEIWEI E A DESTRUIÇÃO DA ARTE
 

2014-04-17


QUAL É A UTILIDADE? MUSEUS ASSUMEM PRÁTICA SOCIAL
 

2014-03-13


A ECONOMIA DOS MUSEUS E DOS PARQUES TEMÁTICOS, NA AMÉRICA E NA “VELHA EUROPA”
 

2014-02-13


É LEGAL? ARTISTA FINALMENTE BATE FOTÓGRAFO
 

2014-01-06


CHOICES
 

2013-09-24


PAIXÃO, FICÇÃO E DINHEIRO SEGUNDO ALAIN BADIOU
 

2013-08-13


VENEZA OU A GEOPOLÍTICA DA ARTE
 

2013-07-10


O BOOM ATUAL DOS NEGÓCIOS DE ARTE NO BRASIL
 

2013-05-06


TRABALHAR EM ARTE
 

2013-03-11


A OBRA DE ARTE, O SISTEMA E OS SEUS DONOS: META-ANÁLISE EM TRÊS TEMPOS (III)
 

2013-02-12


A OBRA DE ARTE, O SISTEMA E OS SEUS DONOS: META-ANÁLISE EM TRÊS TEMPOS (II)
 

2013-01-07


A OBRA DE ARTE, O SISTEMA E OS SEUS DONOS. META-ANÁLISE EM TRÊS TEMPOS (I)
 

2012-11-12


ATENÇÃO: RISCO DE AMNÉSIA
 

2012-10-07


MANIFESTO PARA O DESIGN PORTUGUÊS
 

2012-06-12


MUSEUS, DESAFIOS E CRISE (II)


 

2012-05-16


MUSEUS, DESAFIOS E CRISE (I)
 

2012-02-06


A OBRA DE ARTE NA ERA DA SUA REPRODUTIBILIDADE DIGITAL (III - conclusão)
 

2012-01-04


A OBRA DE ARTE NA ERA DA SUA REPRODUTIBILIDADE DIGITAL (II)
 

2011-12-07


PARAR E PENSAR...NO MUNDO DA ARTE
 

2011-04-04


A OBRA DE ARTE NA ERA DA SUA REPRODUTIBILIDADE DIGITAL (I)
 

2010-10-29


O BURACO NEGRO
 

2010-04-13


MUSEUS PÚBLICOS, DOMÍNIO PRIVADO?
 

2010-03-11


MUSEUS – UMA ESTRATÉGIA, ENFIM
 

2009-11-11


UMA NOVA MINISTRA
 

2009-04-17


A SÍNDROME DOS COCHES
 

2009-02-17


O FOLHETIM DE VENEZA
 

2008-11-25


VANITAS
 

2008-09-15


GOSTO E OSTENTAÇÃO
 

2008-08-05


CRÍTICO EXCELENTÍSSIMO II – O DISCURSO NO PODER
 

2008-06-30


CRÍTICO EXCELENTÍSSIMO I
 

2008-05-21


ARTE DO ESTADO?
 

2008-04-17


A GULBENKIAN, “EM REMODELAÇÃO”
 

2008-03-24


O QUE FAZ CORRER SERRALVES?
 

2008-02-20


UM MINISTRO, ÓBICES E POSSIBILIDADES
 

2008-01-21


DEZ PONTOS SOBRE O MUSEU BERARDO
 

2007-12-17


O NEGÓCIO DO HERMITAGE
 

2007-11-15


ICONOLOGIA OFICIAL
 

2007-10-15


O CASO MNAA OU O SERVILISMO EXEMPLAR
 

VENEZA OU A GEOPOLÍTICA DA ARTE

NÉSTOR GARCÍA CANCLINI

2013-08-13




Num assento do vaporetto, que me leva da estação de comboios de Veneza ao hotel, encontro um catálogo da Bienal e uma pasta com folhetos da Chinese Independent Art since 1979 → today, convites para exposições de Sir Anthony Caro, do Pavilhão do Brasil e de uma recepção oferecida pelo Comité de Aquisições de uma fundação japonesa com a presença de artistas ocidentais e asiáticos. Também o convite para um cocktail no Hotel Bauer patrocinado pela Primeira Dama da República do Azerbaijão. E um mapa com itinerários marcados a lápis de locais fora dos Giardini e do Arsenal – onde se congregam as principais exposições –, entre eles o Palazzo Lazze, também usado pelo Azerbaijão. O esquecimento de algum viajante recebe-me como um guia.



Quem compete

Dois assuntos distinguem a Bienal de Veneza de 2013. Aquele que anuncia o título O Palácio Enciclopédico, uma tentativa de renovar a visão universalizante que deu origem à Bienal em 1895, revista tantas vezes quanto a irrupção pós-colonial de nações periféricas, os protestos políticos de 68 e a expansão globalizada dos mercados económicos e artísticos corroeram o domínio eurocêntrico do mundo. Ao mesmo tempo, procura combinar a multiculturalidade fragmentada que celebrou o pós-modernismo, tratando de que a desordem seja interpretável. Com que matrizes ou chaves? Para sair do predomínio ocidental, as últimas bienais convidaram muitos países africanos e asiáticos, e a deste ano soma 88 nações, incluindo pela primeira vez Angola, Bahamas, o Reino do Bahrein, Costa do Marfim, Kosovo, Kuwait, Maldivas, Paraguai e Tuvalu. Ah, e a Santa Sé. O curador, Massimiliano Gioni, abre a exposição com a maqueta do Palácio Enciclopédico imaginado pelo artista ítalo-americano Marino Auriti, um museu imaginário que juntava, em 1955, os grandes descobrimentos “da raça humana, desde a roda ao satélite”, e o Livro Vermelho de Jung, manuscrito em que reuniu cosmologias pessoais e coletivas: livro guardado pelos seus herdeiros na caixa forte de um banco suíço, apenas visto por umas 20 pessoas até 2009, quando se fez uma edição fac-símile em alemão e inglês, que circulou por alguns museus e bibliotecas dos Estados Unidos.

A novidade da sua exibição europeia, mais atrativa que a maqueta de Auriti, é sem dúvida um dos momentos altos da Bienal. Não está claro que, amontoar tecnologias construtivas ou sonhos, alucinações e visões, seja suficiente para orientar-se num mundo onde as disputas pelo poder simbólico se enredam com conflitos económicos e políticos.

Presenças disseminadas como a do Azerbaijão – em exposições, em palácios e nos vaporetti que levam a sua publicidade pelo Gran Canal – recordaram-me a polémica de há uns meses atrás no México sobre o monumento ao presidente desse país no Parque de Chapultepec. Soubemos então que o Azerbaijão pagou somas elevadas a 14 países para erigir outros tantos monumentos ao seu chefe. Lembrei-me também que há duas semanas atrás tinha visto um jogo entre o Barça e o Atlético, onde os jogadores vestiam camisolas com publicidade a duas marcas: Qatar e Azerbaijão. Como se houvesse outra globalização, confrontos distantes apenas escondidos, num campeonato nacional de futebol europeu e na luta artística pelo Leão de Ouro da Bienal.

Lembrei-me da ressonância, agora distante, do livro de Serge Guilbaut, How New York Stole the Idea of Modern Art, que documentou a passagem da capital artística de Paris para os Estados Unidos na época do expressionismo abstrato. Num texto de 2005, reconhecendo a ampliação de horizonte e o cruzamento da cultura comercial, do turismo e da arte na bienalização do mundo, Guilbaut encontrava na cacofonia das mostras europeias, de Xangai ou São Paulo, o que estávamos a viver, e que Paul Virilio designa de “babélico superior”.


Do território aos fluxos

Abrir a estrutura de pavilhões nacionais a uma visão polifónica de tentativas laicas e religiosas, de todos os continentes, abarcando os últimos 100 anos, relativiza as inovações da arte atual. Coloca em interações formais (mais que culturais pela escassez de contextos) as procuras visuais e os modos de colecionar de diferentes épocas: das conexões com os objetos de memória no Vietname ou da Basílica de São Pedro em Roma (Harun Farocki), até às relíquias escultóricas de Jimmie Durham ou às belíssimas pedras reunidas por Roger Caillois, passando pelas máscaras de várias sociedades africanas até chegar a artistas jovens que desconhecia, como Camille Henrot e o seu deslumbrante Grosse Fatigue, vídeo-instalação em que explora artística e antropologicamente arquivos de museus nacionais para construir sem ingenuidade, crítica e poeticamente, “uma imagem prismática do reino do pensamento”. Compreende-se a admiração dos críticos perante esta expressão de interculturalidade e o orgulho de Jean-Hubert Martin, curador que em 1989 realizou a primeira exposição do Centro Pompidou que desafiou o etnocentrismo europeu, Magiciens de la Terre, a quem ouvi elogiar esta Bienal de 2013 e chamá-la “mi petit fille”.

Contudo, continuam a ser pertinentes as críticas aos 30 pavilhões nacionais na secção principal da Bienal, os Giardini, como se os artistas, inclusivamente aqueles que vivem fora dos seus países, pudessem representar a cultura de uma nação, e fossem algo assim como o seu folclore contemporâneo. “O que é necessário para representar um país? – pergunta Estrella de Diego – Ter nascido lá? Sentir simpatia por esse país? Ser adotado pelo comissário?” Os artistas espanhóis nomeados como embaixadores, estiveram entre os mais interventivos. Na Bienal de 2003, Santiago Sierra fechou o Pavilhão de Espanha e só permitiu a entrada pela porta das traseiras, vigiada por guardas armados, a quem exibisse o documento de identidade espanhol. Antoni Muntadas, em 2005, coordenou uma investigação histórica que evidenciava o anacronismo do sistema de pavilhões nacionais e ocupou o espanhol como se fosse uma sala de espera de um aeroporto, com ecrãs que permitiam experimentar aquele espaço como um lugar de informação e tradução entre as épocas, as culturas e as astúcias para maquilhar as suas imagens. Em 2013, Lara Almarcegui instala montanhas de resíduos de madeira, vidro e areia, metáfora um pouco óbvia dos edifícios sem uso, sem fins, na especulação imobiliária do seu país.

A obra mais poderosa nesta linha é a de Alfredo Jaar, representante do Chile no Arsenal. Ao entrar, está uma caixa de luz com uma foto de Lucio Fontana em 1946, agarrando às paredes em ruínas do seu estúdio em Milão, cidade bombardeada durante a guerra. Atrás, a peça principal: uma ponte, que parece dar continuidade às ruas de Veneza, interrompidas pelos canais; e, no centro, um tanque metálico de 5 x 5 metros, cheio de água. A cada três minutos, emerge uma maqueta dos edifícios dos Giardini da Bienal. Pode ver-se durante uns segundos e logo, melancolicamente, volta a afogar-se no tanque até desaparecer. “É um fantasma da história”, diz Jaar. Assinala-me depois um detalhe: vista de trás, a caixa que exibe a foto de Fontana tem uma pequena fenda na metade superior, semelhante aos cortes que o artista fazia nas suas telas.

Também se poderia pensar que os fantasmas são os mais de 100 países membros das Nações Unidas que não estão nesta Bienal com pretensão de universalidade, ou os 60 que ocuparam lugares dispersos noutros espaços de Veneza. Devemos demolir os edifícios dos Giardini, como propuseram, em 1968, Gillo Dorfles e Germano Celant, e conceber outro atlas arquitectónico? Talvez as exposições disseminadas na cidade possam sugerir como é que a redistribuição globalizada do poder transborda dos espaços apropriados por países que foram centrais. E a circulação de vaporetti com publicidade de exposições asiáticas ou da Europa oriental parece levar pelos canais uma informação sob o formato de fluxos, que por vezes prevalece sobre o geográfico. Não basta questionar a ordem territorial, os seus modos políticos e culturais de o representar; cabe interrogar como o alteram os poderes distantes que circulam por Veneza e pelo mundo, legitimando os seus programas de expansão económica com projetos de prestígio simbólico. Ao lado da peça de Jaar, o filme e a vídeo-instalação de Akram Zaatari, Letter to a Refusing Pilot, carta ao piloto que se negou a lançar uma bomba israelita sobre o Líbano ao notar que era uma escola, constitui uma reflexão sobre a capacidade de resistência e a dor social. Tão necessário como a discussão sobre o que emerge e se afunda, é perguntar sobre o que fazer com o golpe de Fontana.

Entre os 60 países disseminados fora dos pavilhões centrais está o México, que aluga a antiga Igreja de San Lorenzo, bem situada frente a uma grande praça a meio caminho entre o Arsenal e San Marcos. No seu interior, onde predomina a atmosfera das escavações arqueológicas em curso, com poços ainda inundados, delimitou-se uma plataforma de madeira para erigir uma máquina sonora, Cordiox, de Ariel Guzik, que capta os sons ambientais, reelabora-os e transmite-os em diferido. Entre o instrumento musical e o científico, sem fins pragmáticos, este é um dispositivo “para produzir sensações”, afirma Itala Schmelz, a curadora. Como outras peças de Guzik, consultáveis nos ecrãs dos computadores numa sala contígua, ela coincide com obras frequentes nesta Bienal, que não convocou apenas artistas mas artesãos ou artífices de objetos, vídeos e instalações, experiências sem intenção artística que cruzam a ciência e a visualidade, percepções e representações heterodoxas. Leio no livro de visitantes, comentários elogiosos em italiano, inglês, espanhol e alemão: “artefacto totémico”, “arpa”, “vibrazioni suttili”, “entro num mundo antigo e moderno sem limite”. Acrescentaria que é uma peça que resulta de um longo processo de investigação, não espetacular, sem a vontade de reincidir nesse hábito de bienais com mais de cem artistas: causar impacto com uma obra que incite a fotografar-se junto a ela. Na imprensa e em comentários de artistas e curadores na Bienal encontro surpresa por não se ter escolhido um criador mais “representativo” ou com “transcendência internacional”. Também há dúvidas sobre se é justificável gastar 12 milhões de pesos. A questão central, penso eu, é como se inscreve o pavilhão mexicano num programa cultural que deveria considerar que agora existem 130 bienais, que dezenas de artistas visuais – e de cineastas, músicos e escritores mexicanos – têm hoje reconhecimento ou suscitam interesse num mundo mais amplo do que o ocidental.

A diversidade de relações necessárias ou sumptuosas de legitimação política e económica através da arte não são “enciclopedizáveis”. Há demasiados pontos cegos, pelo que – melhor que atribuir cobertura global aos “mapas” de Auriti ou Jung – vale deter-se em The path of totality, os 79 diapositivos reunidos por Paloma Polo das expedições científicas realizadas nos séculos XIX e XX para avistar e documentar eclipses.

Há indícios, no entanto, de que as ações que permanecem não são as dos países que improvisam, nem as dos artistas – mesmo os valiosos como Ai Weiwei – que repetem denúncias já conhecidas ou surpresas de temporada. A valorização estética que perdura é uma combinação complexa de criadores capazes de interagir com o que emerge, com dramas não resolvidos, sem obrigar-se a melhorar a imagem nacional. Mais do que o seu passaporte, importa como prestam atenção ao que está a acontecer agora. Eles merecem ser apoiados pelos Estados pela qualidade com que arriscam.


Néstor García Canclini
* Versão publicada em Salon Kritik, em 14 de julho.