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EXPOSIÇÕES ATUAIS


João Leonardo, "Nothing is Real", 2007


Luís Nobre, "S/ Título", 2007


Paulo Romão Bras, "S/Título", 2007


Jorge Feijão, "A minha primeira pintura", 2007


Romeu Gonçalves, "Embalagem", 2007


Vista do espaço

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DUARTE ÁGUAS

CONTOS ERÓTICOS


Óocioo, Porto
FILIPA ALMEIDA

RUI ALGARVIO

A PONTE, O CAMPANÁRIO, A CASA E O BARQUEIRO


Centro Cultural de Cascais, Cascais
FÁTIMA LOPES CARDOSO

ARQUIVO:


COLECTIVA

Objecto: Simulacro




HOSPITAL JÚLIO DE MATOS - PAV. 24
Avenida do Brasil, 53
1700-063 Lisboa

22 MAR - 21 ABR 2007


O Pavilhão 24 do Hospital Júlio de Matos tem patente, até 21 de Abril, a exposição “Objecto: Simulacro” - quinze artistas num projecto da responsabilidade da 21 ½ Plataforma Independente de Transgressão Artística (João Mourão, Paulo Romão Brás e Sandro Resende). Os participantes - André Sier, António Bolota, Inês Botelho, João Leonardo, João Seguro, Jorge Feijão, Luís Nobre, Paulo Romão Brás, Pedro Valdez Cardoso, Romeu Gonçalves, Sandro Resende e Susana Guardado - partilham um percurso de formação e/ou prática artística relacionado com a escultura. O desafio curatorial lançado consistiu, para além da especificidade do espaço enquanto fonte de inspiração, na apropriação de objectos que no passado habitaram o quotidiano da instituição psiquiátrica e que, na altura, se encontravam alienados num armazém. Da sua consequente manipulação, subversão e até destruição - desde cadeiras, sofás, armários e estranhos aparelhos de diagnóstico/terapêutica - resultaram esculturas, instalações, vídeos, pinturas e desenhos que subtilmente se espalham (a sensação de desorientação está sempre iminente) pela imensa ala desocupada e decadente do Pavilhão 24 onde também funciona a Clínica Psiquiátrica Salgado Araújo.

Construído há 64 anos, o Hospital Júlio de Matos, instituição de referência internacional no domínio da psiquiatria, é constituído por um conjunto de pavilhões ladeados por espaços verdes, ocupando uma considerável área territorial. A deslocação no complexo torna-se agradável - a serenidade só é abalada com o desconforto da lembrança da doença subjacente. O hall de entrada do pavilhão esconde, sob a aparência de uma porta comum, uma ala direita que se abre para um cenário de desolação e abandono; a estranheza instala-se pelo total contraste entre os espaços contíguos. Paredes e chão esventrados, janelas com vidros partidos e tinta solta caracterizam este enorme espaço labiríntico e decadente conferindo-lhe uma carga perturbadora a que não fica obviamente alheia a consciência da sua funcionalidade passada. Os sinais mais evidentes da habitabilidade recente do espaço, para além das obras, são os vestígios do dia da inauguração: as tintas e os lápis utilizados, respectivamente, por Jorge Feijão e Artur Moreira, em intervenções ao vivo que parecem poder ser retomadas a qualquer momento.

Contrariando o já decadente princípio do white cube e seguindo as novas tendências expositivas, o espaço é tudo menos imparcial, a experiência do lugar, apreendida pelos artistas e reflectida nas obras, influencia também o espectador que se sente aprisionado num tempo submerso e silencioso, em que reminiscências de opressão emergem e contrastam com a serenidade bucólica vislumbrada através das janelas. A exposição remete também para uma cada vez mais frequente utilização de espaços expositivos alternativos a que se recorre esporadicamente. Já em 2002, no Pavilhão 21, um grupo de que faziam parte alguns membros da actual Plataforma organizou uma mostra de que os jardins guardam memória através da permanência de algumas esculturas. Uma vez mais, e esta é outra das características do colectivo - que também comissariou “Interpretações: O Manicómio Dr. Heribaldo Raposo” e “Stigmata” - aposta-se na integração de pacientes do Hospital (três externos) que frequentam os ateliers de expressão artística da instituição, reafirmando-se a importância da criatividade na terapêutica ocupacional e na desmistificação de alguns preconceitos associados à saúde mental.

A relatividade e fugacidade do real está particularmente reflectida no vídeo apresentado por João Leonardo documentando o momento em que lhe é tatuada a palavra “real”, acto que, posteriormente, é apagado num processo de manipulação da imagem (rewind); o princípio da tatuagem, supostamente para sempre, é subvertido. Luís Nobre apresenta uma escultura que, concebida com “cavalos” de ginástica, se assemelha simultaneamente ao animal e a um sarcófago, remetendo para a contradição entre a vitalidade (reflectida na prática de exercício físico e na destreza do animal) e a imobilidade e consternação (sugerida pela morte e pelo aprisionamento). A difusa linha que separa o real da ilusão, a suposta segurança de um aparente equilíbrio, está também metaforizada na depurada escultura de António Bolota: uma fina barra de metal enferrujado, que une os extremos da sala, suporta um banco; a fragilidade que predomina recorda-nos que vivemos sempre numa espécie de corda bamba, entre a queda e o equilíbrio.

Sandro Resende projecta um vídeo cuja visualização requer uma pequena batalha contra o desconforto físico. Gil, interno na instituição, a comer pela primeira vez um hambúrguer de uma cadeia de fast-food recorda-nos que o isolamento acaba sempre por ser quebrado, o mundo entra inevitavelmente por todos os poros, mesmo quando se vive numa espécie de clausura. Não se percebe se o paladar se deliciou ou não com a nova iguaria. O vídeo realça sobretudo o seu olhar inexpressivo, a tendência para um inquestionável conformismo, como se da ingestão de mais uma dose de medicamentos se tratasse. Pedro Valdez Cardoso volta a apostar na utilização do tecido (e da palavra bordada) enquanto invólucro que transfigura objectos banais. Desta vez, concebeu um “chouriço” frequentemente colocado nos parapeitos das janelas para evitar a passagem do frio - metáfora do esforço da não contaminação pelo exterior, de uma espécie de aprisionamento forçado. Igualmente revelador é o facto de o enchimento ser composto por cinzas dos referidos objectos alienados que o artista decidiu queimar. Os factores de perturbação acabam sempre por voltar a emergir, renascendo das cinzas.

Em “Objecto: Simulacro” – invocação da obra de Jean Baudrillard – à experiência avassaladora do lugar acresce a homogeneidade da qualidade das obras em exposição que teimam em alertar para o facto da realidade, por muito transfigurada que se apresente, acabar sempre por se revelar, ainda que aprisionada na sua inevitável subjectividade. A vida a imitar a arte.

Cristina Campos