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ANA VIDIGALMenina Limpa, Menina SujaCAM - CENTRO DE ARTE MODERNA Rua Dr. Nicolau de Bettencourt 1050-078 Lisboa 23 JUL - 26 SET 2010 Uma exposição antológica, traz consigo, para além da dificuldade de reunir obras de diferentes coleccionadores, o desafio de conseguir uma coerência formal e temática entre peças que, como no caso de Ana Vidigal compreendem um período de cerca de trinta anos. Mas Vidigal, exceptuando umas experiências mais abstractas dos anos 80, há muito que se dedica ao tema da condição feminina, uma perspectiva que versa não os maus tratos ou abusos físicos, mas sim questões sobre a condição feminina na família e na sociedade. Uma espécie de crítica de costumes com muita ironia e lucidez. Nesse sentido, “Menina Limpa, Menina Suja”, com curadoria de Isabel Carlos, é de uma completa harmonia temática e denota um amadurecimento formal da artista que nem sempre é comum. A exposição que podemos ver no CAM começa nos anos 2000 e acaba nos anos 80, numa espécie de percurso cronológico mas não linear sobre a sua obra, com predominância de pintura mas onde também podemos ver aquilo que a própria artista considera “trabalho paralelo”. Ana Vidigal nasceu em 1960 e concluiu pintura na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa em 1984, mas no CAM podemos ver obras anteriores a esta data o que confirma uma profícua carreira. Já recebeu vários prémios como o Prémio Maluda, em 1999 e Prémio Amadeo de Souza Cardozo, em 2003. Está representada em várias colecções públicas e privadas como a Culturgest, a Fundação de Serralves, a Colecção Berardo e a Colecção Deutsche Bank. Por ironia não está representada na colecção da Fundação Calouste Gulbenkian onde agora está a sua antológica e que em 1985 lhe atribuiu uma bolsa. “Domingo à Tarde” (2000) é um vídeo que podemos ver no começo do percurso expositivo. É um vídeo doméstico, plano fixo sobre o rosto da artista que pratica sobre ele uma série de acções, como cobri-lo de pioneses colados sobre fita-cola, cobrir a cabeça com sacos de plástico ou enchendo-a de tape e por último reflectindo o seu rosto num espelho que o deforma. Num processo profundamente performativo, Vidigal vai construindo sucessivas máscaras que nos repelem, mas cujo processo de execução nos sentimos impelidos a ver. Também aqui, como noutros trabalhos seus, o método é o processo de colagem e sobreposição. Passado um ano, Vidigal usa stills retirados deste vídeo para compor “Tornei-me feminista para não ser masoquista”, uma sucessão de imagens com frases que, à laia de provérbios portugueses, dizem o que a artista muito bem entende sobre si e sobre os homens com aguçada ironia. A maior parte das suas obras usam o dispositivo do humor e da ironia como em “Detesto o Campo” (2006), uma tela preenchida por flores daquelas de papel autocolante muito usadas nas cozinhas das décadas de 70 e 80. Na maior parte das suas obras, o humor ou a crítica é dado precisamente na conjugação do texto com o resto da obra, nomeadamente nos títulos, que são muito literários e muitas vezes parecem retirados de pedaços de diálogos ouvidos aqui e ali, que descontextualizados e inseridos nas suas obras nos soam a private jokes das quais nos sentimos excluídos. Tal como outros artistas, Vidigal debruça-se também sobre a memória. No seu caso, uma memória de um tempo específico, o da sua infância e adolescência, marcadas por uma guerra colonial que separava famílias e dominava os quotidianos. É o caso de “Project Room – Void” (2007), uma recriação do seu quarto de miúda, onde podemos ver fotos espalhadas pela parede e a forrar a sua cama de criança. Babetes ao longo da parede são o suporte de fotos e de pedaços de missivas de amor e saudades familiares ou até de facturas diversas. No fundo há uma espécie de suave confrontação entre a agressividade de uma guerra e da ausência que provoca, e a ternura da vida doméstica. Há também um sentido de reaproveitamento nas suas obras. Tal como descontextualiza o texto, Vidigal também descontextualiza os objectos, mas sem lhes retirar o sentido. Nenhum objecto está numa composição por acaso. Na série “Woman’s work is never done” (2002), Vidigal utiliza materiais como lã e flores artificiais, materiais de utilização doméstica combinados novamente com frases que funcionam como pequenos desabafos, enquanto na série “Jogo Americano” (1997/98), usa individuais de plástico para construir composições quase gráficas, corroendo o carácter doméstico e decorativo do objecto. Há aliás, algo de espírito brincalhão nas suas obras. Não por utilizar bonecos de peluche como faz em “(Des)animados” (2000) ou “El Amor Perjudica Seriamente La Salud” (1997), mas porque utiliza todos os exemplos de estereótipos de felicidade e retorce-os sem ponta de maldade, mas com a frontalidade necessária para nos questionarmos acerca do seu significado. A exposição acaba com pinturas abstractas dos anos 80 e princípios dos 90, que não possuem ainda o carácter crítico das obras mais tardias, mas revelam já as bases do que Ana Vidigal viria a fazer no final dos anos 90, com uma grande dose de experimentação e procura quer formal quer nas técnicas e materiais utilizados, revelando a coerência que define o seu trabalho nestes últimos 30 anos.
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