Links

EXPOSIÇÕES ATUAIS


Um Eclipse Distante (2014), José Pedro Cortes. Vista da exposição. Fotografia: Liz Vahia


Um Eclipse Distante (2014), José Pedro Cortes. Vista da exposição. Fotografia: Liz Vahia


Um Eclipse Distante (2014), José Pedro Cortes.


Um Eclipse Distante (2014), José Pedro Cortes.


Ausência Permanente (2014), Délio Jasse


Ausência Permanente (2014), Délio Jasse


Ausência Permanente (2014), Délio Jasse. Vista da exposição. Fotografia: Liz Vahia


Ausência Permanente (2014), Délio Jasse. Vista da exposição. Fotografia: Liz Vahia


Ausência Permanente (2014), Délio Jasse. Vista da exposição. Fotografia: Liz Vahia


Nós Sempre Teremos Marte (2014), Letícia Ramos


Nós Sempre Teremos Marte (2014), Letícia Ramos


VOSTOK (2014), still do filme, Letícia Ramos


VOSTOK (2014), still do filme, Letícia Ramos

Outras exposições actuais:

JORGE GALINDO

BLACK PAINTINGS


Galeria Duarte Sequeira, Braga
THELMA POTT

JOANA VASCONCELOS

TRANSCENDING THE DOMESTIC


MICAS — Malta International Contemporary Arts Space,
CATARINA REAL

JOSÉ LOUREIRO

O DEFEITO PERFEITO


Galeria Fernando Santos (Porto), Porto
RODRIGO MAGALHÃES

JOANA VILLAVERDE

MY PLEASURE


Galerias Municipais - Pavilhão Branco, Lisboa
JOANA CONSIGLIERI

OLGA DE AMARAL

OLGA DE AMARAL


Fondation Cartier pour l’art contemporain, Paris
CLÁUDIA HANDEM

NAN GOLDIN

INTIMIDADES EM FUGA. EM TORNO DE NAN GOLDIN


MAC/CCB - Museu de Arte Contemporânea, Lisboa
PAULO ROBERTO

ERWIN WURM

ERWIN WURM. A 70TH-BIRTHDAY RETROSPECTIVE


Albertina Modern, Viena
CONSTANÇA BABO

BARBARA CRANE

BARBARA CRANE


Centre Pompidou, Paris
PAULO ROBERTO

FRANCIS BACON

HUMAN PRESENCE


National Portrait Gallery, Londres
THELMA POTT

TINA BARNEY

FAMILY TIES


Jeu de Paume (Concorde), Paris
CLÁUDIA HANDEM

ARQUIVO:


DéLIO JASSE, JOSé PEDRO CORTES E LETíCIA RAMOS

BES Photo 2014 | 10ª Edição




MUSEU COLEÇÃO BERARDO
Praça do Império
1499-003 Lisboa

28 MAI - 07 SET 2014

3 equações-entre-espaços

Diz-se uma equação ao que se pesa e iguala, resolvendo valores anteriormente desconhecidos. Os três artistas nomeados a concurso para o 10º BES Photo, parecem querer movimentar-se entre incógnitas que permanecem irresolúveis. E aí reside justamente a sua força.

A ideia de equação aqui forjada para os projetos que Délio Jasse, José Pedro Cortes e Letícia Ramos apresentam no Museu Berardo, surge desse lado do enigma, algo que está por descobrir e que atravessa, de um modo distinto, os respetivos trabalhos.

No prémio que comemora 10 anos de existência e 4 de um profícuo alargamento geográfico ao Brasil e aos países de língua oficial portuguesa (os PALOP), a prática da fotografia tem vindo a arriscar deixar de caber na tradicional gaveta da modalidade artística. Por isso, ao percorrer as salas das exposições que agregam a coletiva, noto que das imagens diarísticas de Cortes até ao vídeo de ficção científica de Letícia - passando pela instalação central com imagens submersas em caixas, do angolano Délio Jasse - há uma exploração multifacetada do mesmo suporte fotográfico.

Micro e macro-cosmos, privado e público, pessoal e coletivo, realidade e ficção, ausência e presença não são só contrários. São também as infinitas variáveis nos espaços que estão entre. E os criadores selecionados sabem como fazê-las aparecer.



José Pedro Cortes (Portugal) | Um Eclipse Distante


What a beautifull fall! Everything shimmering and golden and all that incredible soft light.

Laurie Anderson, obituário de Lou Reed (31 outubro 2013)


Um Eclipse Distante começa com a presença do obituário de Lou Reed, escrito pela mulher, a performer Laurie Anderson. Visualmente deslocada das restantes obras, quase despercebida no entorno do espaço expositivo, aquela impressão de um site de internet [1] sinaliza um determinado tempo: “o ano em que Lou Reed morreu”, assim se esteve para chamar a exposição.
A contextualização nesta espécie de prólogo, o próprio título, aparentemente contradizem o que José Pedro Cortes depois apresenta. Um conjunto de fotografias de maiores dimensões mostram resquícios do quotidiano urbano, lado a lado com séries onde o corpo feminino se celebra nos pormenores e nos movimentos sequenciados. Este é um tempo íntimo, sem história. O tempo suspenso, que se traduz apenas no olhar que demora e repara: “uma visão sobre o momento da minha fotografia”, diz o artista.
Cortes já não é só o fotógrafo que se infiltra, silencioso, no espaço público e privado que procura. Mais que vouyeur, ele estabelece uma relação com o fotografado. Como acontece no retrato quase encenado: dezasseis imagens de uma sala antiga, um pano negro pendurado, uma cadeira que suporta o peso da modelo que experimenta posar para ele, ora clássica, ora frágil.

Interessado na edição de álbuns, o fotógrafo compromete-se com os fragmentos do mundo: pormenores re-velados dos corpos humanos, vegetais, objetuais, a pequena arquitetura do país invadida pelo sol. São focos de atenção num bairro lisboeta (sabemos, mas podemos tentar adivinhar qual é), como aliás já fora no projeto Costa, sobre a Costa da Caparica, um livro [2] e exposição [3] apresentada no Carpe Diem em 2012. A foto ampliada serve para defender a importância do representado, trazendo para o mesmo plano distâncias e aproximações: o exotismo verde da planta, o cigarro apagado na superfície indefinida, o pedaço de madeira chamuscada, o pormenor do turbo fixado num velho carro, o retrato em close-up, belíssimo, daquela flor.

Mas é sempre sobre luz (tangente ou eclipsada) que esta exposição se equaciona. A luz que quase queima a foto do rosto de uma mulher jovem porque isso pertence à materialidade da cidade e da própria fotografia.



Délio Jasse (Angola) | Ausência Permanente


Certas pessoas padecem do medo de ser esquecidas. A essa patologia chama-se atazagorafobia.
Com ele sucedia o oposto: vivia do terror de que nunca o esquecessem.
Lá, no Delta do Okavango, sentira-se esquecido. Fora feliz.


José Eduardo Agualusa, Teoria Geral do Esquecimento (2012)


A instalação fotográfica de Délio Jasse convoca a memória num duplo-sentido: ao nível formal, exibe o processo da analógica; ao nível do conteúdo, traz ao presente o passado colonialista.

Uma série de imagens boiam no interior de caixas acrílicas pousadas no chão. Ao longe, vemos a transparência branca, vermelha, azul, amarela bem iluminada e visualmente apelativa. De perto, a emulsão que o próprio artista produz, misturando e alterando os compostos químicos, faz aparecer fotos trabalhadas a partir de sobreposições. Tratam-se de imagens de imagens e documentos que são recolhidos em alfarrabistas, na feira da ladra, ou que pertencem à coleção do artista.
Este arquivo de registos da identidade coletiva ao mesmo tempo que pessoal transportam uma multitude de camadas de sentido. A biografia é, em primeiro lugar, do artista que veio para Lisboa aos dezoito anos, trabalhou num atelier de serigrafia e passou o cabo dos trabalhos em aventuras burocráticas para a obtenção da nacionalidade portuguesa. Sabemo-lo mais concretamente presente, porque Délio Jasse nos explica que estão ali também documentos seus, a sua identidade condensada num número. Passaportes, carimbos datados dos Serviços de Migração e Estrangeiros, impressões digitais, cartas de aviso de morte e retratos anónimos convivem com imagens da capital de Angola. Luanda velha e Luanda da nova era.

Ausência Permanente constitui a síntese dos trabalhos sobre vestígios e fronteiras que o artista vem apresentando, sobretudo nas séries Arquivo Urbano, Contacto [4] e Pontus [5], todas de 2012. É também um olhar poético para o património histórico, povoado de fendas, temática transversal a outros artistas contemporâneos.

O criador diz ser quase um arqueólogo, no desvelamento das imagens, não fossem estas submetidas à manipulação depois do confronto. Portanto, ele afirma que não se quer (ou pode) chegar à verdade: “nenhuma narrativa é pura”. Até porque à semelhança dos projetos dos nomeados, o espaço é ambíguo e o tempo está entre-tempos. Na água que simboliza o oceano de Portugal a Angola, a realidade e a imaginação também se diluem.



Letícia Ramos (Brasil) | Nós Sempre Teremos Marte


Estamos pois face a dois estados de atenção, a dois modos de pegar numa lupa: o cientista que só procura o novo para o eliminar, por via da repetição do olhar (...) O imaginador não quer obter a garantia de que pode voltar ao mesmo sítio e ver o mesmo, quer sim, pelo contrário, a garantia de que pode, a qualquer momento, “sair do sítio que conhece”.

Gonçalo M. Tavares, Atlas do Corpo e da Imaginação (2013)


Com Letícia Ramos entramos numa ordem espacial. É até progressivo o caminho, da particularidade imagética de Cortes até aqui. Ainda que o trabalho de Nós Sempre Teremos Marte constitua também uma narrativa íntima. O leque de influências da brasileira assenta nas descobertas científicas, as primeiras transmissões da expedição inter-planetária e expande-se para a ficção, para a música, para os filmes dos anos 50. Ou para a fala amorosa de Rick Blaine em Casablanca (1942) “Nós sempre teremos Paris”, renovada no título. Marte simboliza a promessa de recomeço do mundo, a hipótese de sair do sítio que se conhece. Neste sentido, a artista fabrica o seu universo ao mesmo tempo que reflete sobre a evolução do contexto e dispositivos na fotografia.

Formada em arquitetura e cinema, Letícia busca uma poética do desconhecido - que provoque um deslumbramento - rejeitando a rapidez provocada pela massificação cinematográfica. A preto e branco, as fotografias Paisagens e a série de Meteoritos evocam estado caótico ou pré-cósmico a partir de imagens com ruído e poeira, reconhecíveis pela associação aos títulos. São, contudo, resultado de uma paisagem artificial. Alguns apontamentos subtis desnudam o próprio trabalho de ateliê, com estudos quantificando a atuação da luz sobre o papel, caso do trabalho Fita Teste do microfilme.

Já o díptico que parece repetir a mesma imagem, mas em posição invertida, joga com a percepção e imaginação do observador. Podemos ensaiar contornos à mancha de cor produzidas, como quem quer dar nomes às nuvens. A artista cita, curiosamente, essa simulação no título da obra Teletransporte, a semelhança à figura humana, virtual ou real.

Na última sala, um elogio ao cinema. Vostok (2013-2014) [6] é o filme pertencente a um projeto que incluiu uma performance ao vivo (cuja gravação é incorporada na banda sonora), um LP, um website e um livro de documentação. A inspiração surge após uma residência da artista no Pólo Norte e a notícia de uma base de pesquisa na Antártida, onde se estuda o campo magnético do planeta: “Em 2012, cientistas russos puderam retirar amostras do lago submerso Vostok, o resto é invenção”, nas palavras de Letícia.

A expedição criativa concebe-se no imaginário da artista com sede num estúdio de micro-filmagem e com as miniaturas que produz. Antecipam-se incursões científicas, como na literatura de Júlio Verne e Jacques Cousteau. O universo é um deserto de possibilidades e novas equações.

De uma sensibilidade invulgar, a última mostra da coletiva transmite uma serenidade que nos envolve, a tal familiaridade inquietante. O nada é ainda-não-ser.



Rita Xavier Monteiro



:::

Notas

[1] Ver: http://www.easthamptonstar.com/obituaries/20131031/lou-reed
[2] Ver: http://www.vimeo.com/85702013
[3] Ver: http://www.carpediemartepesquisa.com/pt-pt/content/jos%C3%A9-pedro-cortes
[4] Ver: http://www.deliojasse.com/Contacto
[5] Ver: http://www.deliojasse.com/Pontus
[6] Ver: http://www.leticiaramos.com.br/category/vostok/



Rita Xavier Monteiro