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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição Monuments in Reverse de Ângela Ferreira. Cortesia da artista e CAAA.


Vista da exposição Monuments in Reverse de Ângela Ferreira. Cortesia da artista e CAAA.


Vista da exposição Monuments in Reverse de Ângela Ferreira. Cortesia da artista e CAAA.


Vista da exposição Monuments in Reverse de Ângela Ferreira. Cortesia da artista e CAAA.


Vista da exposição Monuments in Reverse de Ângela Ferreira. Cortesia da artista e CAAA.


Vista da exposição Monuments in Reverse de Ângela Ferreira. Cortesia da artista e CAAA.


Vista da exposição Monuments in Reverse de Ângela Ferreira. Cortesia da artista e CAAA.


Vista da exposição Monuments in Reverse de Ângela Ferreira. Cortesia da artista e CAAA.


Vista da exposição Monuments in Reverse de Ângela Ferreira. Cortesia da artista e CAAA.


Vista da exposição Monuments in Reverse de Ângela Ferreira. Cortesia da artista e CAAA.


Vista da exposição Monuments in Reverse de Ângela Ferreira. Cortesia da artista e CAAA.


Vista da exposição Monuments in Reverse de Ângela Ferreira. Cortesia da artista e CAAA.

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ARQUIVO:


ÂNGELA FERREIRA

Monuments in Reverse




CAAA - CENTRO PARA OS ASSUNTOS DE ARTE E ARQUITECTURA
Rua Padre Augusto Borges de Sá
4810-523 Guimarães

17 JAN - 15 MAR 2015


 

Ainda não vimos nada e já reconhecemos a voz de Bob Dylan imiscuída em ritmos africanos; mais tarde perceberemos que se trata de uma projecção de um concerto do cantautor americano em Colorado como forma de celebração da independência moçambicana. Frente-a-frente com imagens de "Makwayela", filme documental de Jean Rouch e Jacques Levy (1997), realizado ainda na frescura da queda do regime colonial. Um grupo de trabalhadores canta e dança de braços entrelaçados: enquanto as músicas coabitam e se complementam, os passos, esses, fluem também ao ritmo de Dylan.

 

Estes são dois dos trabalhos apresentados por Ângela Ferreira em "Monuments in Reverse", exposição que reúne, pela primeira vez, um conjunto de obras realizadas pela artista entre 2008 e 2012. Nascida em Moçambique, Ângela Ferreira dedicou-se ao estudo e à documentação da história recente do seu país de origem, nomeadamente no que diz respeito à produção televisiva e cinematográfica, confrontando, muitas das vezes espacialmente, os seus trabalhos com os de autores referenciais. Ao longo dos anos o trabalho da artista tem revelado um interesse particular pelo contexto social moçambicano e por uma reflexão do mesmo através do processo criativo e da prática artística.

 

A lógica do dispositivo curatorial divide-se em quatro momentos e em quatro espaços, essenciais para a leitura da exposição. "For Mozambique (Model no. 1 for screen-tribune-kiosk celebrating a post-independence utopia)" é parte de uma série de estruturas construtivistas em madeira baseadas nos desenhos de Gustav Klucis para os agitprop, quiosques de propaganda do Partido Comunista Russo que incluíam, entre outras funções, ecrãs para a projecção de filmes e, neste caso, dos filmes que a circundavam. Em entrevista à Artecapital em 2014, Ângela Ferreira afirmava que o caso da série "For Mozambique" faz com que seja mais difícil ao observador evitar a questão de como é que eu vejo o Dylan em relação a África, como é que vejo o Dylan como voyer de uma conjuntura africana, questão essa que provavelmente não é associada ao Bob Dylan muito frequentemente. Em maqueta, "For Mozambique" despe-se da escala original e das competências técnicas; apresentado lado-a-lado com os desenhos que lhe dão origem, evocam-se as ideias de processo, de construção, mas também de arquivo e memória. De certa maneira, o "fazer" e o "feito" equivalem-se.

 

Ainda neste espaço, mas num segundo movimento de projecção, surgem imagens em papel do projecto de Jean-Luc Godard e Anne Marie Mièville, intitulado, não por acaso, "Nord contre Sud ou Naissance (de l\\\'image) d\\\'une nation" (1977-1978), em que os realizadores fazem coincidir o nascimento de uma nação com o nascimento da sua própria imagem e de um novo modelo de televisão que não replicasse simplesmente os modelos ocidentais. O projecto nunca se viria a concretizar tendo como principais entraves as guerras, primeiro contra a Rodésia e depois contra a África do Sul, mas também a morte de Samora Machel, que havia feito o convite. Os quatros elementos dialogam entre si e resultam como a desconstrução de uma instalação, iluminando-se uns aos outros.
"Rouch in Reverse", filme do malinês Manthia Diwara, é o impulsionador desta revisitação a este momento específico da história de Moçambique e, como tal, não poderia deixar de figurar neste percurso. O trabalho de Jean Rouch é explorado - o que antes era objecto de pesquisa (o africano) investiga e torna visível o seu pesquisador [1] - e, a partir da era pós-colonial, a história de Moçambique é colocada sob várias perspectivas criando uma discussão.

 

De Dylan a Hendrix. Em "Research Composite", Ferreira coliga, através de documentação, o concerto do guitarrista nas Chislehurst Caves, nos anos sessenta, e o simbolismo da letra "Stone Free", com a ideia de cinema cavern desenvolvida por Robert Smithson. Ideia essa que será apropriada pela artista para esculpir a maqueta no3 de "Study for monuments to Jean Rouch\\\'s Super 8 film workshop\\\' in Mozambique, na qual uma pequena representação de uma projecção se faz dentro de uma forma curvilínea remetendo, não só para a caverna de Smithson, mas também para a circularidade das posições da audiência nos processos de filmagem. A lanterna-projector surge como fonte de iluminação que permite uma clarificação, não apenas física, mas simbólica, o cinema faz-nos ver melhor. Lembra a curadora Ana Balona de Oliveira que as intervenções de land art de Smithson para cavernas de cinema radical e salas de projecção underground (…) servem para desocultar criticamente as conexões "underground" entre a indústria de extracção de diamantes na África do Sul e as Jóias da Coroa Britânica e, em termos mais alargados, as desigualdades [2].

 

Já em "Study nº 2" é peremptória a noção de espelho, tanto pela duplicação dos projectores como pelo facto da carteira que os sustenta estar também presente, por associação, nas respectivas fotografias que projectam. Ambas a preto e branco, mas se numa predominam os tons claros, na outra predominam os escuros, se numa o quadro de escola é branco, noutra é cinzento; como se uma fosse o negativo de outra. A carteira escolar transporta-nos, idealmente, para o espaço da sala de aula mas, ao figurar na exposição, exerce também uma força física, como se nos convidasse a sentarmo-nos, ainda que sem cadeira. É precisamente esse movimento que nos transporta também para a sala de cinema. Comum a esses dois imaginários, a horizontalidade das mesas (refiro-me à mesa de montagem no cinema), de trabalho, por excelência, em oposição à verticalidade das telas e dos quadros. Em "Study nº3" repetem-se os elementos curvilíneos: um pequeno projector edificado sob uma torre de forma cilíndrica reflecte esta última forma mas numa posição transversal, aludindo aos próprios mecanismos do cinema. No conjunto, tudo parece então tender para o sentido único da democratização dos meios e dos processos cinematográficos na Moçambique pós-colonial.

 

O filme "Kuxa Kanema: O Nascimento do Cinema" (também em exposição), de Margarida Cardoso, regista o momento da história moçambicana em que o governo de Samora Machel cria o Instituto Nacional de Cinema (ICN), em que se criam unidades móveis de cinema, em que se cria um jornal cinematográfico (de onde vêm o título do filme), em que o objectivo sumário (e circundante) é "filmar a imagem do povo e devolvê-la ao povo". É o retrato de um cinema emergente e de um cinema de emergência. Emergência em construir um país e de construir a imagem e a memória desse país. É a partir destas imagens, em específico do still apresentado em "Radio Tower Mozambique", que Ângela Ferreira se vai interessar pelas torres que garantiam a difusão da propaganda áudio da FRELIMO.



Na escultura "Kaapse Sonnette/Cape Sonnets (Gum thatching lathes)" a escala ganha dimensão, obrigando-nos a levantar a cabeça e a olhar para cima pela primeira vez durante a exposição. Curiosamente, olhamos para ouvir. Os materiais delicados que até então encontramos nas maquetes da artista dão lugar a robustos troncos de madeira para vedação, articulados por parafusos maquinais. No cimo da torre há dois megafones que emitem - ora em cape-afrikaans, ora em inglês - a poesia satírica de Peter Blum referente ao contexto social sul-africano e muito particularmente ao regime apartheid. Importa lembrar que a escrita contestatária levou a que lhe recusassem o estatuto de cidadão da África do Sul por duas vezes. O gesto de desterritorialização da torre permite novas leituras. Por um lado, pretende-se que o intento do broadcasting permaneça nesse sentido em que proporciona uma audição/visualização colectiva, dando azo à interpretação e à discussão dos conteúdos recebidos. [3] Por outro lado, desponta uma aproximação política que traz à tona um conflito de utopias.

 

"Monuments in Reverse" – como os desenhos, os estudos, as recolhas, as maquetas e os monumentos – está em construção. É essa faceta, propositadamente ou não, inacabada que permite uma constante metamorfose. Ainda que muitos dos projectos da utopia moçambicana da pós-independência tenham terminado também eles incompletos, esta revisitação dos seus modos e dos seus desejos convoca-nos a reflectir o presente e procurar um futuro imperfeito.

 


Alexandra João


:::

Notas

[1] Laramee, Michael. "Petit à Petit and The Lion Hunters". pp. 179-193. em Three Documentary Filmmakers: Errol Morris, Ross McElwee, Jean Rouch. (ed. William Rothman). Nova Iorque: Sunny Press, 2009.
[2] http://www.centroaaa.org/wp-content/uploads/2015/01/Monuments-in-Reverse-PT.pdf
[3] http://www.steirischerherbst.at/2010/english/calendar/calendar.php?eid=111



Alexandra João