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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Paulo Serra, Sem título, 2009. Grafite sobre rolos de papel. Cortesia Museu Municipal de Faro. Fotografia: Paulo Pacheco


Vista da exposição. Gonçalo Pena, Desenho e Animismo, 1986-2015. Fotografia: Vasco Célio/Still


Gonçalo Pena, Desenho e Animismo, 1986-2015. Fotografia: Vasco Célio/Still


Núcleos Mattia Denisse e Alexandre Conefrey. Vista da exposição. Fotografia: Vasco Célio/Still


António Poppe, Morir per non Morir, Ennos, Sem data. Colagem. Fotografia: Paulo Pacheco


Vista da exposição. Fotografia: Vasco Célio/Still


Pedro A. H. Paixão, Sem título, 2011, Lápis de cor sobre papel. Courtesia Galeria 111


Vista da exposição. Núcleo Rui Moreira. Fotografia: Vasco Célio/Still


Vista da exposição. Fotografia: Vasco Célio/Still


Jorge Feijão, Sem título, 2004-2014, e Sem título, 2004-2014. Fotografia: Paulo Pacheco


Vista da exposição. Núcleo António Poppe. Fotografia: Vasco Célio/Still


Vista da exposição. Núcleo António Poppe. Fotografia: Vasco Célio/Still


António Poppe, Meditação Corallinae. Tinta da china sobre papel. Coleção Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (em depósito na Fundação de Serralves – Museu de Arte Contemporânea).


Vista da exposição. Fotografia: Vasco Célio/Still


Otelo Fabião, Suture or remmnants of a burnt bridge, 2014. Madeira queimada, agrafos, laca aerossol. Fotografia: Paulo Pacheco


Vista da exposição. Fotografia: Vasco Célio/Still

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ARQUIVO:


COLECTIVA

ORACULAR SPECTACULAR: DESENHO E ANIMISMO




CENTRO INTERNACIONAL DAS ARTES JOSÉ DE GUIMARÃES
Avenida Conde Margaride, nº 175
4810-535 Guimarães

24 JAN - 05 ABR 2015

ORACULAR SPECTACULAR – IMAGENS INDISCIPLINADAS

Poderíamos dizer que o espírito da exposição “Oracular Spectacular” começa já com as obras de Rui Moreira e Pedro A. H. Paixão que integram a exposição “Rituais com Máscaras – Um Face a Face”, que junta peças da colecção Museu Abade de Baçal com peças da colecção das máscaras do CIAJG.

A presença do ritual, a força visual e a energia que emanam dos fatos dos caretos reflectem-se nos desenhos de Rui Moreira e no vídeo de Pedro A. H. Paixão.
É-nos dito que “Rui Moreira e Pedro A. H. Paixão viajaram para Trás-os-Montes para observar e participar activamente nas festas dos caretos de Podence. Resultou um conjunto de obras entre o desenho e o audiovisual, oscilando entre o material e o imaterial, tradição e contemporaneidade”. Os desenhos de Rui Moreira são de 2004, caretos a tinta da china com falos que irrompem vindos de baixo ou saindo da cabeça. Estão colocados junto aos manequins com os fatos usados nesse ritual de inverno, como que sombras animadas dos trajes agora inertes.

O vídeo de Pedro A. H. Paixão, “Segundo estudo para um filme sobre ‘memória e recordação’ de Aristóteles” (11’), 2014, foi filmado em Trás os Montes em 2007/08 e junta imagens recolhidas no local com imagens dos índios Pueblo dos EUA (fotografados por Curtis), pautado periodicamente por um som de um pássaro da Amazónia. O vídeo começa com um traveling sobre os montes transmontanos entrecortado por um outro traveling sobre uma fotografia de casas abandonadas numa zona desértica, em ruínas, numa desolação arquitectónica, climatérica e cromática que se afirma em contraste com a paisagem habitada, ruidosa a caótica de Trás-os-Montes. Contraste também entre o silêncio das imagens dos índios, dos rituais passados, de outros caretos votados ao silêncio, caretos a preto e branco numa desolação de pó e deserto de paredes derrocadas, com estes aqui em Trás-os-Montes ainda tão vivos.

Comum a estes trabalhos e aos que se apresentam em “Oracular Spectacular”, é a ênfase no processual e não na conformidade com uma imagem final, no questionar de um pensamento lógico e a sobreposição da força, da potência, a uma ideia de forma – é um desenho expandido. Os trabalhos revestem-se de uma característica de revelação, de aparição e não tanto de representação, com tudo o que esta implica de significante, coerente, coeso. O desenho já tem esta associação a uma acção primária e primordial, liga-se ao ritualizado, a uma Prática regular, necessária. Aqui é um desenho que integra as dinâmicas exteriores ao próprio fazer técnico, encontrando uma articulação entre o corpo-produtor de formas e o corpo-produtor de visões. O desenho é o acto de desenhar, é o querer encetar a acção.

“Oracular Spectacular: Desenho e Animismo”, com curadoria de Nuno Faria, é uma exposição colectiva mas que se encontra organizada por núcleos individuais. Cada um dos seus artistas carrega um universo próprio e isso reflecte-se também na montagem da própria exposição. Entramos em cada um dos núcleos e relacionamo-nos de forma diferente com as obras. Umas pedem que nos acerquemos, outras pedem uma visão de conjunto, outras ainda relacionam-se com o nosso corpo como um volume que circula pelo espaço. Há leveza e rapidez em contraste com minúcia, há obsessão gráfica e ao mesmo tempo um extravasar de materiais plásticos, desde borrachas a madeira, alcatrão a aquecedores. Em todas elas, o material liga-se ao sensível, o visível ao invisível, a forma à energia.

O termo “oráculo”, sendo um dispositivo ou uma pessoa através da qual se acreditava que os deuses falavam, aparece aqui a reforçar a ideia de convocação, da capacidade xamânica de visualizar o que não pode ser visto de outra forma. O desenho é este lugar da revelação, que fala em nome do seu autor quando é convocado. Um desenho-agente, imbuído de uma essência espiritual, como afirma o subtítulo da exposição.

A exposição inicia-se com uma sala dedicada a Gonçalo Pena e que tem a curadoria de João Maria Gusmão e Pedro Paiva. São 4 núcleos, dispersos pelas paredes, e 4 mesas. Alguns destes desenhos foram feitos especificamente para a exposição. Como é habitual na obra em papel de Gonçalo Pena, encontramos nos seus desenhos um carácter sexual, simbólico, iconográfico, irónico, paródico à representação clássica e com formas de caricatura. Ressalta a rapidez do fazer mesclada com uma reflexão irónica ao pensamento escrito.
Um dos núcleos, caracterizado de vanguardista/modernista, debruça-se sobre esta ideia da representação e do poder dos traços reconhecíveis. Numa outra parede, um desenho mostra um palhaço que come outro palhaço: a frase “este é o fim da palhaçada” não é mais do que o atestar que a representação se devora a si própria.

Logo a seguir está Mattia Denisse com a série de autorretratos realizada em 2000 em Evoramonte. O autor pensa-se a si próprio, projecta-se nas linhas que traçam o seu perfil/rosto. O retrato nunca é perfeito, é sempre incompleto, vago, desfocado, meio pintado, inacabado, como se fosse impossível alguém ter uma imagem completa/nítida de si mesmo (ver desenho onde a palavra “IMPOSSIBLE” está inscrita numa porta e “MYSTHÈRE” na boca do retratado). Há uma ideia de duplo ou segunda cara que se esconde, desviando-se ligeiramente, sobretudo a posição dos olhos, das orelhas. Há portas e janelas, estruturas geométricas que figuram ao lado, geralmente com aberturas para outros espaços, para paisagens, por exemplo, para um local social, habitado até pelo próprio (que espreita por uma janela para o seu retrato desfocado). O exterior é sempre mais concreto, mais colorido. A posição clássica do auto-retrato com o lápis na mão, não se representa, cria antes uma imagem outra que não aquela que segura o lápis - cria uma sombra silhueta, um outro enformado por uma folha de papel. O desenho não é uma representação do seu autor, é uma imagem impossível de fixar que só se revela aos poucos no acto de desenhar.

Ao lado, duas séries de Alexandre Conefrey, “s/ título” (2013) e “Plus” (2013). A primeira são variações de uma linha preta e vermelha numa grelha tipo partitura. Desenhos precisos como alguns dos seus outros trabalhos, mas aqui uma precisão com vista a uma libertação. Um desenho-coordenada de movimento, um desenho que é uma instrução para uma acção. Em “Plus” o papel está gravado com a faca, um desenho feito pela acção do corte, sulcado no papel como se este fosse um material denso como uma gravura ou baixo relevo. Apesar da aparente violência do acto, os cortes são também precisos.

No hall, a caminho do segundo núcleo da exposição, encontramos a obra “Estado de improbabilidade (Don’t you wonder sometimes ‘bout sound and vision” (2014-15), de Otelo Fabião, peça feita com fita VHS, borracha e um fragmento de sofá. Uma reflexão sobre a materialidade da imagem com esta presentificação das entranhas da visão: um olho a escorrer imagens, visceral e negro.
António Poppe, com “morir per morir” (s/data), dialoga com aquela peça mostrando uma infinidade de imagens sobrepostas em camadas sobre camadas. Tal como o “olho” de Fabião que escorre imagens ocultas na fita VHS, estas aqui são imagens que não se vêem também, estão já tão misturadas que perderam a sua referência singular, ganhando uma vida de conjunto como massa visual.

As obras de Jorge Feijão introduzem-nos ao último espaço da exposição. Poderíamos agrupar as obras aqui presentes em 2 grupos: um de imagens que necessitam do esforço de quem olha para se revelarem; outro de imagens que estão entre a presença e a ausência do seu criador.

Neste primeiro grupo incluiria as obras de Jorge Feijão, Rui Chafes, Pedro A. H. Paixão e Rui Moreira.
Nos desenhos de Jorge Feijão descobrem-se formas, mas elas estão retorcidas, embrulhadas em si mesmas, confundidas, obscurecidas. A sua ordem está oculta, enegrecida. Alguns dos trabalhos têm uma zona escura que parece sugar a forma e o nosso olhar. O negro atrai, como o buraco da árvore em primeiro plano com o homem morto ao fundo. Numa mesa, 4 desenhos de troncos de árvores, na sua intrincada rede de nervuras, anunciam uma minícua que trabalha, ao contrário do expectável, contra uma possibilidade de clareza.
Em Rui Chafes, os desenhos fluídos parecem esquemas orgânicos, detalhes de organismos vivos, manchados e escorridos de tinta vermelha e amarela. A dimensão de leveza (quase o esqueleto das suas peças em ferro) que poderiam ter é na realidade uma aparência enganosa.
Assim como Pedro A. H. Paixão, que mostra um carácter obsessivo do acto de desenhar, do traço repetido, do pontilhado preciso levado até à exaustão. É um desenho que se intensifica para se desvanecer logo a seguir noutras zonas. O retrato de Philippe Petit, por exemplo, é uma figura quase espectral, uma aparição como um holograma.

O núcleo de Rui Moreira compõe-se, além das obras nas paredes, de uma mesa com colagens usadas como estudos prévios aos desenhos, um retroprojector com uma pintura e uma televisão onde passa o filme “Branca de Neve”, de João César Monteiro, que o artista diz usar como “ambiente” para trabalhar. A sala tem portanto uma dimensão instalativa. O desenho aqui desmembra-se (ou emerge) em diversos materiais e processos de feitura diferentes. O negro perpassa por todas as obras, quer seja na obra “Estrela Negra”, que “reproduz” uma espécie de cúpula islâmica com um olho negro no centro, à qual é necessário nos aproximarmos muito para realmente ver o desenho, até ao retroprojector que se estiver apagado não podemos ver o que lá está, ou ao filme de César Monteiro, onde as “imagens” se criam com a nossa atenção ao diálogo entre as personagens. O balanço entre a luz e o negro é o que cria o desenho nestas obras de Rui Moreira.

Entre a presença e a ausência do seu criador estão os desenhos que compõem os núcleos de Daniel Barroca, António Poppe, Thierry Simões e Otelo Fabião.
Os trabalhos destes artistas denotam a agencialidade dos seus criadores, há um lado performativo, um lugar físico que evoca a presença/ausência do artista. Nos vídeos de António Poppe, na recriação do estúdio de Thierry Simões, nos inúmeros objectos transformados de Otelo Fabião, há esta agencialidade latente, como se ainda estivesse a decorrer - a lâmpada por cima do aquecedor no “estúdio” de Thierry Simões abana num movimento desenhado compassadamente, como que tocada por alguém.

A finalizar, os desenhos-colunas de Paulo Serra (desenhos-totens, desenhos-esculturas), rolos de papel dispostos na vertical, mostrando apenas partes dos conteúdos que sustentam. Na parede está também uma séries de desenhos feitos com decalques das ruas do Algarve, onde se pode reconhecer sinalética das águas, padrões de empedrado, desenhos geométricos do cimento. Um “desenho” não artístico, vernacular quase, é apropriado pelo artista por contacto directo e numa inversão de perspectiva.

“Oracular Spectacular: Desenho e Animismo” repensa dentro do domínio artístico este conceito de “animismo”, ligando-o a uma prática já de si próxima aos primórdios da vontade criativa. Originário da literatura antropológica do século XIX, o animismo estava relacionado com a ideia de “selvagem” e tudo o que se opunha à ideia de modernidade. As dicotomias fundadoras do pensamento ocidental ficavam sem sustentação nesta visão do mundo. Animais e pessoas, plantas e minerais, orgânico e inerte, sujeito e objecto, o eu e o mundo, tudo se misturaria. A ideia de um princípio de “realidade” deixaria de fazer sentido.

"Oracular Spectacular" usa o conceito de animismo como conceito operativo para pensar o desenho como Prática – como pensamento, para ligar criador e criação, público e experiência estética. Para atentarmos a noções como força e energia e libertarmos a imaginação da disciplina em direcção a uma espécie de “vida secreta das imagens e das coisas”.

 

 

[a autora escreve de acordo com a antiga ortografia]

 



Liz Vahia