|
COLECTIVAEXPOSIÇÃO / COMPOSIÇÃO, VARIAÇÃO Nº2GALERIA VERTICAL DO SILO AUTO Rua de Guedes de Azevedo, 180 Porto 31 MAR - 25 JUN 2017 VARIAÇÕES DE UM CINZENTO LÚCIDO
Em forma, encontramos implícito as suas variações, como variações de estar: a variação do espaço (forma) expositivo; a variação do percurso (forma) expositivo; a variação do processo (forma) expositivo – bastante forte para especulação retórica, isto, de expôr para cima e em contínua espiral - variação do público; variação do conforto e do confronto. Entre peças e autores e obras e público: variações na voz, variações no lugar do dito – que tornadas um todo – se conjugam na voz plural que uma exposição colectiva é, dando a ver uma forma (variação) inteira e una, a número dois. E mui importante será lembrar que forma=conteúdo, sempre. Variações de um cinzento-nostalgia: sete vezes cinzento (branco e beje muito, muito claro, MATE MATE: como escreve- diz na sua voz, Cristina Mateus) A cada si, a sua pedra – a que rompe as suas janelas, a que parte os vidros antes de fugirmos. Estamos todos tão sóbrios que estamos todos tão lúcidos que todos estamos conscientes: E melancolia não carrega a nota de um tom moral. É só triste, triste como uma condição de estado. É lúcida, e por isso é triste. A cada piso, um grito. A cada piso um silêncio. Um grito-silêncio paradoxal, que energiza as condicionantes do mundo – do estado – para dar a ver, com uma delicadeza polida, onde estamos, como vivemos, o que acabou, quais as nossas nostalgias, as nossas partilhas. Variações no2 é da cor do Porto, cidade de uma nostalgia sempre em potência, com esse tom tão próprio que é este de vivermos ainda num estado de resignação. 7,6,3,5,4,2,1 go... No piso abaixo, o sexto andar desta Galeria Vertical, Andreia Santana (Lisboa,1991) traz-nos o fim como um início – tal como a minha escolha de começar o percurso na decrescente - onde a colaboração com os antigos trabalhadores da extinta fábrica de sabão, em Lisboa, na criação de uma peça que é, à semelhança de Maria Trabulo, um gesto colector de memória. Quoting Exercises on Disappearance torna presente uma força colectiva no processo de produção de um conjunto de peças em glicerina - reprodução do varandim do miradouro - a única construção que ainda resta da antiga fábrica. Os trabalhadores, durante o seu período de trabalho, produzem o sabão que, inevitavelmente, se vai transformar naquele que utilizam para “lavar as mãos”. O exercício da produção é, simultaneamente, o exercício do esquecimento. Quoting Exercises on Disappearance carrega perguntas: quem são os protagonistas ou agentes nestas desaparições? As forças colectivas ou os espaços? Caminhamos todos – protagonistas de cíclicas desaparições – para um lugar onde somos memória- reprodução de nós próprios, força humana? Cristina Mateus (Porto, 1968) pergunta-nos palavras para quê, agarrando-se a elas. Até aos dentes. É onomatopaica a viagem de olharmos o vidro expiatório. Um dentro-fora especulativo, que nos lembra não só de onde estamos – uma exposição dentro de um parque de estacionamento – como nos atira à cara esta falta de sentido que é sermos seres de linguagem, quando as palavras são tão pouco face ao mundo. A.B.C. comporta um jogo interno de questionamento que é, sobretudo, auto-crítico: “A representação afasta-se sempre da realidade. É um processo de compensação”, escreve Cristina Mateus no texto que acompanha a obra. E no entanto, aqui estamos, neste limbo de tornar presente, voltar a tornar presente, este pensamento sobre o próprio ser-presente. A.B.C.: um início que é uma sigla. Então, um início que é vários inícios e que, por aí, nos inicia erradamente. Z. ZzzzzZzzzzzZ. Z.z. Não há hipótese, já estamos aqui (na linguagem). Que não é o mesmo tom que Fernando José Pereira (Porto, 1961), com as suas faixas protesto-manifesto, entre o argumentativo e o afirmativo, usa: HERE WE STAND. WE HAVE NO CHOICE. Com um fatalismo duro, e muito menos lirismo do que todos os outros andamentos (da composição que esta Variação nº2 é), representa (e, lembre-se a salvaguarda de Cristina Mateus) uma não esperança, que ainda assim nos deixa ler o ciclo: extermínio-luto- protesto-tudo-after. E apesar disso, ainda há espaço para ser pensado o que é isto do Depois (Everything is White Noise): pode a obra como imagem ou metáfora, almejar significar que Ou seremos, como as próprias figuras de Vera Mota (Porto, 1982), ímpares, com os nossos limites recortados contra planos, grelhas, esquemas: toda a pele esticada contra a estrutura estática, analítica, cerebral? Até o trabalho de Vera Mota, habitualmente tão auto-referente na sua exploração matérica, de cor, de formas – assuntos próprios à pintura e a quem a trabalha e pensa ainda -, partilha no conjunto deste cinzento, a cor de uma politização discursiva. Não sei se estaremos, já não a medir a forma que o couro carrega (grelha como ferramenta primeira do desenho), mas a nossa própria pele – nós, animais, esticados, subjugados a planos, esquemas e pressões de uniformidade. Os olhos carregam-nos sempre respostas: se é cansaço, fúria ou encantamento. A luz que Luís Luz (Évora, 1987) evoca traz também a sua nota: tornar manifesto. E na mesma linha de cinzento de onde se começou uma leitura das obras, é importante referir que – sabendo ou não se quando os nossos olhos se tocam é dia ou noite (como pergunta Luís Luz no texto que acompanha a obra), a luz que carregamos neles – que são as afecções e afectos – é uma arma política. As mudanças profundas dão-se ou revelam-se também no lugar da nossa privacidade. E se estes estores podem controlar uma luz física, poderão também ser metáfora de um outro controlo lumínico. Uma nostalgia da intimidade, como se algo perdido dos olhos – a luz - nos deixe ver ainda a possibilidade de sermos (essa outra luz que não a luz). Primeiras e últimas escadas, um ruído que não é branco. O vídeo intitulado O Cego e a Cidade, de Mauro Cerqueira (Guimarães, 1982), é pontuado pelo som de um cego que apalpa o céu para saber por onde andar, porque, ao contrário do que nos vendem, a cegueira é lúcida. O céu citadino tem os seus limites: e aqui são vitalmente expressos. Em imagem: um tecto, uma ruína, uma decoração burguesa, um pau. A amputação de um sentido torna vívidos todos os outros. E é também quando estamos na eminência que o céu nos caia em cima que percebemos este potencial efectivo de mundo: uma coisa que é todas as coisas, um resto de persiana – que já não remete a nada do seu uso corrente – é uma Trepadeira. A curadoria da Exposição / Composição, Variação nº2 mostra-se sensível ao mundo nas suas inúmeras vertentes, com uma nota cinza-político que é o sinal dos tempos de um existir artístico, que sabe onde está, que coloca o crer no mundo e o transpõe para um exercício estético, meio lírico, meio alienado-sonhador. São precisos sonhos, ainda, ou sobretudo. Re-estruturando a pergunta; ainda há luz no nosso olhar recíproco; ainda há fulgor no nosso olhar o mundo? Às vezes, vê-se o cheiro a fumo; às vezes, o calor em ilustrações de incêndios; às vezes, é já só florestas ardidas. Esta exposição convoca isso mesmo, o cheiro visual, melancólico, de uma floresta ardida. O triste que isso desperta subleva-se como esperança - aqui, no espaço de sobriedade - de um novo início possível. Creio que é sobretudo a esse sinal que estes artistas nos deixam que é preciso
|