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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista virtual em modo “Casa de bonecas”, Teatro-Museu Dali, Figueres.


Vista virtual em modo planta, Teatro-Museu Dali, Figueres.


Vista virtual - informação complementar, Teatro-Museu Dali, Figueres.


Vista virtual, Teatro-Museu Dali, Figueres.


Salvador Dali, “A cadeira. Obra estereoscópica”, 1975, 402 x 210,5cm cada um dos painéis, Teatro-Museu Dali, Figueres.


Salvador Dali, “Teto do Palácio do Vento”, 1970-73, 5 painéis de óleo colados ao teto, Teatro-Museu Dali, Figueres.


Salvador Dalí, Dalí de espaldas pintando a Gala de espaldas eternizada por seis córneas virtuales provisionalmente reflejadas en seis verdaderos espejos, 1972-1973. Teatro-Museu Dalí, Figueres.

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ARQUIVO:


SALVADOR DALÍ

VISITA VIRTUAL




TEATRO-MUSEU DALÍ
Plaça Gala i Salvador Dalí, 5
17600 Figueres, Girona

15 ABR - 15 SET 2020

Do vírus a Salvador Dali; dos espelhos ao ilimitado

 

 

[Visita virtual ao Museu-Teatro Dali em Figueres, Espanha]


Imagine o mundo obrigado a parar, até ao confinamento de toda a população em suas casas. Claro, isso seria irreal! Agora imagine que toda essa gente não possa aceder ao mundo senão através da sua representação que chega em imagens e sons, por meio de cabos ligados a uns aparelhos domésticos. Suponha ainda que a representação da atualidade o cansa e que deseja revisitar outras épocas entrando em contato com os seus objetos e obras de arte. Claro, deseja ir a um museu. Neste contexto, não seriam os seus pés a conduzi-lo, mas as suas mãos que, ao digitar um endereço representativo de um museu físico, o fariam aceder à representação espacial dessa mesma instituição, que por sua vez é o lugar das representações da história e da memória.

De todos os museus, imagine-se a entrar no museu-teatro de Salvador Dali, situado fisicamente em Figueres, cujo edifício, inaugurado em 1974, se trata de uma renovação do antigo teatro municipal, obra do próprio artista. Não foi o seu corpo que entrou no museu, mas sim a sua mente que percorre agora as divisões de uma espécie de casa de bonecas quase labiríntica. A sensação é a de que a sua vida se transformou num quebra-cabeças e acabou de cair noutro ainda maior. Quando estiver a entender uma das peças de Dali como um mergulho no desconhecido, haverá a probabilidade de uma outra força surgir de um teto em trompe d´oeil, pisando-o com os seus pés gigantescos, para logo lhe informar sobre um céu ainda mais enigmático do que qualquer representação do inconsciente. Tudo se desdobra neste lugar, para romper com a nossa ilusão de uma visão unívoca.

Encontramo-nos agora num desses corredores virtuais em frente de dois enormes painéis em forma de biombo suspenso. As duas composições assemelham-se em quase tudo: uma menina de cabelos longos e de laço azul é retratada de costas. Na sua esguelha, um caminho ladeado de bacias de pedra sobre um pedestal, segue em direção a um rochedo. Por cima dessa ilha-rochedo assenta uma cadeira em perspetiva isométrica acompanhada da sua sombra. As composições pouco diferem uma da outra: numa, uma garrafa sobre uma mesa, na outra, um céu que se abre. Não fora esta imagem suficientemente inquietante, a mão do pintor entra no próprio quadro para pintar o cabelo da menina. Mas, qual é afinal a intenção do pintor com este alerta? Reforçar a ideia de que a imagem é um mero jogo representativo? O que é representado e quem representa? Para que serve a representação? Quem observa o quê? Quem cria o quê? E quem observa de facto, observa o que se representa, ou modifica com a sua mente através do seu dispositivo ocular o que se representa? Qual é a imagem real, a da direita ou a da esquerda? Somos nós uma parte da realidade sonhando com o irreal, ou é o sonho a nossa própria realidade? Se, na verdade, a realidade fosse um saco, estaríamos nós, neste preciso momento, no interior desse mesmo saco voltado às avessas para o mundo exterior, quer estejamos nesse corredor virtual olhando em bico para as duas composições, num museu espantados com a história da humanidade, maravilhados com os mundos que a internet nos traz a nossas casas, ou simplesmente quietos a ver a pandemia passar.

Esta incorporação do pintor na sua própria obra vem bem detrás. Rembrandt fez-se retratar enquanto jovem, refletindo sobre uma imensa tela e, já no final da sua vida, observou-nos serenamente de paleta na mão. “Las meninas” de Velásquez fizeram Michel Foucault elaborar um capítulo de 12 páginas, no seu livro “As palavras e as coisas” sobre os problemas da representação levantados pela mesma obra. Aqui, o pintor olha-nos, estando de frente para a enorme tela, as meninas a serem retratadas estão ao seu lado, os reis de Espanha estão refletidos num espelho ao fundo, e nós tornamo-nos, ao mesmo tempo, observador e objeto retratado.

 

Rembrandt van Rijn, O jovem pintor no seu atelier, 1629, óleo sobre painel, 25,1 x 31,9 cm, Museum of Fine Arts, Boston.

  

Mais tarde, no princípio do séc. XX, o cubismo veio mudar a perspetiva científica sobre a forma de representar. Mas, é o surrealismo com o objetivo de mudar as nossas perspetivas sobre as coisas, para além do óbvio e do palpável, muito com a ajuda da psicanálise, que melhor ilustra toda a problemática da representação. Pela mão de Salvador Dali, a cena surrealista veio dilatar as fronteiras entre o real e o imaginário, ao fazer derreter o consciente no depósito do inconsciente.

Neste momento histórico em que vivemos, não há melhor museu para se visitar virtualmente que este. Ele é o paradigma do jogo de espelhos em que caímos embatendo de frente contra as imagens. Somos a ilustração perfeita da sociedade contemporânea, descrita por Deleuze, porque já nem sequer temos acesso à última cópia decalcada do modelo. Apenas temos acesso ao simulacro de uma ideia ou de uma imagem. Pelos vistos, tudo isto começou com a reprodutibilidade das obras, parafraseando o supracitado, Walter Benjamin, ou antes ainda, com a queda do Antigo Regime, quando caíram príncipes, reis e Deus omnipotente. Mas, não se trata do fim da linha. Se pensarmos na linha sequencial entre o atual fenómeno pandémico até aos dois painéis acima descritos, o significado pode ser bem contrário. Afinal, o que não há, é limites, tal como não houve limite para a imaginação de Dali. Qualquer imagem de Dali, seja a de um traseiro integrado na paisagem ou a de uma mulher dividida em gavetas, qualquer jogo sobre a representação, a internet, a televisão, mesmo este vírus; não serão eles o símbolo de uma só coisa? Não terão todos eles uma única função? Talvez, o confronto com as nossas ilimitadas fraquezas, mas, também com o nosso ilimitado potencial. Não será afinal a própria noção de ilimitado que nos assusta?

A qualquer momento poderemos acordar em suores frios. Há que respirar fundo e olhar em volta. Maravilhoso! Vamos poder começar tudo de novo, mais uma vez. E sem limites.



NUNO LOURENÇO