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CRISTINA ATAÍDEDAR CORPO AO VAZIO![]() MUSEU COLEÇÃO BERARDO Praça do Império 1499-003 Lisboa 25 NOV - 14 MAR 2021 ![]() ![]()
Através da escultura Mountain House #12 (2018), que a artista nos apresenta no início da exposição, percecionamos um olhar singular. Contemplamo-la. Somos deuses do Olimpo. O grande torna-se pequeno. Inicia-se a grande jornada com a montanha suspensa no ar. Enfatiza, assim, o curador Sérgio Fazenda Rodrigues (2020): “A montanha surge como um corpo invertido, acima e abaixo de um horizonte de referência, em outros o negativo marca-se apenas como sombra, recorte e ausência.” Elevamos o nosso olhar. Do alto, caminhamos em direção à montanha, vemos lagos e rios. Fluxos de água corrente. Do encarnado, nascem lugares, passagens de tempo e de espaço. Caminhamos entre montanhas. Contemplamos a Montanha Suspensa (2012). A artista descreve múltiplos nomes de lugares, trilha percursos já feitos e outros por percorrer, onde residem vários espaços. Regiões, culturas e experiências. Diferentes jornadas a explorar. Do encarnado, vive-se enquanto espaço interior energético. Desdobra-se em outros caminhos em Todas as Montanhas do Mundo (2008-2020). Evoca-se o corpo, o interior. A obra revela-se como um efeito invertido dela mesma. Recordamos as palavras de Deleuze (1966, p. 15): “um corpo pleno determinado como socius”. O corpo é o feminino, o masculino, a matéria, a árvore, a montanha, a água, o sangue e a seiva. A natureza metamorfoseia-se num corpo cuja imagem nos transporta ao ser-coletivo. O corpo é social, cultural, efémero. A vida. A natureza metamorfoseia-se em corpos, enquanto seres e obras. Do corpo-natureza, transmuta-se para o corpo-humano. Um socius-corpo em Ficus #1, #2, #3 e #4 (2004). Em troncos das árvores que irradiam a energia, a seiva e o sangue. Nasce o fluxo. Segundo argumenta José Gil (2001): “São múltiplos os espaços da alma, e as suas regiões, os seus compartimentos: e o corpo é o que multiplica a alma, lhe oferece uma geografia, uma geologia, uma topologia.” O ser vive no firmamento da existência, entre a cultura e a natureza, a sombra e a luz, o pequeno e o grande, o vazio e o cheio, o exterior e o interior. Em constante alternância e mudança, a unidade divide-se e diverge em duplicidade, retorna em unidade. Tudo flui. Na matéria e no espírito. Do corpo ao pó. Abre-se um diálogo. Conectamos imagens, conceitos, experiências e lugares. Viajamos por inúmeros situs distantes, montanhas, lagos e rios. Sentimos corpos. Cultura. Geografia. Orgânico. Lemos a palavra. Cada uma com um significado variado. Origens diversificadas, multiculturais. World’s words. Do sublime, surge a caminhada. O corpo transforma-se em natureza. A natureza em corpo. Num veículo entre a cultura e o ser. Da imagem à palavra, do pensamento ao cosmos. Da fluidez da água ao sentir, vivemos a matéria das coisas-em-si. Em Tao-Te King, Lao-Tzu descreve o Tao: O Tao flui sem cessar. Tudo se transmuta. Dilui-se. Em Dar corpo ao vazio, Cristina Ataíde apresenta a matéria e o espírito, o corpo e o pó. Imaginamos o ver como modo transcendental de todas as coisas. O pó encarnado como um símbolo da vida e da impermanência das coisas-em-si. Viajamos entre lugares. O lugar transcendental e efémero. Orgânico e fluído. Sentimos com o corpo, a mente e o espírito. Olhamos e vivenciamos. Vislumbra-se uma experiência sensorial estética. Contemplamos uma fusão que une o interior ao exterior, o exterior ao interior. O ser ao todo, o todo ao ser. Através desta experiência estética, a artista convida-nos a ter uma análoga visão que já tinha sido pronunciada pelo poeta Wordsworth: “Come forth into the light of things”. Do fluxo, água, correntes. Do Rio Negro, Amazónia. Emergem passagens. Transitamos em águas flutuantes. Numa transformação, sonhamos através de uma viagem espiritual. Barco. Pó. Encarnado. Corpo. Ausente. Feminino. Masculino. Princípio e fim. Silêncio. Retorno.
5. pó do meu corpo 6. o meu corpo em pó
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