ARTES PERFORMATIVAS
SOBRE A PARTILHA DO PROCESSO CRIATIVO
PROJECTO RUÍNAS
2023-03-23

Em bicos de pes, 2021.
O Projecto Ruínas é um colectivo de artistas que, através do teatro, se encontra para criar qualquer coisa que não conhece. Mais concretamente, espectáculos e vídeos construídos a partir de um processo que começa do zero, ou muito perto disso, através de improvisações à volta de um conjunto de ideias extraídas da dissecação de uma sinopse.
É um processo que obriga a uma grande disponibilidade para o risco, para a angústia da criação, um acto falhado à partida. Mas é isso que nos motiva. Desde o princípio, desprovidos de uma agenda consciente e deliberada, de idealismos, de obrigações estéticas, sem a ética da seita, aceitámos que o caminho iria ser longo e difícil, mas que era pela essência da experimentação e da improvisação que queríamos procurar dentro de nós os impulsos das nossas ansiedades criativas.
Gradualmente evoluímos para momentos no percurso em que tivemos de reequacionar os processos, para manter a chama da criação viva, e evitarmos cristalizar fórmulas.
O processo reinventa-se várias vezes ao longo dos 22 anos de criações. Sempre diferentes, umas mais que outras, em cada processo procuramos evitar receitas e partir do zero, para não nos aborrecermos.

Function ou A Função, 2021.
No percurso passámos por uma fase inicial de criações em volta das ruínas, em site specific e em que os espectáculos eram constituídos por repetições de improvisações que trabalhávamos durante quinze dias, separadas por momentos não narrativos ligados às instalações com que cenografávamos o espaço. As personagens eram bufões que ocupavam os espaços e que conduziam os espectadores pela ruína.
Cansados de transformar ruínas em espaços de espectáculo, passámos para uma etapa em que tomámos a missão de fixar as improvisações em texto através do devising. O devising é um processo de criação baseado principalmente em improvisações, com o objectivo de construir um guião, o qual vai sendo aprofundado a cada nova improvisação, até à eventual fixação do texto e da acção do espectáculo. É também um processo de escrita criativa assente nas contribuições de cada artista, o que leva tempo. E nós tínhamos mais tempo e recursos para ensaiar, as ruínas não eram tão "pesadas", tão difíceis de cenografar e iluminar, e introduzimos a plateia para unificar o ponto de vista do público. Esta fase durou muito tempo, e foi evoluindo com o devising como guia. Nela entrámos finalmente no teatro, no edifício e nas suas aparentes regras. Até ao ponto de, em 2011, criarmos um gerador de sinopses para improvisação, recorrendo ao computador. Tínhamos chegado a um fim qualquer, e entregamos-nos à vontade da máquina.
Seguiu-se uma fase em que o texto aparece sobre uma coreografia dos corpos. A improvisação centra-se na acção e no movimento, e só mais tarde se aplica um texto que vem pontuar a base coreográfica, como a melodia sobre os acordes. Esta fase dura até hoje, com algumas variações e exceções para desenjoar, e é o resultado de todo o percurso e dos seus sucessos e falhanços.
No futuro queremos continuar a evoluir o processo e não sabemos o que nos reserva.
Mas queremos continuar a falhar, a alimentar o espírito com o frágil e o inacabado, o desconhecido. Também por isso, as nossas criações provocam um espaço mental diferente no espectador, um conflito entre sensações e pensamento que desafia a uma interpretação individual. Para nós é a forma mais eficaz de partilhar o processo.

Norma, 2016.
>>>
Francisco Campos
Nasceu em Lisboa, em 1969. Estudou Arqueologia na Faculdade de Letras, e Teatro no I.F.I.C.T. e na École Philippe Gaulier, em Londres, e em Paris. Encenou pela primeira vez em 1995 o espectáculo “O Passeio de Buster Keaton e outras histórias”, de Lorca, e fundou a Real Companhia o Mosquito.
Ultimamente, participa predominantemente em espectáculos de autor e co-criações. É fundador e diretor artístico do Projecto Ruínas com sede em Montemor-o-Novo, com Susana Marques e Sara Machado da Graça, para o qual criou de raiz trinta e cinco espectáculos e onde trabalha como autor, encenador e actor.
Catarina Caetano
Lisboa, 1985. Mestre em Teatro – especialidade Arte do Ator (2009) e Licenciada em Teatro pela Universidade de Évora (2007) Em 2007 iniciou a sua vida profissional na área do Teatro e, desde então, tem trabalhado em inúmeros projectos como actriz, criadora, produtora e formadora.
O foco do seu trabalho como actriz prende-se com a pesquisa corporal e treino do actor. É também nesse sentido que frequenta vários workshops e formações, nomeadamente nas áreas das potencialidades do corpo em cena, da dança, das artes circenses, técnica clown, entre outras.
Procura novos caminhos para fazer o Teatro chegar a todas as pessoas, novas formas de atrair comunidades e estimulá-as para o gosto pelas artes performativas. Não propõe propriamente educar públicos, mas sim utilizar o Teatro e as expressões dramática e corporal como ferramentas de educação, sensibilização, crescimento e novas descobertas. Nesse sentido, cria os projectos Oficina de Teatro e Oficina do Imaginário, em parceria com o Município de Montemor-o-Novo, e colabora com grupos de teatro amador e juvenil locais como formadora e encenadora.
Desde 2016 procura o seu espaço de criação, a sua identidade como criadora individual, explorando possibilidades e linguagens estéticas diferentes, contando com nove espetáculos de sua autoria e co-criação em sinergia com alguns cúmplices artísticos.
Integra a equipa do Projecto Ruínas desde 2011.
Inês Abrunhosa
Porto 1992. Conclui o curso de Artes Plásticas pela Universidade do Porto e é desde 2011 que desenvolve trabalho na área da cultura. Desdobra-se em projectos pessoais e colectivos nas áreas da ilustração, música e produção cultural.
Colaborou com diversas estruturas culturais tais como a Casa da Música, a Ritmos - Produção de Eventos, no Museu Nacional de Arte Antiga e nos festivais Paredes de Coura e Primavera Sound, com o Sismógrafo, Pessa - Atelier Criativo, Turbina, Oficinas do Convento, Oficina da Criança e Casa do Lado.
Desde 2020 é produtora do Projecto Ruínas em Montemor-o-Novo.
+ INFO Projecto Ruínas
Outros artigos:
2023-09-12
FESTIVAL MATERIAIS DIVERSOS - ENTREVISTA A ELISABETE PAIVA
|
|
2023-08-10
CINEMA INSUFLÁVEL: ENTREVISTA A SÉRGIO MARQUES
|
|
2023-07-10
DEPOIS DE METADE DOS MINUTOS - ENTREVISTA A ÂNGELA ROCHA
|
|
2023-05-20
FEIOS, PORCOS E MAUS: UMA CONVERSA SOBRE A FAMÍLIA
|
|
2023-05-03
UMA TERRA QUE TREME E UM MAR QUE GEME
|
|
2023-03-23
SOBRE A PARTILHA DO PROCESSO CRIATIVO
|
|
2023-02-22
ALVALADE CINECLUBE: A PROGRAMAÇÃO QUE FALTAVA À CIDADE
|
|
2023-01-11
'CONTRA O MEDO' EM 2023 - ENTREVISTA COM TEATROMOSCA
|
|
2022-12-06
SAIR DE CENA – UMA REFLEXÃO SOBRE VINTE ANOS DE TRABALHO
|
|
2022-11-06
SAMOTRACIAS: ENTREVISTA A CAROLINA SANTOS, LETÍCIA BLANC E ULIMA ORTIZ
|
|
2022-10-07
ENTREVISTA A EUNICE GONÇALVES DUARTE
|
|
2022-09-07
PORÉM AINDA. — SOBRE QUASE UM PRAZER DE GONÇALO DUARTE
|
|
2022-08-01
O FUTURO EM MODO SILENCIOSO. SOBRE HUMANIDADE E TECNOLOGIA EM SILENT RUNNING (1972)
|
|
2022-06-29
A IMPORTÂNCIA DE SER VELVET GOLDMINE
|
|
2022-05-31
OS ESQUILOS PARA AS NOZES
|
|
2022-04-28
À VOLTA DA 'META-PERSONAGEM' DE ORGIA DE PASOLINI. ENTREVISTA A IVANA SEHIC
|
|
2022-03-31
PAISAGENS TRANSDISCIPLINARES: ENTREVISTA A GRAÇA P. CORRÊA
|
|
2022-02-27
POÉTICA E POLÍTICA (VÍDEOS DE FRANCIS ALŸS)
|
|
2022-01-27
ESTAR QUIETA - A PEQUENA DANÇA DE STEVE PAXTON
|
|
2021-12-28
KILIG: UMA NARRATIVA INSPIRADA PELO LOST IN TRANSLATION DE ANDRÉ CARVALHO
|
|
2021-11-25
FESTIVAL EUFÉMIA: MULHERES, TEATRO E IDENTIDADES
|
|
2021-10-25
ENTREVISTA A GUILHERME GOMES, CO-CRIADOR DO ESPECTÁCULO SILÊNCIO
|
|
2021-09-19
ALBUQUERQUE MENDES: CORPO DE PERFORMANCE
|
|
2021-08-08
ONLINE DISTORTION / BORDER LINE(S)
|
|
2021-07-06
AURORA NEGRA
|
|
2021-05-26
A CONFUSÃO DE SE SER NÓMADA EM NOMADLAND
|
|
2021-04-30
LODO
|
|
2021-03-24
A INSUSTENTÁVEL ORIGINALIDADE DOS GROWLERS
|
|
2021-02-22
O ESTRANHO CASO DE DEVLIN
|
|
2021-01-20
O MONSTRO DOS PUSCIFER
|
|
2020-12-20
LOURENÇO CRESPO
|
|
2020-11-18
O RETORNO DE UM DYLAN À PARTE
|
|
2020-10-15
EMA THOMAS
|
|
2020-09-14
DREAMIN’ WILD
|
|
2020-08-07
GABRIEL FERRANDINI
|
|
2020-07-15
UMA LIVRE ASSOCIAÇÃO DO HERE COME THE WARM JETS
|
|
2020-06-17
O CLASSICISMO DE NORMAN FUCKING ROCKWELL!
|
|
2019-07-31
R.I.P HAYMAN: DREAMS OF INDIA AND CHINA
|
|
2019-06-12
O PUNK QUER-SE FEIO - G.G. ALLIN: UMA ABJECÇÃO ANÁRQUICA
|
|
2019-02-19
COSEY FANNI TUTTI – “TUTTI”
|
|
2019-01-17
LIGHTS ON MOSCOW – Aorta Songs Part I
|
|
2018-11-30
LLAMA VIRGEM – “desconseguiste?”
|
|
2018-10-29
SRSQ – “UNREALITY”
|
|
2018-09-25
LIARS – “1/1”
|
|
2018-07-25
LEBANON HANOVER - “LET THEM BE ALIEN”
|
|
2018-06-24
LOMA – “LOMA”
|
|
2018-05-23
SUUNS – “FELT”
|
|
2018-04-22
LOLINA – THE SMOKE
|
|
2018-03-17
ANNA VON HAUSSWOLFF - DEAD MAGIC
|
|
2018-01-28
COUCOU CHLOÉ
|
|
2017-12-22
JOHN MAUS – “SCREEN MEMORIES”
|
|
2017-11-12
HAARVÖL | ENTREVISTA
|
|
2017-10-07
GHOSTPOET – “DARK DAYS + CANAPÉS”
|
|
2017-09-02
TATRAN – “EYES, “NO SIDES” E O RESTO
|
|
2017-07-20
SUGESTÕES ADICIONAIS A MEIO DE 2017
|
|
2017-06-20
TIMBER TIMBRE – A HIBRIDIZAÇÃO MUSICAL
|
|
2017-05-17
KARRIEM RIGGINS: EXPERIÊNCIAS E IDEIAS SOBRE RITMO E HARMONIAS
|
|
2017-04-17
PONTIAK – UM PASSO EM FRENTE
|
|
2017-03-13
TRISTESSE CONTEMPORAINE – SEM ILUSÕES NEM DESILUSÕES
|
|
2017-02-10
A PROJECTION – OBJECTOS DE HOJE, SÍMBOLOS DE ONTEM
|
|
2017-01-13
AGORA QUE 2016 TERMINOU
|
|
2016-12-13
THE PARKINSONS – QUINZE ANOS PUNK
|
|
2016-11-02
patten – A EXPERIÊNCIA DOS SENTIDOS, A ALTERAÇÃO DA PERCEPÇÃO
|
|
2016-10-03
GONJASUFI – DESCIDA À CAVE REAL E PSICOLÓGICA
|
|
2016-08-29
AGORA QUE 2016 VAI A MEIO
|
|
2016-07-27
ODONIS ODONIS – A QUESTÃO TECNOLÓGICA
|
|
2016-06-27
GAIKA – ENTRE POLÍTICA E MÚSICA
|
|
2016-05-25
PUBLIC MEMORY – A TRANSFORMAÇÃO PASSO A PASSO
|
|
2016-04-23
JOHN CALE – O REECONTRO COM O PASSADO EM MAIS UMA FACE DO POLIMORFISMO
|
|
2016-03-22
SAUL WILLIAMS – A FORÇA E A ARTE DA PALAVRA ALIADA À MÚSICA
|
|
2016-02-11
BIANCA CASADY & THE C.I.A – SINGULARES EXPERIMENTALISMO E IMAGINÁRIO
|
|
2015-12-29
AGORA QUE 2015 TERMINOU
|
|
2015-12-15
LANTERNS ON THE LAKE – SOBRE FORÇA E FRAGILIDADE
|
|
2015-11-11
BLUE DAISY – UM VÓRTEX DE OBSCURA REALIDADE E HONESTA REVOLTA
|
|
2015-10-06
MORLY – EM REDOR DE REVOLUÇÕES, REFORMULAÇÕES E REINVENÇÕES
|
|
2015-09-04
ABRA – PONTO DE EXCLAMAÇÃO, PONTO DE EXCLAMAÇÃO!! PONTO DE INTERROGAÇÃO?...
|
|
2015-08-05
BILAL – A BANDEIRA EMPUNHADA POR QUEM SABE QUEM É
|
|
2015-07-05
ANNABEL (LEE) – NA PRESENÇA SUPERIOR DA PROFUNDIDADE E DA EXCELÊNCIA
|
|
2015-06-03
ZIMOWA – A SURPREENDENTE ORIGEM DO FUTURO
|
|
2015-05-04
FRANCESCA BELMONTE – A EMERGÊNCIA DE UMA ALMA VELHA JOVEM
|
|
2015-04-06
CHOCOLAT – A RELEVANTE EXTRAVAGÂNCIA DO VERDADEIRO ROCK
|
|
2015-03-03
DELHIA DE FRANCE, PENTATONES E O LIRISMO NA ERA ELECTRÓNICA
|
|
2015-02-02
TĀLĀ – VOLTA AO MUNDO EM DOIS EP’S
|
|
2014-12-30
SILK RHODES - Viagem no Tempo
|
|
2014-12-02
ARCA – O SURREALISMO FUTURISTA
|
|
2014-10-30
MONEY – É TEMPO DE PARAR
|
|
2014-09-30
MOTHXR – O PRAZER DA SIMPLICIDADE
|
|
2014-08-21
CARLA BOZULICH E NÓS, SOZINHOS NUMA SALA SOTURNA
|
|
2014-07-14
SHAMIR: MULTI-CAMADA AOS 19
|
|
2014-06-18
COURTNEY BARNETT
|
|
2014-05-19
KENDRA MORRIS
|
|
2014-04-15
!VON CALHAU!
|
|
2014-03-18
VANCE JOY
|
|
2014-02-17
FKA Twigs
|
|
2014-01-15
SKY FERREIRA – MORE THAN MY IMAGE
|
|
2013-09-24
ENTRE O MAL E A INOCÊNCIA: RUTH WHITE E AS SUAS FLOWERS OF EVIL
|
|
2013-07-05
GENESIS P-ORRIDGE: ALMA PANDRÓGINA (PARTE 2)
|
|
2013-06-03
GENESIS P-ORRIDGE: ALMA PANDRÓGINA (PARTE 1)
|
|
2013-04-03
BERNARDO DEVLIN: SEGREDO EXÓTICO
|
|
2013-02-05
TOD DOCKSTADER: O HOMEM QUE VIA O SOM
|
|
2012-11-27
TROPA MACACA: O SOM DO MISTÉRIO
|
|
2012-10-19
RECOLLECTION GRM: DAS MÁQUINAS E DOS HOMENS
|
|
2012-09-10
BRANCHES: DOS AFECTOS E DAS MEMÓRIAS
|
|
2012-07-19
DEVON FOLKLORE TAPES (II): SEGUNDA PARTE DA ENTREVISTA COM DAVID CHATTON BARKER
|
|
2012-06-11
DEVON FOLKLORE TAPES - PESQUISAS DE CAMPO, FANTASMAS FOLCLÓRICOS E LANÇAMENTOS EM CASSETE
|
|
2012-04-11
FC JUDD: AMADOR DA ELETRÓNICA
|
|
2012-02-06
SPETTRO FAMILY: OCULTISMO PSICADÉLICO ITALIANO
|
|
2011-11-25
ONEOHTRIX POINT NEVER: DA IMPLOSÃO DOS FANTASMAS
|
|
2011-10-06
O SOM E O SENTIDO – PÁGINAS DA MEMÓRIA DO RADIOPHONIC WORKSHOP
|
|
2011-09-01
ZOMBY. PARA LÁ DO DUBSTEP
|
|
2011-07-08
ASTROBOY: SONHOS ANALÓGICOS MADE IN PORTUGAL
|
|
2011-06-02
DELIA DERBYSHIRE: O SOM E A MATEMÁTICA
|
|
2011-05-06
DAPHNE ORAM: PIONEIRA ELECTRÓNICA E INVENTORA DO FUTURO
|
|
2011-03-29
TERREIRO DAS BRUXAS: ELECTRÓNICA FANTASMAGÓRICA, WITCH HOUSE E MATER SUSPIRIA VISION
|
|
2010-09-04
ARTE E INOVAÇÃO: A ELECTRODIVA PAMELA Z
|
|
2010-06-28
YOKO PLASTIC ONO BAND – BETWEEN MY HEAD AND THE SKY: MÚLTIPLA FANTASIA EM MÚLTIPLOS ESTILOS
|
|