O momento presente é deveras entusiasmante para quem deseje investigar os impressionantes e complexos labirintos da música eletrónica. São inúmeras as novas editoras apostadas em reatualizar e investigar os pontos de interseção entre a música concreta, as divagações new age, os experimentalismos dos laboratórios académicos e os freak outs prog que informam boa parte da corrente produção synth.
Por outro lado, são igualmente de número assinalável as editoras que se dedicam a pesquisar os arquivos para voltarem a disponibilizar pequenos tesouros até agora confinados à memória. Neste panorama, muitas editoras procuram manter-se de um dos lados da barricada do tempo, concentrando esforços ou no passado ou no presente. Mas outras, como a Public Information [www.public-info.co.uk] preferem confundir essas coordenadas espacio-temporais e alinhar no seu catálogo entradas contemporâneas e outras mais clássicas. E chegamos assim a Frederick Charles Judd.
Ian Helliwell [www.ianhelliwell.co.uk] é um cineasta experimental que o ano passado apresentou Practical Electronica, um extraordinário documentário centrado na vida e na obra de F.C. Judd, um trabalho que está aliás na base da edição de Electronics Without Tears por parte da Public Information. Judd trabalhou sobretudo em investigação no campo da rádio e publicou abundantemente sobre o assunto em revistas especializadas. A compilação editada pela Public Information reúne material disperso deste contemporâneo de Daphne Oram, Delia Derbyshire e outros pioneiros do Radiophonic Workshop. Ao contrário destes nomes ligados à BBC, no entanto, F.C. Judd carecia até há pouco tempo do mesmo grau de reconhecimento que agora parece ser-lhe finalmente atribuído. E para isso, claro, os gestos editoriais da Public Information e de Ian Helliwell são peças-chave.
Dispensando inteiramente o formato já batido das “cabeças falantes” em favor de uma estrutura mais livre de uma narrativa convencional cruzando material de arquivo, animação e técnicas experimentais de vídeo, Ian Helliwell logra alcançar com o seu filme um retrato próximo da perfeição de um pioneiro inquieto cuja música surge plena de mistério e de visões de futuro. O facto de ter escrito longamente para revistas especializadas e de ter assinado mais de uma dezena de livros, mostra que F.C. Judd era um investigador e um pensador pelo menos tanto quanto era um músico.
As suas criações das décadas de 50 e 60, como a banda sonora realizada para Space Patrol, por exemplo, mantêm ainda uma estranha atualidade, resultante, em parte, do facto de estarem a inspirar obras de novos criadores, mas também, por outro lado, de serem realmente peças de investigação musical avançada.
Interessado no visionamento dos sons, como Daphne Oram que inventou a Oramics Machine, um sintetizador pioneiro que usava gráficos visuais como um interface de programação, F.C. Judd também investiu tempo no seu Chromasonics, um sistema que usava uma televisão para representar cromaticamente os sons que produzia em estúdio. Mais uma das provas de que o pensamento criativo de Judd estava alinhado com o futuro.
Este visionário nasceu em 1914, na zona oriental de Londres, mesmo a tempo de apanhar a explosão da rádio que de forma efetiva alterou a forma de ver e de ouvir o mundo. Durante a Segunda Guerra Mundial serviu na Força Aérea como técnico de radar, adquirindo aí valiosos conhecimentos no campo da eletrónica que mais tarde informariam as suas criações. Com a guerra, claro, surgiu uma tecnologia que haveria de se revelar crucial para as suas criações, tal como para as dos pioneiros franceses da Música Concreta ou para os aventureiros britânicos do BBC Radiophonic Workshop: a fita magnética. Haveria, aliás, de se tornar editor da revista Amateur Tape Recording em 1960. Todos estes dados biográficos estão disponíveis no site oficial de Judd [www.fcjudd.co.uk] repleto de preciosa informação que ajuda a tornar mais nítida a imagem deste visionário desaparecido há exatamente duas décadas.
Com o filme de Helliwell e a edição de Electronics Without Tears fica disponibilizada mais uma peça do incrível puzzle da história da música eletrónica, demonstrando-se assim que além dos centros de investigação ligados às diferentes academias mundiais ou a corporações, havia igualmente espaço para o aventureiro solitário, amador em todas as mais nobres aceções da palavra. Um deles era F.C. Judd.