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UM PERCURSO POR SEGUIR![]() JORGE DIAS2006-08-01![]() O Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique nasce da preocupação dos artistas em criar um espaço institucional que responda às suas produções, dentro daquilo que entendem do “fazer arte”. Pretendem sobretudo criar uma alternativa para a produção e circulação da arte contemporânea. A maior parte dos artistas que criaram o Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique (MUVART) eram à época estudantes da Escola Nacional de Artes Visuais (ENAV), alguns dos quais são actualmente professores da mesma instituição. As mudanças nas artes aconteciam rapidamente e, a cada ano, novos acontecimentos surgiam, desmontando gradualmente clichés sobre as produções que se faziam em Moçambique. Os acontecimentos principais que marcaram os anos 90 foram os primeiros workshops internacionais de arte organizados em Moçambique a partir de 1991, por iniciativa da artista Fátima Fernandes que trouxe artistas estrangeiros. Um dos objectivos destes workshops era o intercâmbio de experiências plásticas e de linguagens entre os artistas, contribuindo para que estes substituíssem os espaços dos ateliers por um trabalho em grupo mais aberto a trocas. Também as bienais de arte organizadas pelas TDM, com a primeira edição em 1991, marcaram a década de 90, ao contribuírem para a valorização do património artístico, abrindo espaço para uma competição em arte. Os cursos médios de artes da ENAV, a partir de 1992, puderam dar uma formação mais aprofundada sobre o aprendizado nas artes, na qual muitos dos recém-formados em áreas técnicas tomaram interesse pela produção artística. O concurso “Descoberta”, organizado pela Casa da Cultura do Alto-Maé a partir de 1992, veio dar mais um espaço a novos criadores, tornando-se um evento onde podem participar todos os artistas sem os normais crivos dos júris de selecção. Além disso, as “Anuais” do Museu Nacional de Arte (MUSART), este ano na sua 16ª edição, um pouco mais selectiva, juntou nas primeiras edições artistas iniciados com os mais experientes. Estes eventos trouxeram oportunidades para os artistas novos exporem os seus trabalhos, incentivando-os deste modo a novas produções mas resumindo a arte no simples prazer do fazer. Esta explosão nas artes, para além de diversificar e aumentar a produção, trouxe aspectos negativos, ao contribuir para uma crise da pintura e da escultura. Alguns factores que contribuíram para a crise das artes foram: 1) A falta de crítica de arte coerente e a incapacidade em dar suporte teórico às mudanças que se registavam, aliada à ausência de ensaios teóricos dos artistas; 2) A influência da arte que já se fazia, a nível da pintura e da escultura, e a imposição por parte das estruturas de gestão da arte de modelos estéticos a seguir; 3) O reconhecimento da hegemonia global da arte, da qual Moçambique não faz parte, por incapacidade das estruturas de poder artístico em legitimar internacionalmente as exposições oficiais e os seus artistas; o reduzido número de galerias comerciais, de historiadores, comissários e mecenas, os quais não foram suficientes para responder às profundas mudanças e criar uma estrutura sustentável; 4) a deficiência na documentação de actividades artísticas e as respectivas produções. Esta realidade só veio favorecer a produção numa dimensão comercial. As vendas determinavam muitas das vezes a qualidade do artista. A reputação de alguns artistas era inabalável, tendo muitos servido as políticas institucionais como forma de orientação e direccionismo estético. Eram verdadeiros campeões de premiações nas exposições oficiais. Construía-se, deste modo, um verdadeiro labirinto na circuito da arte. As produções resumiam-se ao simples prazer do fazer. Perante este quadro, os artistas, que hoje fazem parte do projecto estético e de gestão cultural da MUVART, viram a necessidade de criar um espaço que pudesse resolver o impasse e a inércia no campo da produção e da gestão das artes visuais. A MUVART tem uma política de abertura na gestão do seu programa — que se baseia essencialmente no intercâmbio com instituições de arte, com grupos congéneres e artistas flutuantes —, a qual é decisiva na arte. Logo de início, viu-se a necessidade de criar uma sociedade paralela — um organismo mais leve que enquadraria os artistas mais novos, com outras experiências, e onde pudessem encontrar um lugar de reflexão e de intervenção pública — desprendida da estrutura pesada que a MUVART apresentava. Neste novo organismo os “artistas-directores” são responsáveis por todo o seu funcionamento. Isto é, os artistas devem criar os seus projectos, dirigi-los, teorizá-los e implementá-los. Era necessário que a MUVART criasse actividades práticas nos mais diversificados níveis. O passo seguinte, depois das teorizações, foi a criação do projecto “expo arte contemporânea Moçambique” que serviu como um projecto-laboratório, onde o principal objectivo era incentivar novas produções e a teorização. Seguiram-se exposições menores, com destaque para HORA O, em 2005, e as participações nas feiras de arte contemporânea de Lisboa 2004 e ARCO´06. O documentário sobre a MUVART, produzido por Zé Augusto e a Lxfilmes, contribuiu significativamente para a divulgação da MUVART dentro e fora de Moçambique. Coube à sociedade paralela apoiar a MUVART e caminhar para o espaço da teorização, assim como da intervenção pública, com destaque para a obra realizada no MALUME, bar situado no bairro do Jardim, na periferia da cidade de Maputo. Engajar-se nesse percurso não é simplesmente uma determinação de grupo, mas um resultado de caminhos e desvios que a realidade impôs aos artistas. Muitas das vezes não se escolhe por onde ir. São simplesmente conduzidos por vontades de mudar e de enfrentar novos desafios para obter resultados sobre os quais, frequentemente, não se pode ter o controlo. A arte contemporânea tem o poder de oferecer uma matriz para outras possibilidades. A MUVART está condicionada a um “fazer” e “refazer” permanente da arte e das suas estratégias. Está condicionada a ser um movimento de mudança permanente. Jorge Dias Artista Plástico |