JOSÉ FONSECA E COSTACiclo integral José Fonseca e CostaCINEMATECA Rua Barata Salgueiro, 39 LISBOA 1269-059 LISBOA 06 DEZ - 30 DEZ 2016 A partir de dia 6 até dia 30 de dezembro a Cinemateca acolhe uma retrospetiva integral dedicada a José Fonseca e Costa. O ano de 2012 já tinha trazido o desaparecimento de duas figuras centrais do cinema português: Fernando Lopes e Paulo Rocha, dois realizadores que marcaram o nascimento do Cinema Novo português e o seu posterior desenvolvimento em carreiras ricas ao longo de várias décadas. Seria ainda o ano de 2015 a trazer, também, o desaparecimento de outro autor central da nossa cinematografia, também companheiro dessa mesma geração (desde as tertúlias, nas Avenidas Novas, sobre os filmes que se descobriam das diversas novas vagas europeias, até aos inícios na realização de filmes): José Fonseca e Costa. Depois da estreia do seu último filme AXILAS em maio deste ano, a Cinemateca apresenta, assim, uma retrospetiva integral do seu trabalho (e um catálogo), tanto da obra realizada em cinema como séries de televisão e trabalhos promocionais realizados ao longo das últimas cinco décadas, ficando apenas de fora participações como ator ou em publicidade. O realizador português, nascido no Huambo, em Angola, em 1933, lançou-se no cinema com O RECADO, história de ficção centrada nos modos burgueses de uma certa juventude militante que se opunha ao regime do Estado Novo e que se perdia, sem rasto, na tortura e nos segredos da ditadura. A ele, seguiu-se OS DEMÓNIOS DE ALCÁCER-KIBIR, fábula musical e ambulante criada a partir da História de Portugal e, sobretudo, um belo exemplo de filme militante realizado, neste caso, contra a colonização portuguesa. Também à semelhança da geração do Cinema Novo, o trabalho de José Fonseca e Costa dividir-se-ia entre filmes institucionais ou publicitários a par dos seus trabalhos de ficção. Mas se o realizador partilhava um espaço de produção, com essa mesma geração, na criação de um novo cinema português, inspirados pelas novas vagas do cinema europeu (Fonseca e Costa como herdeiro, em Portugal, do cinema de Antonioni), a partir de KILAS, estreado em 1980, o realizador começa a construir uma obra com o objetivo explícito de criar uma comunicação direta, e ampla, com o público português. Por outras palavras, a concretização de um plano tantas vezes falhado ou por cumprir, no nosso país, que refletisse a defesa do valor industrial e popular do seu cinema. José Fonseca e Costa terá sido, por isso, o realizador português, nos últimos 50 anos, que mais declaradamente terá trabalhado para produzir um “cinema popular”, tendo inclusivamente criado, na década de oitenta (com a sequência KILAS, SEM SOMBRA DE PECADO, BALADA DA PRAIA DOS CÃES e A MULHER DO PRÓXIMO), um relação invejável entre a regularidade do seu trabalho, dentro de uma indústria que ele próprio tentou impulsionar (pela colaboração constante com figuras relevantes do nosso meio cultural), e uma adesão constante dos circuitos de distribuição comercial (por vezes mesmo de culto, como no caso de KILAS, filme com que abrimos o Ciclo). José Fonseca e Costa nunca deixou de ser, no entanto, e mesmo nos seus filmes de maior sucesso, um autor dotado de um universo pessoal. Visto hoje, não deixa de ser curioso assistir à sua ligação ao cinema de Antonioni, nos seus inícios, e a transição para esse “cinema do meio”, à imagem do que Truffaut fazia em França e outros realizadores replicavam na Europa: a defesa de um cinema da indústria, para um grande público, através de uma linguagem pessoal. Talvez valorizemos ainda mais, por isso, a descobertas dessas características: a constante presença de figuras femininas poderosas, tanto sublimes e misteriosas, mais capazes e dignas do que qualquer outra personagem masculina do seu cinema, a crítica inteligente aos modos de vida hipócritas, mas verdadeiros, da alta-burguesia portuguesa, e a presença, tanto explícita como subliminar, dos silêncios de uma sociedade comprometida com a mentira da ditadura e a podridão dos seus costumes. Nesse sentido, Fonseca e Costa foi um exemplo raro de um cineasta que conseguiu criar uma forte adesão popular, no reconhecimento da capacidade de entretenimento no momento de contar uma história, e de um interesse permanente sobre o “estado de coisas” português e o que a nossa História nos ensinava. Filmes populares e políticos, filmes onde se falava para um grande público, onde não faltaram adaptações literárias ou a participação de figuras celebradas da nossa cultura, sem perder as características de um universo pessoal. Esta é, também, uma retrospetiva que revela as facetas e os interesses multifacetados do autor: entre o cinema, a televisão ou as encomendas institucionais, poucos são os momentos onde não se revelam as entrelinhas do seu fascínio e da crítica ao mundo em que vivemos. |