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ANNETTE MESSAGER
Annette Messager é uma das figuras mais interessantes da cena artística internacional e ocupa um lugar privilegiado entre os artistas franceses. Representou a França na Bienal de Veneza de 2005, onde obteve o Leão de Ouro, e neste momento o Centre Pompidou dedica-lhe uma importante exposição que decorre até 17 de Setembro na capital francesa. Publicamos aqui uma entrevista exclusiva com a artista.
Por Teresa Castro, em Paris
Paris, 16 de Junho de 2007
P: A propósito da exposição que decorre actualmente no Centre Pompidou tem dito que não desejava uma retrospectiva e o Centro anuncia-a como o “panorama” da sua obra. O que quis fazer?
R: As retrospectivas são cronológicas, e aqui, pelo contrário, as peças coabitam umas com as outras: quando penetramos no espaço da exposição deparamos de imediato com uma peça muito antiga e com outra que nunca saiu do meu atelier, é a primeira vez que a mostro. Queria que tudo se misturasse, porque acho que no meu trabalho tudo se misturou sempre: desenhos, bordados, fotografia, recortes... Quis insistir sobre esse aspecto.
P: O Centre Pompidou colocou à sua disposição o espaço do Fórum, para o qual criou uma magnífica instalação “La Ballade de Pinocchio à Beaubourg”. Pode falar-nos um pouco dessa obra e da sua génese ? Como pensou a relação da peça com esse espaço – que pessoalmente me recorda uma estação de comboios?
R: Sim, é verdade, há algo de uma gare nesse espaço, mas de uma gare lúdica, com todos estes canos coloridos e as pessoas sem saberem bem para onde se dirigir, etc... Havia ali um espaço com muita altura: em geral, queixo-me sempre de não ter nos museus altura suficiente para os meus trabalhos, e aqui, finalmente, isso existia. O que quis foi fazer com as coisas caíssem nesse vazio.
P: Alguns dos seus trabalhos têm títulos como “dependência/independência”, “articulados/desarticulados”, “cheios/vazios”. É uma questão de dois termos contraditórios ou de dualismo, com a coexistência de dois princípios?
R: De contradições. Gosto muito de contradições, como as que existem entre o desenho e a fotografia. Por exemplo, na minha peça “Articules / Desarticulés”, quando a obra se articula, também se desarticula e se desdobra ao mesmo tempo. A ideia de dois elementos contraditórios agrada-me muito e está sempre presente no desenrolar do meu trabalho e na forma mesmo como trabalho: passo da alegria à tristeza, falo de “rir até às lágrimas”, ou de “chorar de rir”. Gosto muito desse aspecto de oposição.
P: Os seus trabalhos implicam frequentemente o que eu designaria por um ponto de vista “flutuante”: olhar a partir de baixo, de cima, através de alguma coisa... É uma escolha deliberada?
R: Sim, gosto muito dessa ideia de ponto de vista flutuante, é bonita, mesmo se não saiba se o ponto de vista flutue realmente ... Na verdade, o que eu queria, por exemplo com “La Ballade de Pinocchio à Beaubourg”, era criar pontos de vista completamente diferentes e, mais uma vez, opostos: queria que se olhasse para o chão, que se olhasse para o alto, que se olhasse através de alguma coisa, é disso que gosto. Tentei mesmo fazer com que uma das peças, “Le Tapeur”, saísse do espaço da exposição e pudesse ser vista a partir do exterior.
P: O universo da infância está muito presente na sua obra, habitada por bonecos de peluche, personagens imaginários, monstros e outras “criaturas”. A suposta “crueldade” de algumas das suas peças só faz sentido num mundo de adultos. Que pensa disso?
R: Sim, sim, estou de acordo consigo, não está a fazer-me uma pergunta, mas a dar-me uma reposta. Para as crianças, os bonecos de peluche são um objecto de transição e tudo o que tem a ver com a relação delas com os pais, com o que não lhes querem contar e tudo o que se relaciona com os seus segredos, ou com as batalhas que travam, tudo o isso o fazem ou sozinhos ou com os seus brinquedos, como os bonecos de peluche.
P: A presença da figura maternal na sua obra está ligada a este universo infantil?
R: Não me coloco a questão dessa forma: ou é a relação mãe-filho que me perturba, ou a relação homem-mulher, ou mesmo a relação pássaro-animal-humano, ou as relações com os nossos vizinhos. No fundo, é a relação com o “outro” que me interessa.
P: O seu trabalho é muito feminino, sem ser feminista no sentido militante anglo-saxónico, e é frequentemente citada em antologias de “arte feminista”. Qual a sua relação com esta dimensão abertamente politica do seu trabalho?
R: Precisamente, sou francesa e pertenço a uma tradição francesa: quando bordo duzentos provérbios machistas não é, obviamente, para os sancionar, mas também não quero enunciar claramente o problema. As pessoas têm de fazer o seu próprio julgamento. Nesse sentido acredito que sou feminista, mas nunca o diria dessa forma.
P: Em que mudou o meio artístico desde as suas primeiras exposições nos anos setenta?
R: Mudou muito, hoje em dia há muitas mulheres artistas, e não era nada assim quando eu comecei. Sim, há muitas mulheres, sobretudo em França, bem como artistas de todas as origens e nacionalidades: nesse sentido, o meio alargou-se bastante. O que é menos positivo é que actualmente o fulcro da questão é o dinheiro. Quando eu comecei a trabalhar, o dinheiro não era a prioridade dos jovens artistas, pelo menos não era disso que falavam na imprensa. Hoje fala-se muito de dinheiro, o que me parece negativo. O alargamento é positivo, mas a mercantilização é, actualmente, negativa.
P: Ainda a propósito disso, é também professora numa escola de arte. Como é o seu trabalho de docente?
R: Converso muito com os meus alunos: é sobretudo isso que me interessa...
P: Conhece um pouco a cena artística portuguesa?
R: Gostava muito de ir a Portugal. Sei que não é um sonho muito difícil de realizar, mas cada vez que as coisas se proporcionam, alguma coisa acontece e acabo sempre por nunca ir. É muito estranho... Houve mesmo uma fundação que tentou comprar uma das minhas peças, mas a venda acabou por não se concretizar. No que dia em que conseguir ir finalmente a Portugal, ficarei muito contente.
P: Menciona frequentemente Fernando Pessoa ...
R: Sim, sim. A última frase do catálogo é uma frase de Fernando Pessoa [um excerto de Autopsicografia : E assim nas calhas de roda /Gira, a entreter a razão, /Esse comboio de corda /Que se chama o coração]. É uma das minhas paixões, o que me dá ainda mais vontade de ir a Portugal ...
Centre Pompidou
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