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FRANCISCA ALMEIDA E VERA MENEZES


07/07/2023

 

A Tanque é uma associação cultural e social, criada por Francisca Almeida e Vera Menezes em Outubro de 2022. Acreditam na transformação pela inclusão, promovendo, em escuta activa, um activismo poético na nossa sociedade. 

 

Por Filipa Almeida

 
 

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AC: Gostava de começar com uma pequena apresentação vossa. De cada uma de vocês, Vera e Francisca.

FA: O meu percurso pessoal foi um pouco ambíguo e oscilante… Mas sempre numa busca social. Em cada projecto que me envolvi tive sempre a consciência da minha missão social, que passava por criar impacto no tipo de comunidade onde estava através de métodos abrangentes e de proximidade. O mote é sempre como conseguir criar impacto real e transformação na vida das pessoas. Foi sempre a minha missão e tentei sempre aplicá-la - com e pelas pessoas.

VM: A minha génese é muito através do olhar e observação. Em primeiro lugar isso traduziu-se muito pela pintura, que foi a primeira ferramenta que eu encontrei para conseguir expressar esta gratidão pela vida que nos circula e que muda e é fascinante. Depois foi ganhando outras vertentes. Ao estudar pintura fui percebendo que não queria propriamente pintar só o mundo….uma pintura pode ser redutora; mas mais perceber que uma conversa pode ser uma obra de arte… e como a arte é conexão e pode ajudar a dar sentido à vida. Essa foi sempre a minha procura, que oscilou entre projectos sociais e culturais, sempre na vertente do olhar partilhado.

 

AC: E a tanque, como nasceu? O que é?

VM: A Tanque é uma associação cultural e social que nasceu em Outubro de 2022. Eu estive a fazer um projecto comunitário no Norte, a “Trilogia dos Vales”, que era uma ode e uma celebração das tradições do Minho. Foi uma grande aprendizagem, porque eu era a responsável social do projecto, e portanto fiquei na recolha de histórias de vida e tudo o mais, e ficou muito claro que realmente é na partilha de vidas e de legados que há toda uma magia artística, histórica, cultural… E foi daí que nasceu o meu fascínio pela arte comunitária. Depois, em conversas com a Francisca, pensámos que podíamos e devíamos pegar nisto de uma forma ainda mais humana, partindo de narrativas comuns… Pensámos que podia ser muito impactante e necessário. O nome “tanque” também vem daí… No Minho a força são as mulheres… a lavar a roupa nos tanques, essa ancestralidade, esse lugar de encontro… a transparência.

FA: Nessas conversas entre as duas, que a Vera referiu, começámos a perceber que a arte comunitária, na sua essência, não é assim tão comunitária… E, sobretudo, não é tão implementada como deveria…. Não se escutam as populações… Aí percebemos que a Tanque tem mesmo de existir. Porque há essa urgência de co-criação. Precisamos dessa proximidade, desse colectivo. Nós ambicionamos isso. A tanque vem desta narrativa e também metáfora dessa água que corre e que é a vida, mas agora passando para o urbano, aqui. Onde estamos neste momento. Onde os tanques estão completamente secos…. Porque há um isolamento e uma precariedade enormes. Uma vulnerabilidade não escutada. Nós entramos aí. E mais do que uma associação, a Tanque é um projecto de vida. 

 

AC: Dizem-se espaço de transformação pela inclusão, como li no vosso site. Querem falar um pouco disto? O que é essa transformação que procuram e que querem agenciar?

FA: Então… Vivemos num país muito disperso, muito gentrificado, e com muitas necessidades sociais. A partir disso queremos transformar pela proximidade, pelo amor, pela co-criação horizontal, de escuta. Aí pode surgir um empoderamento da população e isso é transformador. É importante dizer que esta associação nasce de uma amizade enorme e isso já só por si é mote de transformação… E faz muita falta na sociedade de hoje em dia… Vamos, sem medo, ao encontro das causas sociais e mudamos os padrões.

VM: Tem a ver com humanizar… A transformação é quase como um retrocesso, voltar às origens, ouvirmos, escutarmos… Nesse contacto social, de uma maneira horizontal, como referiu a Francisca, acontece a transformação. O mundo é maleável… podemos mudar. Fazem-nos crer que o mundo não é maleável, mas é. Podemos criar novos formatos. Isso é transformador.

 

AC: Destruindo barreiras convencionais e sociais, estão a criar espaços novos, possibilitando novos agenciamentos e projectos. Como é que fazem cair esses muros? 

FA: Em primeira instância, na sequência do que a Vera estava a dizer…. É muito interessante a Tanque (ainda) não ter um espaço específico. A Tanque existe em todos os lugares… neste espaço aqui, contigo, também. Existe nas ruas por onde passamos e criamos relações, no parar para ouvir, no café onde estamos… Estamos no terreno! 

VM: Esses muros caem, por vezes, só com um sorriso… 

FA: A Tanque faz cair esses muros simbólicos mas tão enraizados…

VM: Um exemplo bom é o projecto que temos vindo a fazer no Bairro alto. Muitas vezes as conversas começam com uma pessoa que está a tratar das plantas à janela… E nós tentamos criar uma conversa, entrar no mundo do outro… 

 

AC:O que é o projecto do Bairro Alto? 

VM: O projecto que estamos a desenvolver no Bairro alto chama-se “Poesia no Bairro”. É dinamizado pela Brotéria, pelo Projecto Radar e por nós e é financiado pela Leya. A ideia é pegarmos na poesia como mote de união social e novos diálogos. Há quatro fases. A primeira é o trabalho de campo, ou seja, estarmos nas ruas a conhecer, a falar, a sentir. A segunda fase é a co-criação, os workshops, os almoços nos cafés com as pessoas que temos vindo a conhecer, tertúlias… Uma vez acabámos com um poema do Sr. Zé que dizia “nada fica…nada ficará…tudo mudará…”. A terceira fase é apresentar. Vamos ter vários workshops na Brotéria, que já serão pequenas apresentações. Vamos ter uma apresentação final do projecto em Outubro. Vai ser uma celebração poética das memórias (e do futuro…) do Bairro Alto. Por último será avaliar e perceber por onde e como é que o projecto pode continuar e crescer. E aí entra o Bairro do Amor, que foi uma candidatura que fizemos da Bipzip, para tentar alicerçar este projecto que durará 5 meses e ao qual queremos dar continuidade.

FA: Neste projecto e em todos os projectos Tanque, começamos com uma avaliação social, através desse trabalho de campo, da escuta, para percebermos quais são as necessidades e prioridades. E para criarmos confiança com as pessoas. Tudo o que acontece a partir daí é com as pessoas, com o que elas criarem, quiserem, disserem. É nessa liberdade que pode haver uma cura - porque ouvimos realmente as suas vozes e as suas histórias. Aquilo que têm para dizer e para criar e para partilhar. O processo é sempre indutivo. Acreditamos que o empoderamento vem desse seu reconhecimento e protagonismo! Eles são os protagonistas. 

 

AC: Então, o que pretendem com esta candidatura e com este apoio?

FA: Exactamente isto - continuar um projecto que ainda agora está a começar. Sabendo que é extremamente necessário o trabalho que estamos a fazer! 

VM: Prolongar este projecto e estendê-lo… para lá do Bairro Alto. Mas por agora, sempre na Junta de Freguesia da Misericórdia.

FA: Alterar fronteiras… Fisicamente e simbolicamente.

 

AC: Qual é a vossa luta? E o que são vocês, juntas, nesta luta? 

VM: A nossa luta é um activismo poético. É uma revolução poética! Não pode ser só economia e ciência. A nossa sociedade está cada vez mais automatizada… Isto é necessário. Precisamos de união social, de um futuro melhor. O sofrimento dos outros não pode ser invisível. Nós escolhemos aquilo que vemos. Portanto é este sonho vivo de podermos querer, na nossa janela, por um poema… Pensar: poeticamente onde é que estamos? A arte está fechada em círculos e em galerias brancas… A luta é a democratização. Isto são as nossas vidas! A comunidade somos nós. Não podemos só dizer mal, temos de fazer esta revolução e pensar onde estamos a ir enquanto sociedade.

FA: Queremos mudar padrões numa sociedade que está desenraizada e desacreditada de si própria. Contrariar os padrões da nossa própria política… Somos activistas desde que acordamos até que adormecemos. Essa é a luta.

 

AC: Desde os mais novos aos séniores, o que propõem nos vossos workshops / oficinas?  

FA: Primeiro escutamos. Sempre. Qualquer expressão artística é bem-vinda. E expressão humana também. E construimos juntos a partir daí… em comum. O que surge é surpresa. E a surpresa empodera! E une. 

VM: Nunca os infantilizamos. Nem aos mais novos nem aos mais velhos. Isso é muito importante. Temos de perceber o que eles querem… dar-lhes espaço. Não somos nós a mandar, nesse sentido. Co-criamos.

 

AC: Isso parece-me muito necessário. Sei que estão também com um projecto no Seixal. Querem falar um pouco disto?

VM: Chama-se “desenhos”. A ideia é que através do risco, do traço, do desenho podermos expressar cargas e vivências onde as palavras não chegam. Vamos ter o nosso primeiro workshop amanhã.

FA: Neste caso estamos a lidar com uma comunidade migrante - outro dos problemas do nosso país (a sua integração na sociedade)... Tanto a Vera como eu nos agarrámos muito a esta causa em experiências passadas. É também a nossa comunidade, não é outra! E o objectivo é o mesmo! A horizontalidade, a autonomia, a co-criação… Tentar por no papel, neste caso, tudo aquilo que passámos e que não conseguimos dizer. É curativo. 


AC: Em relação a inspiração, parcerias, orientação, aprendizagens até agora... querem comentar?

FA: Inspirámo-nos muito em muitas pessoas que nos ajudaram a perceber como começar, claro. É importante o trabalho em rede. Mesmo que o nosso país não acredite nisso. É importante aliarmo-nos uns aos outros. 

VM: Falámos com a Onda Amarela, a Pele, o Colectivo invisível… recolhemos imensos testemunhos muito importantes de pessoas e associações que estão na mesma luta que nós. Foi mesmo bonito perceber isso. Dá-nos força. E também percebemos que continua a fazer falta… e que o trabalho não acaba! Aprendemos muito. No Norte há mais associações, no Sul há menos. E nós estamos aqui para isso. No nosso meio, na nossa cidade. 

FA: Nunca pensámos estar a trabalhar nisto em Lisboa… Estivemos a fazer um diagnóstico pelo país… E Lisboa precisa tanto. Está tudo aqui à nossa volta. Há tanto trabalho a fazer. E é aqui que a Tanque está, em cada dia, na luta. 

VM: Uma coisa importante também é o tempo que passámos a perceber como andar com isto para a frente em termos de papelada e burocracia…. Dificultam-nos sempre a vida. Mas estamos a aprender e a conseguir. É muito difícil… É muito cinzenta essa parte. Estivemos muito tempo no nevoeiro… E continuamos! Mas aprendemos muito e foi um desafio enorme. 

 

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Filipa Almeida 
Nasceu em Lisboa, em 1996, cidade onde vive e trabalha. Licenciou-se em Ciências da Cultura e da Comunicação, na Faculdade de Letras. Realizou uma Pós- Gradução em Curadoria de Arte na Nova FCSH, um curso de Estética na SNBA, e está neste momento a realizar o Mestrado em Práticas Tipográficas e Editoriais Contemporâneas na FBAUL. 

 

Vera Menezes 
Desde cedo que se debruça sobre a beleza dos pequenos pormenores. Em 2012 começou o seu percurso universitário na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, onde estuda Pintura. Após a sua licenciatura frequenta o mestrado com foco em sociologia das artes, na Universidade Erasmus de Roterdão. Após o mestrado muda-se para Londres, onde trabalha em várias organizações culturais, nomeadamente a Whitechapel Gallery, onde é assistente do departamento de educação e programas públicos. Após esta experiência regressa a Portugal e é assistente de comunicação e projetos do artista Uriel Orlow. Em 2021 é produtora cultural no Space Ensemble, onde foi responsável pelos programas comunitários. Agora criou o tanque, uma associação que pretende remover as barreiras de acesso à criação artística.

 

Francisca Almeida
Licenciada em Psicologia na Universidade Clássica entre 2011 e 2015, cedo se dedicou à causa dos refugiados, tendo sido voluntária no campo de Calais e em vários squats na cidade de Atenas. Em ambos os casos desenvolveu projectos educativos. Seguindo esta vertente de intervenção, embarca no mestrado de Estudos Internacionais, com especialização em Médio Oriente e Norte de África. Dedicou-se ao acompanhamento e reinserção da população reclusa, trabalhando no Ministério da Justiça. Atualmente colabora com a 42 Lisboa, onde desenvolve estratégias educativas, incentivando um ensino pedagógico-cultural. Agora criou o tanque, uma associação que pretende remover as barreiras de acesso à criação artística.