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ENTREVISTA


Gabriel Abrantes


Vista da instalação de Gabriel Abrantes e Benjamin Crotty, “Visionary Iraq”, 2008. Cortesia do artista.


Gabriel Abrantes e Benjamin Crotty, “Visionary Iraq”, 2008. Vídeo still. Cortesia do artista.


Gabriel Abrantes e Benjamin Crotty, “Visionary Iraq”, 2008. Vídeo still. Cortesia do artista.


Gabriel Abrantes e Benjamin Crotty, “Visionary Iraq”, 2008. Vídeo still. Cortesia do artista.

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GABRIEL ABRANTES


Foi no espaço onde está actualmente a pintar – um edifício no coração do Chiado que inspira à arte com muita luz, pinturas e esculturas – que Gabriel Abrantes falou connosco. Descrito como “a grande revelação” artística de 2007 e há já algum tempo nas listas das dez melhores exposições do ano em Portugal, o jovem artista falou do seu mais recente projecto, a instalação “Visionary Iraq” (co-autoria Benjamin Crotty), em exposição na Galeria 111, no Porto; da arte, das dificuldades de financiamento; do futuro e das suas ideias.

Por Martha Mendes




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P: De que é que nos fala a instalação “Visionay Iraq”?

R: A estória é sobre uma família portuguesa cujos dois filhos se voluntariam para a operação Iraqui Freedom. A primeira instalação, no primeiro quarto da galeria, representa a casa da família, de arquitectura contemporânea. A família é rica, de meios aristocráticos, e os filhos procuram fazer algum bem no mundo e por isso vão para o Iraque. A filha é uma rapariga angolana adoptada. Os pais são uma caricatura às pessoas que adoptam crianças de meios ‘exóticos’ para parecerem bons, como a Madonna ou a Angelina Jolie.
Há uma segunda cena sobre os pais que satiriza a família e o seu meio. Passa-se numa galeria de arte, forrada de papel de prata, em referência ao atelier do Andy Warhol. O pai, um homem de negócios, está a investir em infraestruturas no Iraque, e lucra com a guerra. Quando a filha descobre a verdade sobre os negócios do seu pai, ela deixa de acreditar na sua missão e na Democracia. Os filhos do casal acreditam que só vale a pena lutar pela democracia no Iraque, o que vejo como um pensamento ultra-reaccionário, mas idealista ao mesmo tempo. O terceiro capítulo passa-se no Iraque (representado numa instalação no terceiro andar da galeria). Para esta instalação criamos uma paisagem desértica, recorrendo a materiais simples como sarrapilheira, cola e areia. Cada uma das instalações tem as suas referências diversas a modos de criação: a primeira instalação refere-se a arquitectura pós-moderna, a segunda instalação refere-se ao ‘Factory’ do Andy Warhol e à arte contemporânea, e a última refere-se a uma versão low-fi da ‘land art’. Estas instalações, criadas na galeria, serviram de décores de rodagem para o filme. O filme é narrativo, e cada capítulo está projectado à frente de cada instalação aonde foi filmado. As projeções funcionam como um espelho cinematográfico da instalação. Escrevemos o guião pensando numa transferência de estereótipos americanos para Portugal. Por detrás deste projecto está a ideia de um imperialismo cultural americano, que está infiltrado por todo o mundo.


P: Esse paralelismo é verdadeiro? O que acontece na América podia acontecer em Portugal?

R: Não. O filme pretende apenas propor a ideia de um Portugal Americano. Mas Portugal é distante dos EUA. O filme procura mostrar a ideologia americana, imperialista, do mundo, através da transferência imaginária dos valores e personagens americanos para outro país [Portugal].


P: Há claramente uma mensagem política neste trabalho…

R: Há. Mas não é propaganda para um modo político. A política da estética tenta perceber isto mesmo: como é que se pode ser político na arte. Todo este projecto resulta de um esforço meu e do Ben para perceber como é que se pode agir politicamente dentro da arte. Nós fizemos um projecto anterior a este que era um ‘bazar’ pós-moderno. Tinha algum sentido de humor, mas, para mim, não dizia grande coisa a não ser que no mundo da arte se podem fazer coisas muito estranhas e muito caras. Neste projecto foi diferente, queríamos algo de mais rígoroso, por isso é que há uma estrutura definida – a ideia de ter uma estrutura que se repete de instalação/filme em cada sala– a ideia da galeria transformada em estúdio de produção. Dentro da narrativa tentámos ser extremamente transparentes sobre o facto do trabalho ser político. Mas não é um filme ‘realista’. Não falamos, por exemplo, das forças portuguesas que estão realmente no Iraque. O objectivo não era ser real. O nosso objetivo era, ficticiamente, transferir a realidade americana para Portugal, como uma forma de sátira. O trabalho tem uma dupla face: ou se vê algo puramente satírico, irónico; ou se é convencido pela narrativa, começando a imaginar um mundo onde esta ficção é possível. E onde pensar seriamente sobre a guerra é uma normalidade.


P: “Visionay Iraq” é uma obra agressiva, inquietante. Foi o próprio tema que obrigou a este perfil da obra de arte, ou esta é uma identidade assumida à partida?

R: A ideia era fazer uma obra ‘agressiva’, mas que também fosse emotiva no final. Uma das coisas que gostei mais de ouvir foi o comentário de um amigo meu que veio de França para ver a exposição e que me disse, meio a gozar, “eu penso sempre que tu e o Ben utilizam o vosso trabalho para gozar com tudo, mas desta vez percebi como isto era sério e no fim da exposição já estava quase a chorar”. Fiquei feliz que ele percebeu a ideia: a dada altura, as piadas deixam de ser irónicac ou satíricas e passam a lembrar o espectador da realidade, e a realidade é triste.


P: Neste trabalho há uma certa crítica aos meios de comunicação social que, acreditam, dão uma visão viciada da realidade. Esta crítica não é também válida para a arte?

R: Sim, claro. A mais pequena escolha na descrição do real acaba sempre por moldar a visão da realidade que é oferecida. Nada disto é objectivo. Tudo é subjectivo. E os media têm mais poder do que a arte, o que torna esta situação mais perversa no caso deles. Mas claro que tudo o que faço é o espelho de mim, do que sou, de onde venho, do meu meio familiar, social, económico. Isto é sempre válido, para toda a gente. Para o pintor e para o jornalista também.


P: Há algum projecto futuro para a instalação Visionary Iraq?

R: Há. Eu e o Bem queremos levar a instalação para França. Mas para já queria trazê-la para Lisboa, de forma a ter uma maior visibilidade em Portugal. Depois, em Novembro, tenho uma exposição marcada na Foundation Ricard, também com o Ben, e aí ou fazemos um novo projecto ou levamos este para França.


P: Este trabalho reproduz uma situação de guerra. A arte pode ser uma forma de exorcismo?

R: A minha intenção política com a arte é criar uma imagem de uma situação social onde a igualdade entre todos os seres seja a base da vida. O objectivo da minha arte é criar uma imagem do futuro, tal como ele deveria ser.


P: Mais do que um papel político a arte deve ter um papel social?

R: A política pode mudar a sociedade, o que ela é. Muda para pior ou para melhor. A política é que decide a guerra, mas a maior vítima da guerra é a sociedade. O que é importante é o facto de um grupo de pessoas terem poder para modificar a sociedade e não o fazerem. Nenhum artista quer que a arte seja propaganda. No século XX houve a maior ligação entre arte e política com a Revolução Comunista. Malevitch, Rodchenko, andavam a para e passo com a política. Mas ainda assim é possível olhar para os quadrados vermelhos de Malevitch sem saber que ele era comunista e achar que aquilo tem uma estória interessante. Mas as obras dele acabam por ser propaganda. E nenhum artista quer que o seu trabalho seja utilizado como propaganda, como foi o caso de Beethoven que viu algumas das composições que escreveu com intenções anti-bélicas utilizadas em marchas nazis durante a guerra. Mas o que é que nos resta? Como é que podemos ser políticos sem fazer propaganda? Uma forma de fugir a isto será, talvez, fazer ficção científica, tentando imaginar o futuro, aquilo que ele será ou deveria ser.


P: A sua estreita relação com os EUA teve influência neste trabalho?

R: Sim. Em Portugal sinto-me como alguém de fora. Mas isso pode ser bom, porque me dá uma distância. Interessa-me a história dos Estados Unidos, a influência que tem pelo mundo fora, e com a produção cultural americana que é muito diferente da produção cultural europeia. A americana tem uma maior relação com o quotidiano absurdo, com a cultura ‘pop’. Não tem de ter relevância jornalística, nem sequer dramatismo. E esta é uma linha de pensamento que me interessa profundamente. Os EUA são um país gigante que se impõe ao mundo – cultural, económica e politicamente – e isto tem consequências importantes para tudo. É esta realidade que eu quero explorar.


P: É filho de portugueses, nasceu nos EUA, estudou em França e vive um pouco por todo o mundo. Esta multiculturalidade tem influência no seu trabalho?

R: Sim. Quando eu cheguei a Trás-os-Montes para filmar, durante três meses as pessoas da aldeia desconfiaram. Mas esta multiculturalidade moldou de forma radical a minha maneira de ver o mundo. Cheguei aos EUA com sete anos e era o puto estrangeiro. Chego a Portugal aos 22 e sou o puto estrangeiro. Quando cheguei a Trás-os-Montes era certamente o puto estrangeiro. Chego a França e também sou um puto estrangeiro.


P: No “Olympia I e II” [Indie Lisboa 2008] o cenário também é americano. Relações de prostituição e homossexualidade num cenário texano…

R: Sim, a cultura americana está sempre presente em mim e no meu trabalho. Essas curtas são um projecto de hiper-realidade. Tens um tema cultural histórico e depois começas a adicionar-lhe várias referências culturais, históricas, sexuais, etc. Não basta reescrever a história, tem de se ir escrevendo o futuro. E assim se cria um monstro. O “Olympia” é um monstro. É absurdo e por isso pode ter graça.


P: A propósito de “Olympia I e II” a Time Out escreveu que “os realizadores estão a perder a vergonha”. A arte não admite limites?

R: As vezes é importante ser sensacionais, mas não sensacionalistas. Ser um infant terrible não me interessa porque o enfoque no culto da personalidade inerente a esse estatuto, tira o enfoque do meu trabalho. O sensacionalismo funciona por instantes, traz-te atenção ou chateia as pessoas. E isso funciona, mas a curto prazo. Não é tudo. É importante partir tabus, mas sem perder a seriedade. Até porque quase tudo é tabu. Uma pintura de flores na parede pode ser um tabu.


P: O que é a arte?

R: A arte é produção cultural. Há uma sociedade, uma cultura, e os produtos que eles fazem são arte. Pode ser qualquer coisa. O Duchamp com o seu Urinol e o Beuys propuseram essa ideia. O artista tem o poder de transformar o que não é arte em arte. Se o artista diz que uma coisa é arte, aquilo passa a ser arte. Esse é o poder do artista.


P: Então a arte são os artistas.

R: É o que os artistas fazem e o que os artistas transformam em arte. A questão é perceber a quem é que chamamos artista. Houve um artista que disse que o 11 de Setembro e os atentados às torres gémeas eram a melhor obra de arte jamais feita. Estas declarações foram tão mal recebidas que ele teve de retirá-las.


R: Disse numa entrevista que “só um trabalho muito estranho faz algum sentido”. Porquê?

R: Quando eu disse isso andava a filmar em Trás-os-Montes. A realização era sobre um dilúvio que chegava à aldeia e eu estava interessado com a ideia do apocalipse. Quando se começa a tentar imaginar o fim do mundo o que é que se pode fazer a seguir?


P: Só é arte se não for normal?

R: Não necessariamente. Voltando ao exemplo do urinol: trata-se de uma peça normalíssima. Foi transformada em arte mas nada mudou, continua a ser uma urinol normal. O sentido novo é que inverte a normalidade. O que eu procuro são os processos para fazer uma coisa nova. Para produzir uma nova imagem. Eu pensei “o fim do mundo vem aí.


P: O que é que de muito estranho ainda falta fazer em arte?

R: A grande batalha continua a ser entre os artistas e o grande público. Hollywood, MTV, etc. Apenas 2% dos portugueses vêm cinema português. Nos EUA esta batalha é sentida de forma ainda mais forte porque estás ali a trabalhar em Nova Iorque, ao lado de Hollywood e da MTV e sentes que tens de competir com eles. Mas a função da arte é dar coisas diferentes daquelas que os mass media dão. Rem Koolhaas, um arquitecto que eu admiro muito, disse que a luta dele dentro do sistema era aceitar o capitalismo porque só explorando qual é a finalidade do capitalismo é que se pode acabar com ele. É a ideia de partir o sistema por dentro. Acho que a crise financeira vai obrigar a uma mudança radical nos modos de fazer arte. Hollywood não vai poder continuar a gastar 300 milhões de dólares num filme.


P: A arte contemporânea portuguesa está bem representada no mundo?

R: A esse respeito, a melhor coisa que eu li até agora foi uma crítica do Augusto M. Seabra sobre a Vasconcelos em que ele diz que ela é um Jeff Koons artesanal. Isso é quase a marca registada de Portugal. É essa a imagem que Portugal tenta passar para o exterior: também somos Pop, também somos ricos, também fazemos estes objectos como os ricos, só somos um pouco mais artesanais. É quase turismo rústico. O que é muito parvo, mas também é política. Ao nível dos jovens artistas não temos muita representação.



P: “Visionary Iraq” é um trabalho de produção colectiva, partilhada com Benjamin Crotty. É fácil “partilhar” o acto criativo?

R: A colaboração em arte tem uma longa tradição. A um tal ponto que hoje em dia está, até, transformada num cliché. Depois do 25 de Abril, aqui em Portugal, com as experiências de exploração do trabalho comunitário esta tendência intensificou-se. Parte da razão que gostamos de trabalhar juntos é para pensar num modo de criação que evita o recurso a um culto de personalidade apoiado no cliché do artista solitário ‘génio’.


P: A morte do autor de que falava Foucault…

R: Sim, textos como o do Foucault ou do Barthes inspiraram-me a desejar uma forma colaborativa de fazer arte. A intenção é de diluir a autoria, através da divisão da autoria. Mas a verdade é que colaborar em termos práticos pode ser complicado, sendo que é preciso partilhar a criação, que é um espaço íntimo. E também não acho que se deve colaborar só por colaborar, se isso não tiver um objectivo.


P: Qual é o objectivo da colaboração na criação?

R: A arte começou para mim como actividade social. Eu não jogava desporto, mas pintava. Pintava pessoas e gostava muito. Hoje em dia vejo isso como uma forma de ‘social art practice’. Agora que já não pinto pessoas e estou fechado num atelier com uma prática mais solitária. E tenho a ideia de que se o partilhar com alguém ele deixa de ser tão imoral. Colaborar é quase uma forma de moralizar o trabalho.


P: Trabalha em Belas-artes e em Cinema. São duas actividades que se completam?

R: As belas-artes têm a vantagem da rapidez. Eu trabalho mais depressa quando estou a pintar, por exemplo. O cinema, especialmente quando se trabalha em película, obriga a um nível de organização que algumas das Belas-artes não obrigam. O cinema é muito metódico. Eu procuro ter um trabalho interdisciplinar, e preferia não ser obrigado a me encaixar numa categoria ou outra. Não quero ser pintor, nem cineasta, nem escultor. Quero ser um bocado de tudo. E quero poder pensar sobre tudo isto e não ficar preso a uma matéria apenas.


P: Como é o seu processo criativo?

R: Sou uma pessoa calma, mas sinto que só quando estou deprimido é que tenho ideias que me agradam. Costumo partir sempre de um conceito muito simples que depois procuro desenvolver, à medida que vou descobrindo a obra, percebendo o que estou a fazer. E é sempre um processo. Vou mudando à medida que o trabalho se desenvolve. A obra final é quase sempre diferente daquilo que tinha idealizado no início.


P: Também sente a angústia da tela em branco?

R: Não. A Paula Rego disse que os artistas se começam a repetir com a idade porque param de ter ideias. Espero que não seja verdade, mas pelo menos por agora a tela em branco não me assusta.


P: Tem 24 anos. Já expôs em Nova Iorque, Londres, Berlim, França, Viena. Os media portugueses falam de si como “a revelação do ano” e há algum tempo que o incluem nas dez melhores exposições do ano. Qual é o próximo passo?

R: Pensava que o próximo passo era tentar arranjar financiamento em Portugal mas cada vez acredito menos que isso seja possível. Agora estou numa fase em que não sei muito bem por onde ir. Por agora, só sei que se quiser fazer alguma coisa em Portugal tenho de ser eu a financiá-la, a arranjar maneira de o fazer. Nada vai sair como planeado. Se calhar o mais interessante até seria voltar para a aldeia de Trás-os-Montes e montar lá um estúdio de produção. Não sei.





NOTA
Ver texto crítico da exposição de Gabriel Abrantes e Benjamin Crotty, “Visionary Iraq”. www.artecapital.net/criticas.php?critica=204