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ANTÓNIO BOLOTA / RETO PULFER / MICHAEL BIBERSTEINCUME / ESTADOS DE REMEMORAÇÃO / REALIDADE SUSPENSA![]() FUNDAÇÃO EUGÉNIO DE ALMEIDA Páteo de São Miguel, Apartado 2001 7001-901 Évora 23 JAN - 01 MAI 2016 ![]() ![]()
A Fundação Eugénio de Almeida tem patente neste momento três exposições: “Cume”, de António Bolota; “Estados de Rememoração”, de Reto Pulfer; e “Realidade Suspensa”, de Michael Biberstein. Estas exposições estão integradas na programação que a Fundação dedica à comemoração do 30º aniversário da classificação de Évora como Património Mundial pela UNESCO. Assim, a memória, a articulação entre o passado e o presente, a evocação, a experiência do lugar, a paisagem, a persistência e o temporário, são alguns dos temas que perpassam pelas três propostas expositivas.
“Estados de Rememoração” é a primeira exposição em Portugal do artista suíço Reto Pulfer, resultante de uma residência artística no Moinho da Fonte Santa, o atelier de Michael Biberstein no Alentejo, onde este viveu e trabalhou.
Por cima da porta de entrada da exposição, um tecido em faixa cai preso por pregos. Outro cobre a parede lateral esquerda. Este azul, o de cima esverdeado. Manchas como continentes de um mapa envelhecido, orografias de expansão de tintas. São os “Têxteis de boas vindas”.
As obras de Pulfer, muitas vezes pinturas em tecido e em forma de instalação, apresentam-se como “estados”, espaços transitórios que derivam de um processo de trabalho assente na memória. A memória é constructora, pega em materiais encontrados, objectos do quotidiano, e cria instalações habitáveis. Cada instalação propõe um estado temporário, que é activado pelo visitante. Como na série “Casas da Memória”, onde estruturas em tecido em forma de tenda convidam o visitante a entrar e a reanimar memórias, por exemplo, da infância (“Casas da Memória: Reanimação de uma infância específica”, 2015-2016).
Logo na primeira obra de parede com que nos enfrentamos ao entrar, “O vale do esquecimento é rodeado por uma longa escada com um degrau” (2015), os textos nela escritos, quase imperceptíveis, riscos de tinta, apagados num mar de colorações, provêm de uma novela que Pulfer tem em construção, “Gina”. “A acção decorre num cenário de ficção científica, numa sociedade pós-apocalíptica onde o protagonista sobrevive num ambiente que se assemelha a um deserto”, descreve Reto no texto sobre a exposição. A “paisagem desidratada” que é pano de fundo à novela tem ecos em traços e troços inscritos e cosidos na tela. Esta está enrugada, esticada e segura por pregos, como uma coisa que se abre para ser vista, mas que perde a forma se a tirarem da parede. É preciso dar forma material à memória.
Grandes e volumosas massas de tecido escuro estão suspensas sobre as nossas cabeças ao entrar no segundo “estado” proposto pelo artista, “Estado de desidratação. Estado bruto” (2015-2016), que remete para a demência, e como esta proporciona uma visão diferente do nosso mundo. Formas variáveis, cosidas assimetricamente como remendos - numa turvação que paira sobre nós à entrada – têm fitas e cordas pendentes que tocam os tecidos estendidos em baixo numa plataforma onde objectos repousam, restos de materiais, cerâmicas, pedras, sementes e especiarias, madeiras. Cada objecto tem uma história, mas ao mesmo tempo estão todos interligados.
Ao subir a escada para o terceiro piso, um pedaço de tela inacabada do espólio de Michael Biberstein marca a parede e faz-nos pensar “que objecto é este?” Uma obra? Um documento? “Uma realidade deixada em suspenso”, como poderemos ler depois no texto de parede.
A exposição “Realidade Suspensa”, com curadoria de Reto Pulfer, junta obras e fragmentos do trabalho de Michael Biberstein, dando uma visão particular sobre o seu processo e sobretudo o seu atelier e materiais, espaço ao qual Pulfer teve acesso e onde teve oportunidade de trabalhar.
“A minha decisão de incluir uma selecção de telas inacabadas empurra a conversa na direcção de outro campo de pensamento exploratório: Qual é a matéria-prima de um artista? O que é, em termos gerais, processo? O que acontece entre o artista, a obra de arte e o espectador quando entendemos um acto criativo como completo? Como é que a mente opera no acto de projectar na tela uma imagem nunca vista? Poderemos considerar o inacabado, por si só, como uma categoria estética?” (Pulfer no texto sobre a exposição)
“Collider” (2006), que inicia o percurso expositivo, dá-nos a evocação do trabalho de Michael Biberstein. Impõe-se como “a obra” tal como a imaginamos.
Reto transportou o bambu como estrutura que dá forma, sustento, para a sala seguinte, onde podemos ver restos de telas de Biberstein pendentes de uma cana de bambu. E telas que nunca viriam a ser obras de Biberstein ocupam a sala seguinte, com o objectivo nome de “selecção de telas inacabadas”. São telas com manchas, buracos, formas que ficaram a meio caminho entre o objecto e a obra.
No Gabinete do Inquisidor, pequena sala com tecto profusamente decorado, no chão repousa uma pedra do topo da qual escorrem cores em camadas sobrepostas. Uma concentração num ponto de cores sem forma, cores em estado bruto, em oposição às cores minuciosamente trabalhadas do tecto.
O incompleto, o processual - o diálogo que Pulfer teve e propõe com a coisa inacabada – são aqui usados também para reactivar uma memória que tinha ficado em suspenso, parada.
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