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COLECTIVAENDLESS SPACE : PROPOSITIONS FOR THE CONTINUOUSGALERIA VERTICAL DO SILO AUTO Rua de Guedes de Azevedo, 180 Porto 07 JUL - 29 OUT 2017 A Galeria Vertical do Silo Auto do Porto, projeto da Porto Lazer, é, novamente, espaço de exposição de obras de arte contemporânea, lançando assim um desafio não só ao habitual público da cultura, mas também a quem atravessa a infraestrutura ao longo do dia. Este último, o utilizador do parque de estacionamento, é interpelado por novas relações e diálogos e é-lhe sugerida uma outra apreensão ou entendimento do lugar. Esta iniciativa da Câmara Municipal do Porto é particularmente importante para dinamizar os vários espaços da cidade e descentralizar a cultura das salas e paredes das instituições, museus e galerias, propiciando a formação de novos públicos das artes. O que encontramos já não é um não-lugar, tendo sido repensado e ganhando uma nova vida desde o momento em que é apropriado pela criação e produção artísticas e pelos seus autores. Desta vez, verificamos um resultado particularmente bem conseguido e inteligente, concretizado por Andreia Garcia (Guimarães, 1985). Dada a sua familiaridade com distintas práticas artísticas, um conhecimento profundo da sua multiplicidade e dos seus cruzamentos, e uma consciência plena das possibilidades espaciais e artísticas com que se depara, Andreia Garcia concebeu uma exposição tão estruturada e harmoniosa quanto inesperada. O percurso helicoidal da garagem do Silo Auto funciona de um modo em que o início e o fim colidem, numa espécie de ciclo, como frequentemente ocorre com o nosso tempo e ação diários. A presente mostra de arte funciona numa dinâmica coletiva de ocupação deste lugar, mas também, individualmente, piso a piso, cada obra pulsando e manifestando-se por si, na sua independência autoral e criativa. Nesse mesmo âmbito, a curadora revela uma enorme acuidade visual na escolha dos sete artistas que convidou a produzirem para a ocasião, resultando uma maioria de trabalhos site-specific. Sendo a disciplina de arquitetura o grande ponto de partida da curadora, pareceu-lhe evidente convidar alguns profissionais da área a integrar a exposição, a começar, no primeiro piso, por Manuel Graça Dias. O arquiteto, por sua vez, tomou a decisão de não expor nenhum projeto da sua área profissional, mas antes um vídeo, A Encomenda (2013), que apesar de não ter sido criado propositadamente para esta ocasião, aproxima-se nitidamente do conceito demarcado. Relata a ideia de um começo e de um fim, de um retorno ao passado de uma casa, através de uma continuidade expressada pela personagem retratada, ou seja, o carteiro da vila que se relaciona com os seus habitantes numa familiaridade quase invasiva. Subindo as escadas, entramos na área ocupada por Horácio Frutuoso que, como Andreia Garcia anuncia, é menos física e mais imagética, menos emotiva e mais contemplativa. Com o título Fugitivo (2017), o artista apresenta-nos duas layers de vidro, encontrando-se nelas palavras inscritas em composições gráficas de espiral, esta escolha estando relacionada com a forma do edifício. O vidro exterior corresponde ao espaço físico e o interior ao emotivo, podendo compreender-se como estes representam as bases estruturais que nos compõem como indivíduos e que, entre elas, se influenciam, complementam e, frequentemente, confundem. A leitura é intercalada pelos dois lances de escadas que nos levam ao terceiro piso, a uma estrutura que prolonga o reflexo da janela e sua envolvente e onde se estendem excertos de um texto de Virginia Woolf, The Lady in the Looking Glass (2011). Aqui, somos impelidos a pensar a repetição, o infinito e a (i)mortalidade. Da autoria de João Mendes Ribeiro, são-nos propostos dois tempos: o de passagem pela obra e o de observação desta apenas possível mediante uma aproximação física. A curadora reconhece o seu particular agrado pela colaboração com este arquiteto-cenógrafo e artista e, também ele, destaca o projeto em causa como uma oportunidade de extensão dele próprio enquanto arquiteto. Na criação da obra In the looking glass (2017), o autor identificou um processo próximo ao da arquitetura, determinado pela observação do espaço e por solucionar o que este comporta como desafio, traduzindo-se na concepção de uma obra de arte neste lugar tão invulgar. A exposição, plural e heterogénea, fornece-nos, no andar seguinte, uma outra prática, a escultura que, sendo composta por alvenaria, um dos materiais de construção do SiloAuto, estabelece um contacto ainda mais profundo com o espaço. De Fernanda Fragateiro, com o título Demolição 3 (2017), o objeto composto por sete elementos foi concebido para esta ocasião, mas está enquadrado no seu projeto Fragmentos, atualmente em curso e exposto no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia. Observando esta peça, torna-se notório como a relação entre o trabalho da artista e o espaço é absolutamente sublime. Em forma de escultura, a obra aborda a arquitetura, a efemeridade dos edifícios e o que lhes acontece quando são abandonados ou demolidos para construção de outros. Através destes fragmentos do passado, a artista ressuscita a memória de antigos edifícios, prolongando, assim, a vida destes, também numa espécie de ciclo onde há um retorno ao início, à construção, à matéria. No piso acima, encontramos ainda uma outra técnica, a pintura, trazida pela mão de Luísa Salvador. É perante uma delicadeza de traço e excelência plástica que observamos Trilhos (2017) do deserto. Trata-se da representação do cenário de uma paisagem infinita onde a linha do horizonte se perde e se prolonga. A autora explica como os rastos e os trilhos impressos na areia se mantêm quando há uma longa ausência de vento e chuva, causando no deserto uma espécie de impermanência e prolongamento do tempo para uma dimensão maior do que a real, que nos é familiar. Por conseguinte, o tempo geológico e o histórico são distintos, não coincidem. Esta ideia é-nos transmitida através do pastel dourado e da cor verde, revelados num processo em camada, de adição e subtração de matéria no papel. Surge uma pintura que ultrapassa a bidimensionalidade habitualmente a ela intrínseca. Numa oposição a esta ideia de continuidade e de lugar sem fronteiras, somos interceptados por uma obra de Jéremy Pajeanc que, como anuncia o título Tour de Contrôle (2017), coloca-nos em contacto com uma realidade paralela à nossa: a prisão. Através de um vídeo somos confrontados com uma distinta percepção do tempo, menos móvel, mais estática, em que as horas e os dias se confundem e onde o ritmo é inscrito pelo movimento dos aviões que atravessam o céu, espaço da liberdade e da vida sem fronteiras. Por fim, é-nos proporcionado um último desafio, um confronto de imagens, de paisagens e horizontes do local e a produção de Nuno Cera. Neste sétimo piso, onde alcançamos uma altitude que permite observar a paisagem da cidade do Porto, é-nos proposto um paralelismo com uma outra, a de Los Angeles em 2007. Ainda que não tenha sido produzida para a presente exposição, esta obra é, agora, inaugurada aos olhos do público. Proporciona uma nova perspetiva e linha de horizonte que, na técnica de dupla exposição, traduzida na sobreposição de dois momentos, revela a inevitabilidade da mutação do espaço em função do tempo. Ora, a arte que atravessa o tempo e o espaço contém em si, precisamente, essa capacidade de se alterar, de ganhar novos significados e de sugerir novas interpretações, numa continuidade cíclica que proporciona distintas experiências, uma e outra vez, a cada novo espectador. A presente exposição foi inaugurada no dia 7 de julho com o título Endless Space : Propositions for the Continuous, transcrevendo as propostas da curadora dos artistas. Fica até 29 de outubro disponível para visita em horário totalmente livre, de acordo com o horário da garagem do SiloAuto. Deste modo, abrem-se múltiplas oportunidades para apreciar o que Andreia Garcia concebeu e que se afirma como um encontro exemplar das lógicas da arte e da arquitetura e das suas relações, numa dinâmica e notável proposta.
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