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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Dominik Lejman, Lunatics. © Aga Zdziabek


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ARQUIVO:


DOMINIK LEJMAN

LUNATICS




MADNICITY PAVILION
La Biennale di VeneziarnIsola di San Servolo
Veneza

21 ABR - 30 MAI 2022

A loucura como história de fronteiras

 
 

A proposta da curadora Cecilia Alemani para a 59.ª Bienal de Arte de Veneza abriu um campo onde o diferente prevalece. A partir de “The Milk of Dreams” de Leonora Carrington, delineou três linhas curatoriais: corpos e as suas metamorfoses; indivíduos e tecnologias; a conexão entre os corpos e a Terra. Veneza encheu-se de ecos de aventuras, mais ou menos íntimas, de múltiplos e variados territórios plásticos arredados da ribalta no último século. E a questão da sanidade mental entrou em campo como uma das peças fundamentais do jogo. Em antecipação e muito a propósito, Richard Hallward, Dominik Lejman, Mário Caeiro e Bianca O’Brien conceberam o pavilhão Madnicity – que se pode traduzir livremente por Loucuricidade –, paralelo à Bienal e instalado na ilha de San Servolo.

San Servolo albergou, por cerca de oitocentos anos, um mosteiro beneditino para monges e freiras. No século XVII, foi o território para onde se enviavam os doentes de peste. Durante a ocupação napoleónica foi um hospital para soldados franceses. E depois, por mais de dois séculos, até à reforma italiana da psiquiatria em 1978, foi um hospital e um asilo psiquiátrico. Até aos anos 70, um local de passeios domingueiros de venezianos curiosos que “iam ver os loucos”. Uma expressão popular traduz esta sede de segregação: “Se não te portas bem, mando-te para San Servolo!” A ilha é hoje um oásis na cosmopolita laguna, onde o Museo della Folia resgata o seu passado – lugar de encontro, de aprendizagem e de conhecimento. Mas o arquipélago está inscrito com brutais histórias de refúgio, de exclusão e de dor. Em que local “se poderia encontrar com mais impacto a loucura, a loucura não como doença, mas como história de fronteiras?” lê-se no comunicado de imprensa do projeto. A linha limite que estabelece a diferença entre loucura e normalidade é muito ténue e ziguezagueante.

Assim, do outro lado do canal, no ponto oposto ao Giardini e a dez minutos de barco, San Servolo acolhe este pavilhão off-Bienal que se enraíza e interliga na sua genealogia. O Madnicity Pavilion exibe Lunatics, exposição composta por uma dezena de obras de Dominik Lejman (vencedor do Berlin Art Prize, em 2018), várias delas realizadas em colaboração. A equipa curatorial é constituída pelo português Mário Caeiro (professor na ESAD.CR/ IPL, investigador no LIDA e no CECC), o alemão Hubertus von Amelunxen (filósofo, editor, crítico, diretor académico do Archivio Conz, em Berlim), o italiano Raffaele Gavarro (historiador e crítico, com longa ligação a San Servolo) e o inglês Richard Hallward (“diversity warrior” no cruzamento entre artes, cultura, entretenimento e o campo empresarial).

Leonora Carrington, que esteve internada em Espanha por alegada “desestabilização psíquica” e que escreveu sobre essa experiência no livro “Lá em baixo”, é a voz citada: “I am armed with madness for a long voyage.” Para Dominik Lejman, “a loucura é o poder que não se pode comprar.” Este artista, que pinta com o código do tempo, mergulhou em San Servolo, na sua história enquanto asilo psiquiátrico, na sua condição de Museu da Loucura. Todas as obras que apresenta pertencem a uma fenomenologia confusa e enlouquecedora de duração e repetição. A própria estética da pintura e a maquinação da projeção — que atualiza o delay em Marcel Duchamp —, propiciam um oscilar entre o visível e o invisível. Duplicações e sobreposições, palimpsestos, surgimento e ocultação de corpos, revelações e véus fantasmagóricos permeiam estas obras. Em San Servolo emerge um circuito de aparições de escritos, de corpos, de vozes que ecoam essas tais fronteiras, essa linha que ziguezagueia. Referem-se ao lugar e criam, confirma o artista, uma arquitetura de memórias deslocadas nas quais o conhecido dá lugar ao desconhecido, ao estranho. Viajando por algumas das peças, começamos por Pharmakon (2022). Na Farmácia do antigo hospital, entre potes de tinturas, de ervas medicinais e de outras mezinhas, soam vozes que soltam a loucura. São as vozes de Antonin Artaud, Leonora Carrington, Timothy Leary, William Burroughs, Philip K. Dick, Kusama, Groucho Marx… No meio dos silenciosos frascos expostos, elas soam como ecos de uma farmacologia e evocam fantasmagóricas possibilidades de uma potencial cura. Dominik Lejman diz-nos que “teriam permanecido anónimas, se seus autores tivessem, noutras circunstâncias, sido diagnosticados como loucos e não artistas.” Subindo para o Museu, encontramos duas peças em diálogo uma com a outra, UBU1 e UBU2 (2021). Ubu é uma personagem de Alfred Jerry, um tirano e autocrata que que desafia os limites da sanidade. Um anti-herói que, na Polónia – ou “em parte nenhuma” ou em todos os lugares onde acontece um regicídio, a tomada de um trono por usurpação –, pratica o exercício brutal e errático do poder. Peça de teatro Simbolista, precursora do Teatro do Absurdo, “Rei Ubu” foi e é um manifesto de inconformismo perante a sociedade. As duas projeções, com este título, mostram um homem vestido com um fato de cerimónia. Numa o homem pinta-se de preto até desaparecer no fundo e na outra corta o fato que tem vestido até não restar nada sobre o seu corpo, fugindo depois nu e exposto como o Narciso de Caravaggio. Segundo Lejman, estas obras “lidam com a destruição da aparição da sanidade e do poder, questão que é visível também em Proximity, no mesmo espaço.”

No jardim, estão patentes mais peças. Uma delas é um inusitado playground para crianças, com base em espelhos concebido pelo artista em colaboração com Kasia Gruszczyńska. Outra, em claro contraste, mas evocando a mesma ideia de jogo, Domino (2022) é constituída por várias barreiras, das usadas para demarcação temporária de espaços, posicionadas paralelamente umas a seguir às outras. Durante as visitas guiadas, decorre o empurrar que gera o efeito, uma intervenção sobre as barreiras que faz cair em efeito dominó.

Na parede exterior da igreja, Agave (2022) é uma pintura a fresco que apresenta precisamente um agave, uma planta originária do México que faz parte do género das suculentas, que tem uma surpreendente longevidade e a peculiaridade de apenas florescer uma vez. Tal como a lua, e mais próxima da vida por quem passou por lá, a agave é uma testemunha que permaneceu em San Servolo.

Na sala de Anatomia, atrás de uma bela e sinistra mesa de mármore lavrado, onde decorriam as lobotomias, está Quick March (2022) uma pintura de um cérebro, em nuances de cinzento, em dois painéis que dividem os seus dois hemisférios. E, como acontece na maioria das pinturas de Lejman, a tela ganha de repente vida com a aparição de um poema de Richard Hallward, o colaborador que aqui dialoga com o artista. À sua volta, um gabinete de curiosidades mostra crânios, cérebros e utensílios cirúrgicos, como bisturis, tesouras e recipientes de vidro. Entrar ali para ver esta obra é fazer um pequeno passeio pelas almas perturbadas dos que passaram por aquela mesa para serem cirurgicamente corrigidos.

A cereja no topo do bolo é Reenactment (2022, com Bianca O’Brien), na Igreja de San Servolo.

Bianca O’Brien é top-model e atriz, com presença frequente nas mais conhecidas revistas de moda do mundo. Mas também uma criadora, capaz de integrar diversas dinâmicas no campo da criação atual, nomeadamente no que se refere à esfera da imagem. Do curioso cruzamento de O’Brien com Lejman resulta esta instalação, na qual o formato e a dimensão de duas pinturas que ladeiam o altar da igreja de San Servolo são reproduzidas em duas novas pinturas com o código do tempo. Como que destacados da parede, dois painéis pintados de negro acolhem projeções contrastantes em branco e nuances de cinzento. Um está colocado verticalmente e o outro horizontalmente, contrariando e, simultaneamente, dialogando com os santos representados nos painéis da igreja. Neles, são apresentados fragmentos temporalmente reduzidos de duas performances protagonizadas por Bianca O’Brien. Mais uma vez, é necessário esperar um pouco para se perceber que há movimento. As performances foram filmadas na igreja, em sessões que resultaram em cerca de quatro horas de material fílmico. Portanto, não são apenas projeções, mas também o material original de um acontecimento subtil, in situ. O’Brien, ela mesma um ícone contemporâneo, personifica o cânone de beleza da representação religiosa na pintura. Ambas as projeções a mostram aparentemente imóvel, com sua tonalidade escultural de mármore, e duvidamos se estamos perante uma figura de uma santa ou de uma louca. A aparente quietude das imagens é interrompida pelo elemento performativo do trabalho, da fantasmagoria. Na pintura da esquerda, colocada horizontalmente, surge deitada e, muito lentamente, vai-se sentando, quebrando a ilusão de perspetiva da escultura vista de baixo. No painel da direita, a rutura é conseguida pelo par de mãos que lhe manipula a cabeça posicionando-a convenientemente para uma pose, numa reencenação do procedimento de fazer fotografias aos doentes mentais, no qual os posicionavam à força e que Dominik Lejman conheceu através da sua pesquisa nos arquivos de fotografia do asilo psiquiátrico.

Mas manipular uma modelo é um procedimento normal e ficamos mais uma vez no território do ambíguo. Voltamos ao princípio e retomamos a questão: norma e desvio, como se delimita esta fronteira? A reencenação formal e performativa da submissão forçada ao cânone cultural da beleza, ou ao cânone da normalidade, de facto contradizendo-os, torna-se a questão genuína presente no conceito central da instalação.
Madnicity abre um debate, uma caixa de Pandora e, na experiência das obras, dá a um sítio e um contexto – a Ilha de San Servolo e a Bienal – uma nova dimensão simbólica. A da loucuricidade.


O programa de abertura de pavilhão incluiu o simpósio “The Magic of Madness” (que pode ser visto aqui), uma atividade interativa para crianças, o Kids Asylum e uma performance de Krzysztof Leon Dziemaszkiewicz, performer e artista também polaco. No simpósio pontuaram várias personalidades mundiais das áreas da Psiquiatria, Psicologia, Filosofia, Teoria da Arte e da Crítica, entre as quais W. J. T. Mitchell, Françoise Davoine, Angela Findlay, Ratnaboli Ray, Wouter Kuster ou Catarina Pombo Nabais, que discutiram e analisaram o lugar da loucura na sociedade, o lugar da sociedade na loucura e as implicações desta problemática para o futuro da humanidade.

O Pavilhão Madnicity esteve patente em San Servolo, em Veneza, de 21 de Abril a 30 de Maio.

 

Levina Valentim
É licenciada em Belas Artes/Pintura, especializada em Estudos de Teatro e frequentou o mestrado na mesma área na Faculdade Letras da U.L. Tem o Curso de Gestão e Produção de Artes do Espetáculo, do Forum Dança. Colaborou com diversos jornais e revistas, tendo começado a escrever no Diário Popular e na revista O Actor. Trabalha em comunicação, assessoria de imprensa e edição, áreas em que tem vindo a colaborar em vários projetos, nomeadamente com o FIAR/CAR e com as associações Produções Independentes, Org.I.A, Linha de Fuga, CasaBranca, os ateliês Item Zero e Silvadesigners ou o Projeto P! Performance na Esfera Púbica (2017) no qual também fez curadoria. É coordenadora editorial do livro Vicente. Símbolo de Lisboa. Mito Contemporâneo(Theya, 2019). 

 



LEVINA VALENTIM