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COLECTIVAFENÓMENO![]() GALERIA DO SOL / RUA DO SOL Rua Duque Loulé 206 4000-324 Porto 17 JUN - 03 JUN 2022 ![]() Alerta Fenómeno!![]()
Observatório Paralaxe é um projecto de investigação em arte com foco no cruzamento disciplinar, ocupando territórios aparentemente alheios à prática artística, assumindo-se como um colectivo -sem outra maneira possível de vir ao mundo e de existir - a partir do exercício de desdobramento e deslocação disciplinar - entre a prática artística e a investigação científica - e espaço entre como interstício, esse poro de respiração, tudo o que rodeia, circula, envolve, adentra, desloca e atravessa ambos os mundos, que se nutrem e expandem mutuamente. Voltemos ao início. Observatório Paralaxe. Observatório, a mim, faz-me pensar na frase de Anne d'Harnoncourt, numa entrevista em que Hans Ulrich Obrist lhe pergunta que conselho daria a um jovem curador. Ela responde: "It is to look, and look, and look. And then to look again, because nothing replaces looking" [1] -olhar, sempre, como exercício de resistência, de fortaleza, opondo-se à velocidade desenfreada do mundo e da informação - sabendo que o que vemos é o que somos - que o trabalho de uma vida inteira é, talvez, aprender a olhar, num playground de aparição e desaparecimento contínuos... E, depois, Paralaxe, que tem origem no grego parállaxis -isto é - mudança - mais uma vez, mais contemporâneo e urgente que nunca, uma declaração de compromisso atento, lutando no campo de batalha da constante mudança, na metamorfose sempre recomeçada, e sabendo que estamos no "... mundo como movimento contínuo, um incessável rasgo. Podemos ouvir a sinfonia eterna do vento, num bramido redondo e rodopiante, o movimento dos astros mudos, em expansão - para nos lembrar que aqui, agora, a cada instante - algo se mexeu." [2]
Sabemos que as residências artísticas no contexto científico e de investigação já existiam e que encontramos exemplos na História disso mesmo, e sabemos também que não são contextos tão distantes quanto poderíamos pensar, exatamente porque "ciência e arte interrogam o mundo com igual curiosidade" [3], mas o Paralaxe tem uma organização mais informal e independente de muitos outros projectos, sendo construído por artistas, no sentido de criar oportunidade de trabalho para si próprios e para outros artistas. "A falta de oportunidades para artistas emergentes é uma realidade que importa discutir e que fecundou precisamente a criação de um projecto como o Paralaxe. É um projecto criado por artistas, capaz de gerar oportunidades de produção para outros artistas, e dar visibilidade a espaços com pouco reconhecimento cultural" [4]. As propostas do Paralaxe eram várias: 1- para estar em residência e exposição no observatório astronómico (7 convites) : Beatriz Sarmento, Bruno Silva, Carlos Mensil, Ece Canli, h0b0, Joana Ribeiro e Juliana Campos (sempre acompanhados pelas Paralaxe); 2- para estar em residência e produzir um jornal de artista (7convites): Beatriz brum no OASA (Observatório Astronómico) de São Miguel, Carolina Grilo Santos, Diana Geiroto, Didático Obscuro, Irina Pereira, Luís Cepa e Rúben Fernandes. 3 - para trabalhar em residência, ou não, e produzir uma peça para o website paralaxe (5 convites): Cinthia Mendonça, Coletivo SEM-FIM, João Pedro trindade, José Taborda e os yy.gemini.yy
Entro, finalmente, na Galeria do Sol, acompanhada pela Luísa Abreu (Paralaxe) e a Maria Miguel Von Hafe, que realizou, em conjunto com o resto das Dose (Mariana Rebola e Margarida Oliveira) a curadoria desta exposição:"Fenómeno". Apercebo-me rapidamente do ambiente de processo, de acumulação de informação, de corta e cola, de junção, de encadeamento. Expostos e espalhados em cima de três estrados de metal que mais parecem levitar, estão um conjunto de ideias e processos em modo documentação da residência. Um colectivo de ideias perdidas, espalhadas, deixadas, recicladas, pensadas e, agora aqui, expostas. Ao falar com Maria Miguel ela explica-me que, em conjunto com o resto das Dose, ao receberem o convite para acompanharem o processo e fazerem a curadoria desta exposição, pensaram, primeiramente, no que significava fazer uma residência de curadoria, e a primeira ideia foi verem exposições científicas, onde repararam que tudo era tratado como documento - escolheram então trazer essa abordagem para esta exposição, onde todas as coisas não são propriamente a coisa em si, mas mais o seu caminho, os atalhos e rastos, aqui desvendados - portanto, como uma exposição do processo da residência. Noutros lugares há outras partes complementares, outras sombras deste sol espalhadas, outras posições a descobrir - em consonância harmoniosa com o próprio processo e método de trabalho que as Paralaxe escolhem adoptar - processual, vivo, com o sangue a correr nas veias em várias partes de um mesmo corpo que se fragmenta e se expande, agindo e trabalhando através de vários métodos. A exposição no Observatório Astronómico é outra coisa: tem as peças dos artistas que habitaram aquele espaço durante a própria residência. Num dos lados do estrado metálico, está uma fotografia aérea do investigador José Alberto Gonçalves, do Observatório, da peça de Juliana Campos com a sua intervenção no território do Observatório - que era de uma dimensão enorme, imperceptível no próprio espaço. Curiosamente, num lugar onde tudo indica que olhemos para o céu, ela faz-nos olhar para o chão - a grelha pode ser percorrida pelo visitante, mas só é totalmente visível a partir do céu. Do outro lado, ainda neste piso, temos a caixa de luz da Beatriz Brum, onde espreitei um eclipse, cheio de sombra e de luz, as duas faces de todas as coisas - uma imagem que acabou por nao ser incluída no trabalho final, o jornal de artista, e que ela trabalhou a partir do Observatório De Santana, em São Miguel, nos Açores. Todas as imagens e todo o jornal visual que ela criou foram a partir dquele espaço nos Açores - que não tem nada a ver com o Observatório Astronómico Prof. Manuel de Barros -aquele espaço é totalmente pensado para a mediação de públicos e tudo funciona- instrumentos para ver o Sol, a cor, a refração da luz... portanto aquilo que nao existia na residência cá, ela tinha lá. Não há investigação científica a acontecer do lado de lá, por outro lado aqui só há investigacão e tudo o que é mediação é nulo. Vou então percebendo aquilo que está por todo o lado - vários lugares - todos os artistas - movimento, mais uma vez. O trabalho e as propostas das Paralaxe, actua e está vivo em muitos lugares ao mesmo tempo: temos num lugar o processo (aqui), noutro a exposição das peças em si (no Observatório), no site a novela e outras intervenções de artistas satélite convidados, e ainda o formato jornal - há, portanto, coisas espalhadas pelo tempo e pelo espaço, numa totalidade partilhada, confiada a mais do que um lugar, na formação de diferentes espaços de liguagem e expressão artística, fibrosos e vivos, onde as coisas que estão num lugar completam as que estão no outro, unindo-se e tecendo-se em acção, na precisa separação em que vivem, nesse hiato irrequieto de tensão e extensão, de ligações e intervalos. Estou, portanto, neste "labirinto com vários centros" [6], que começo a sentir vivo nestas escadas em caracol que subo e desço, para aceder aos outros patamares da galeria, e que posso, neste contexto astronómico, comparar às varias camadas da atmosfera, numa subida e descida em rodopio até ao céu, ou ao Sol, por entre novelas galácticas, caixas de luz, sombras e passagens satélite. De noite, atravessando os movimentos das estrelas e da lua, com as suas superfícies mais ou menos rugosas e enigmáticas, entramos então no trabalho de João Pedro Trindade e de Cinthia Mendonça. Mais uma expansão do projecto das Paralaxe foi a edição do primeiro fascículo, que é um projeto de edição em fascículos que apresentam, em formato papel, os processos de trabalho de 20 artistas que trabalham no Porto- o atelier de João Pedro também entra nesse primeiro fascículo. Aqui na galeria tem exposta uma gravura calcada de papel de alumínio, material que tem vindo a utilizar na sua prática de trabalho. Entre a peça exposta na galeria e a capa de alumínio que fez para o seu fascículo há essa ligação- o material que faz lembrar a superficie lunar. De um lado vemos o prateado que ganhou rugosidade ao calcar sobre o chão, e do outro, pintado de preto e com face escura, a penumbra- aquilo que as liga são os pequenos buracos no material, de onde dá para ver passar a luz, como pequenas estrelas erráticas a dançar pelo céu, à velocidade que o nosso olhar e movimento lhes der. Depois, temos então a caixa de luz de Cinthia Mendonça, artista que está a trabalhar a partir do Brasil e que também foi convidada para o site. Aqui, uma câmara de vídeo é direcionada para o espelho de água e a lua dança em movimentos que dissolvem a sua forma - pintura, desenho, retrato. São expostos três stills desse vídeo experimental de processo. Voltamos a descer, passando pelo piso 0, e continuamos para baixo, no prolongamento da escada em caracol. Estou a chegar mais perto das nuvens. Reações à luz e à sombra - na peça de Carlos Mensil, que só podemos ver espreitando pelo tubo e impedindo a luz de passar, o artista utiliza o pigmento que usou na instalção no Observatório, que reaje à luz e, depois, só activa a cor na escuridão. Carlos idealizou uma instalação em que uma gota fosforescente desce por um tubo até se expandir como uma nuvem. Por fim, temos o trabalho de Ece Canli - um mapa, uma imagem de arquivo que ela recolheu no processo de fazer a performance no Observatório. A Ece foi uma artista escolhida pela editora Lovers & Lollypops, a desafio das Paralaxe, enquanto estava a preparar um albúm novo, porque tambem é música. No Observatório foi construída uma instalação sonora "em que cartas e gráficos celestes podem também ser pautas e ecoar entre luzes saturnianas". [7]
Sr. Leitão com a velha © Dinis Santos
Estamos a chegar ao final desta visita e a Luísa partilha comigo uma história sobre a residência anterior que, sempre inacabada e com rastos vivos, ocupa uma página do jornal desta edição. Samuel Silva, convidado a escrever, falou com o Sr. da Horta, o Sr. Leitão, a quem tinha ficado prometida uma fotografia com a "Velha", a sua galinha, pelo Dinis, artista Residente no IGUP. O Samuel ligou para o Dinis que foi ter ao IGUP e a fotografia foi tirada e colocada no jornal desta segunda edição. Mais uma vez, testemunhamos o processo e o caminho, as pessoas envolvidas e marcadas nestes tempos de residência - o que fica por dizer, por fazer, esta continuidade permanente do projecto, aqui honrada pela prometida fotografia. Sobre o céu nao sabemos nada, e podemos continuar perdidos, ou a pairar entre os astros e a terra, mas temos ainda a coragem de o tentar experimentar e desvendar, quem sabe conhecer; e com todos estes artistas, aceder, de alguma forma, aos seus desdobramentos, cores, luzes, buracos e aberturas- sob um véu de ficção para que lhes possamos aceder - pelas cúpulas que se abrem, na potencialidade tão flagrante como uma estrela cadente que não esperamos - se a soubermos ver.
Nasceu em Lisboa, em 1996, cidade onde vive e trabalha. Licenciou-se em Ciências da Cultura e da Comunicação, na Faculdade de Letras. Realizou uma Pós- Gradução em Curadoria de Arte na Nova FCSH, um curso de Estética na SNBA, e está neste momento a realizar o Mestrado em Práticas Tipográficas e Editoriais Contemporâneas na FBAUL.
Notas:
[1]Anne d'Harnoncourt e Hans Ulrich Obrist, "Anne d'Harnoncourt" in Hans Ulrich Obrist, A Brief History of Curating (i), Zurich, JRP|Ringier, Dijon, Les Presses du réel,p.179, 2017 [2]Excerto retirado do texto curatorial da exposição Algo se mexeu (i), por Filipa Almeida [3]David Lopes,"Residências Artísticas em espaços Científicos: precariedade, rizoma e metáfora na prática artística contemporanêa" in Jornal de arquivo(i), fevereiro/junho 2022, p.7 [4]Ibid [5]Paralaxe, "Ver de longe" in Jornal de arquivo (i), fevereiro/junho 2022, p.23 [6]David Lopes,"Residências Artísticas em espaços Científicos: precariedade, rizoma e metáfora na prática artística contemporanêa" in Jornal de arquivo(i), fevereiro/junho 2022, p.6 [7]Instagram observatório paralaxe
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