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CARLOS NUNESABASEDOTETODESABA![]() 3 + 1 ARTE CONTEMPORÂNEA Largo Hintze Ribeiro 2E-F 1250 – 122 Lisboa, Portugal 23 SET - 05 NOV 2022 ![]() ![]()
Ao entrarmos na galeria, 3+1 Arte Contemporânea, para ver a exposição de Carlos Nunes, ABASEDOTETODESABA, deparamo-nos com a série palíndromos, GOD DOG/DOG GOD. Este contacto prévio com a série faz-se momentos antes de entrarmos na galeria. A montra, que compreende um vidro amplo, e extenso, ocupa a fachada da 3+1, e deixa revelar, já no exterior, a série de imagens realizadas entre 2021 e 2022. Ao penetrar no espaço interior da galeria confrontamo-nos instantaneamente com a peça escultórica Biruta (2022) e mais adiante, à direita, com a peça Pipa (2022), esta última que mais parece um papagaio de papel suspenso por um fio cor-de-rosa vivo. Tanto Biruta quanto Pipa sugerem uma ideia de estruturas vulneráveis, sujeitas a qualquer um que as derrube, pela fragilidade que apresentam, ou, de súbito, a serem tocadas por um elemento exterior, que as faça alterar, desmantelar-se, como o vento o faz.
Carlos Nunes, Biruta, 2022. Madeira, plástico, linha, bola de ping-pong, pedra. Dimensões variáveis. Cortesia 3+1 Arte Contemporânea. © Bruno Lopes.
Também já no tempo do movimento De Stijl se fazia assim, os componentes de uma composição ou estrutura traduziam-se em elementos geométricos básicos, posicionados muitas vezes de modo assimétrico, e reforçados por uma paleta que se resumia à aplicação das cores primárias, umas vezes, e de cores secundárias, outras vezes. A exposição de Nunes compreende uma experiência formal de linhas horizontais, verticais, e oblíquas, mas não sem tirar a atenção do papel social da arte, e de uma possível influência no futuro. As primeiras impressões do lugar são justamente essas, as de uma sugestão de lugares paralelos ao mundo em que vivemos, alternativos a um mundo que se vislumbra, cada vez mais, obscuro e pesado. Uma fuga por lugares de brincadeira e jogo, que nos faça sair destes tempos em que vivemos e que sabemos nos colocarão a todos à prova. É impossível não recuarmos às brincadeiras da infância, e à evasão que se verificava quando, em pequenos, procurávamos lançar o papagaio de papel no ar, na esperança que se sustivesse, o mais tempo possível, ao sabor do vento, e a inaugurar os seus bailados. Em Pipa, 2022, no entanto, a sua estrutura em papel de seda, com padrões feitos de triângulos a amarelo, parece, apesar de suspenso, um pouco aliquebrado, e algo vencido. Biruta, por sua vez, aparenta um certo equilíbrio, mas revela, ao mesmo tempo, a possibilidade de, a qualquer momento, ser desmoronada, e os seus componentes, serem desintegrados, por serem leves, com as suas finas hastes. A peça ABASEDOTETODESABA, de 2022, que dá nome à exposição, é outro dos elementos que reforçam a vulnerabilidade revelada nos trabalhos de Nunes para esta exposição. Um grande barrote de pinho encontra-se apoiado sobre uma das paredes, de modo oblíquo.
Carlos Nunes, ABASEDOTETODESABA, 2022 (série palíndromos). Barrote de pinho. 355x16x8 cm. Cortesia 3+1 Arte Contemporânea. © Bruno Lopes.
A aparentar a mesma condição, encontramos uma outra peça, chamada OMISSISSIMO. A peça, inclinada, como a sua gigante ABASEDOTETODESABA, é constituída por uma vara fina de madeira, finalizada depois, nas suas pontas, por duas bolas de ping pong, uma branca na base e uma outra amarela, em contacto com a parede. Todas estas peças parecem compreender uma alternativa à condição do mundo. Uma opção lúdica, através do jogo. Para Johan Huizuiga era como se esse mesmo jogo “se situasse fora da sensatez da vida prática, em que nada teria a ver com a necessidade ou a utilidade, com o dever ou com a verdade”. Mas com algo que superasse o tangível, algo mais próximo da poesia, e do ritualismo na arte.
Carlos Nunes, OMISSISSIMO, 2022 (série palíndromos). Madeira e bolas de ping-pong. 83x4x4 cm. Cortesia 3+1 Arte Contemporânea. © Bruno Lopes.
Nas peças de Carlos Nunes vemos um todo transitório, a “passagem das imagens para outras imagens”, ou até o olhar através dessas imagens, como em Biruta, que ostenta, dependurado, uma película rectangular translúcida, no topo de uma das hastes de metal fino. Na película azulada, rectangular e translúcida, propõe-se a metamorfoses, a transições, ao acto da revelação, como se de uma imagem fotográfica se tratasse? As propriedades translúcidas dos materiais acusam a importância que a luz tem para o artista, e reforçam a ideia de Nunes em capturar as coisas impalpáveis. Não temos o poder de deter, mas antecipamos os elementos. Sentimos o vento, e sentimos a gravidade. E com isto não poderia deixar de mencionar Kandinsky e a obra “Do espiritual da arte”. Para o artista não se podia “cristalizar materialmente, aquilo que não existia materialmente”. Só a intuição”, dizia, “pode reconhecer as coisas espirituais”, que “levarão ao reino do futuro”. Mais além, esclarece “O talento do artista traça o caminho”, e, ao falar de Ciência, Kandinsky ainda diz, “que não existem fortalezas invencíveis”.
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