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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Sem título, série Abismo, 2020 ©João Salgueiro Baptista


Sem título, série Abismo, 2020 ©João Salgueiro Baptista


Sem título, série Abismo, 2020 ©João Salgueiro Baptista


Sem título, série Abismo, 2020 ©João Salgueiro Baptista


Sem título, série Abismo, 2020 ©João Salgueiro Baptista


Sem título, série Abismo, 2020 ©João Salgueiro Baptista


Sem título, série Abismo, 2020 ©João Salgueiro Baptista


Sem título, série Abismo, 2020 ©João Salgueiro Baptista


Sem título, série Abismo, 2020 ©João Salgueiro Baptista


Sem título, série Abismo, 2020 ©João Salgueiro Baptista


Sem título, série Abismo, 2020 ©João Salgueiro Baptista


Sem título, série Abismo, 2020 ©João Salgueiro Baptista


Sem título, série Abismo, 2020 ©João Salgueiro Baptista

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ARQUIVO:


JOÃO SALGUEIRO BAPTISTA

ABISMO




CELEIRO DA PATRIARCAL
R. Luís de Camões 130
2600-097 Vila Franca de Xira

12 NOV - 16 JAN 2023

Pés no chão, cabeça no céu

 

 

Quero começar por pensar o que é uma imagem. A imagem dita, a falada, a escrita, a desenhada, a pensada, a escondida... A imagem imaginada. A imagem projectada, elaborada, completa... A imagem inacabada – sempre. A infinita. 

Navego entre o ideal e o real…Sei que nem tudo é real... mas que mesmo o não real é uma possível experiência da realidade. Que o ideal é uma esperança ficcional e que o que existe é massivamente maior do que aquilo que vemos.

A ilusão ou o sonho de que vemos tudo. 
Vejo e sei? Ou sei e vejo? 
Aparição e desaparecimento. 
Continuamente ver e perder. O que vemos dispersa-se.
E tentamos, e queremos – a união, o indecomponível, aquilo que não se dispersa…mesmo no movimento perpétuo. 
Obsidiante impossibilidade de tocar o já ausente.

Quantas vezes tudo está onde não vemos? Exactamente quando deixamos de ter acesso? Nesse para lá dos frames, para lá da moldura? Nessa periferia relevante e reveladora? Sobre isto fala-nos Tarkovsky. Faz-me pensar na parte e no todo – (nas) partes que sugerem o todo – fragmentar o todo em partes para que possa existir. 

 “Just as life, constantly moving and changing, allows everyone to interpret and feel each separate moment in his own way, so too a real picture, faithfully recording on film the time which flows on beyond the edges of the frame, lives within time if time lives within it.”  [1]

Penso em lugares reais e lugares imaginários… do espaço para ver mais… As imagens de João Baptista alertam-me para todas estas questões. Se houver presença, há sempre mais a ver – e isso significa abertura e possibilidades.

Porque, de repente: 

"Uma grande construção fantasmática e consoladora faz abrir o olhar, como se abriria a cauda de um pavão, para libertar o leque de um mundo estético ( sublime ou temível) e também temporal (de esperança ou de temor) “ [2]

Por vezes, aquilo que não conseguimos ver não vem sem sofrimento. Sentimos a ausência, a incompletude, a impotência…

Será porque essas coisas que não vemos estão sós? Ou porque nós estamos sós e vazios sem elas? 

Rememoro John Berger, no seu livro "Porquê olhar os animais?”, em que ele coloca uma questão muito pertinente sobre a criação, e penso: é necessário que uma antiga vida se desfaça, que deixe de existir, para outra poder emergir. Também nós estamos sempre a morrer… e a nascer de novo. 

 “O nascimento dá início ao processo de aprendizagem da separação. A separação é difícil de acreditar ou aceitar. Contudo, à medida que a aceitamos, a nossa imaginação desenvolve-se - a imaginação que é a capacidade de religar, de reunir o que está separado. A metáfora encontra os vestígios que indicam que tudo é uno. Actos de solidariedade, de compaixão, de auto-sacrifício e generosidade são tentativas de restabelecer - ou ao menos uma recusa em esquecer - uma unidade que já foi conhecida. A morte é a provação mais difícil em que a vida incorre na aceitação da separação.
(...)
O acto da criação implica uma separação. Algo que permanece preso ao criador é apenas uma meia criação. Criar é deixar que algo que não existia assuma controlo, e por isso é novo. E o novo é inseparável da dor, pois está sozinho.” [3]

Volto a tarkovsky : “Once in contact with the individual who sees it, it separates from its author, starts to live its own life, undergoes changes of form and meaning.” [4]

É preciso este intervalo que separa e que possibilita a verdadeira criação, que garante a sua liberdade, que germina o inflamável e erótico – no sentido fértil e possibilitador – de cada coisa neste mundo. É nesse intervalo de separação que circula a energia. 
Separarmo-nos desse algo faz com que ele possa, de facto, existir. E ser.

Fragmentar a visão – sabendo que não vemos o total – só o podemos sonhar, intuir, pressentir. 

Talvez só agora possamos passar ao verdadeiro desafio:

“Que a forma nos olha desde a sua dupla distância precisamente por ser autónoma na solidão da sua formação, é o que Benjamin haveria também de sugerir, ao dizer que a qualidade principal de uma imagem aurática é ser inabordável, portanto, votada à separação, à auto-suficiência,à independência da sua forma. Teríamos aí uma primeira, uma elementar resposta à questão de compreender o que é verdadeiramente uma forma intensa: é pelo menos uma coisa a ver que, por mais próxima que esteja, se redobra na soberana solidão, e que, portanto, por essa simples fenomenologia do recuo, nos mantém à distância, nos mantém em respeito diante dela. E é então que ela nos olha….” [5] 


As imagens abrem-se em nós para nos abrir e com isso nos incorporar. É aqui que a experiência acontece. Só assim se completam, em nós, e ganham a sua vida própria, a sua independência ... mesmo na sua irresolúvel solidão - que é, no fundo, a coragem de existir e de estar aqui. 

Sabendo que – como diz Novalis – sim, estamos sós, mas como tudo aquilo que amamos.

Trata-se de uma união de ver e ser visto, onde nos encontramos confundidos com a grandeza nocturna. Somos seres videntes e visíveis. Somos o mútuo, o encadeamento, o dominó – “E essa desconfortável postura define toda a nossa experiência, quando se abre em nós aquilo que nos olha no que vemos.” [6] 

Ficamos entre o luto e o desejo. 

Curioso e pertinente, como esta série de fotografias, em exposição na Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira, se chama Abismo. Esse abismo que mete medo mas que nos seduz. Todas as coisas incompreensíveis…A arte é capaz de transformar esse abismo e absurdo da existência em imagens capazes de tornar a vida (mais) possível. 

Sinto um convite a um mergulho profundo. Sustenho a respiração. E depois volto à vida. 

Nestas imagens –  de véu, de neblina, e intermitência; de vultos e promessas de movimento – vejo uma aproximação ao cinema. Porque estas imagens têm algo de performativo, de anunciador. São espera na esperança. São rastos em plena jornada.

Caminho pela exposição. Vejo intervalos, respirações, soluços – não numa indecisão, mas num desencadear de espanto. Percebo que, ameaçados pela ausência, estamos sempre sedentos de presença. E então compreendo que, nesses intervalos, nessas respirações e nesses soluços, estas são imagens que não se escondem, nem vacilam

 As fotografias do João são imagens longínquas que me falam tão perto, ao ouvido. 

Ao olho / ouvido. Ter os olhos nos ouvidos. E os ouvidos nos olhos. Sentir com o corpo todo –  objecto primeiro de todo o conhecimento e visibilidade. O recéptaculo de tudo.

Não são ecos do passado, antes o inverso: na imagem, o passado distante ressoa em ecos que não sabemos nunca quando ou se vão cessar. Na sua própria novidade, a imagem tem um ser próprio, um dinamismo próprio. As fotografias do João prolongam e adensam a paisagem, tornando-a ao mesmo tempo enigmática e límpida, silenciosa e imensa.
Chegam-me sonhos que eu não sabia que tinha, que descubro em mim, que se manifestam internamente – ao completarem as imagens que vejo, com aquilo que não via. Sempre com o que não vejo, mas ainda assim está lá . Existe, reverbera, ressoa, reflecte e ecoa.

Como Espinosa dizia, não somos nós que decidimos a forma das coisas; são as coisas em nós que decidem a sua própria forma. 

Volto a lembrar-me que o que é criação tem de ser livre! 

Não podemos esquecer esse mistério – que alimenta a vida e todas as suas deliciosas ilusões, que nos faz viver e reencontrar-nos com o mundo. Não podemos esquecer nem excluir de antemão toda a fulguração, todo o anacronismo e todas as constelações inéditas. Uma imagem que nasce flor, uma imagem que nasce espanto, que esconde o mistério das formas, traduzidas em linhas de vida, em traços que rasgam a escuridão, e que nos lembram que nem sempre a sombra é o contrário da luz.

No que toca a  fotografia ouvimos muito falar dos instantes decisivos. Prefiro, como fez Henri Cartier Bresson, falar de escolha decisiva – exactamente porque um instante é como outro qualquer. É apenas um instante - que a nossa escolha torna decisivo, por nele investir deliberadamente esperança e sentido.

As imagens que aqui vejo são corporeidade e sensualidade – porque nos devolvem o olhar, porque prometem movimento e nos seduzem sem palavras.

Falam-me do erotismo e da morte que removem o ser humano da descontinuidade na busca de uma continuidade possível do ser para além do fechamento em si mesmo. São uma aprovação da vida até na morte… São uma defesa contra a fuga do tempo.

Vejo estátuas transformadas em pessoas e pessoas transformadas em estátuas; vejo fotografia feita pintura, vejo sombra feita luz. Nas palavras do artista: “Interessa-me o estudo da escultura (como ato de representação), do gesto, da pose, do peso e da luz, pois também ela, tal como a fotografia, é representação, parte do real para objetivo.”  [7] 

Vejo as veias do mar.

As plantas, nos seus fechamentos e aberturas, convidam-nos a descobrir-lhes a expressão. Folhas como asas–  todas numa preparação para uma dança –  em vénias que antecedem uma partida, numa ondulação para o salto, numa flexão para o voo.

Os frutos, que me fazem pensar nas maçãs de Cézanne –  repare-se na sua transparência e carnalidade; na interrogação que testemunham.

A cascata que corre como uma pintura branca, livre, desapegada – corre como se tivesse sido pintada apenas num gesto. 

Água livre, água espelho, água presença. 


Mais uma vez, nas palavras de João, as imagens “transportam-nos para o campo da imaginação povoada pela sabedoria comum que nos rodeia (refiro-me por exemplo, à cultura cristã), e daí chega-se ao jardim do éden, à fantasia, ao sonho, a um possível início primitivo.” [8] 

O reflexo alongado daquilo que existe, nos pés descontraidamente repousados, mostra-me que o espelhar do fixo, afinal, é só mais uma passagem para o movimento –  contínua ondulação e espera.

Descubro ainda as curvas de um corpo caído e entregue. 
O osso e a forma. 
A presença forte e firme no passo a dar, na decisão a tomar.

No fim, para me fazer voltar a respirar, assisto ao corpo submerso e à alma arrebatada, assumida, desatada. Ampliada. Rendida. 

E ficam sempre os vestígios na areia…


Também nós somos imagens. Também nós somos mais a ver. Imagens prolongadas…. demoradas, resistentes. Imagens vislumbradas. 

As imagens do João são o gesto vivo que se eterniza, sem nunca estancar nem petrificar –  para sempre na promessa de mais. São o frémito, por vezes sem rosto e sem nome, que atravessa as coisas. São o tempo e a presença persistente.

São formas que modestamente celebram a simplicidade do seu aparecer. Como nós. Sempre com "os pés no chão e a cabeça no céu". [9] 

 

:::

 

João Baptista 

É um artista plástico e fotógrafo com sede no Porto. Português, nascido em 1994, lincenciou-se em em Artes Plásticas pela Faculdade de Belas Artes do Porto, com especialização em Escultura .É mestre em Fotografia Artística pelo Instituto Produção Cultural e Imagem do Porto e co-fundador do atelier Caldeiras

 

Filipa Almeida

Nasceu em Lisboa, em 1996, cidade onde vive e trabalha. Licenciou-se em Ciências da Cultura e da Comunicação, na Faculdade de Letras. Realizou uma Pós- Gradução em Curadoria de Arte na Nova FCSH, um curso de Estética na SNBA, e está neste momento a realizar o Mestrado em Práticas Tipográficas e Editoriais Contemporâneas na FBAUL. 

 

Notas

[1]  Andrei Tarkovsky in Time, Rhythm and Editing. Music and Noises, sl., texto policopiado, sd, p.8.

[2]  Georges Didi-Huberman, O que vemos, o que nos olha, São Paulo, Editora 34, 2005, p.48.

[3] John Berger, Porquê olhar os animais?, LisboaAntígona, 2020, pp. 81 e 82.

[4] Andrei Tarkovsky, op.cit, sd, p.8.

[5] Georges Didi-Huberman, op.cit, 2005, p. 226.

[6] Ibid, p. 234

[7] Informação escrita obtida do João via e-mail.

[8] Idem

[9]  AAVV, Pés no chão, cabeça no céu, Lisboa, CCB, 2003.

 

 



FILIPA ALMEIDA