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ANTÓNIO JÚLIO DUARTEFEBRE![]() MUSEU DE SERRALVES - MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA Rua D. João de Castro, 210 4150-417 Porto 26 MAI - 12 NOV 2023 ![]() ![]()
© António Júlio Duarte
Com conceito de António Júlio Duarte e Paula Fernandes, Febre, reúne uma série de trabalhos inéditos realizados em plena pandemia, no período de 2019-2022. Se em trabalhos anteriores parte de estratégias mais documentais, num trabalho de deambulação entre continentes, em Febre recorre a um processo diferente: num período em que está confinado, o fotógrafo troca o seu território de eleição - as ruas da cidade - pelo interior da casa que habita e o espaço que a circunda. [3] Limitado na sua prática, António Júlio começa a fotografar sem intenção, apresentando-nos em Febre imagens do seu quotidiano que se foram acumulando numa prática diária voltada para um espaço íntimo e privado, imagens de situações banais e de registo diarístico onde não há uma narrativa, apenas a acumulação de fragmentos [4]. A sequência ritmada e convulsiva de cenas banais da vida quotidiana sem ligação aparente, refletem o estado febril que dá título à mostra e a partir do qual a exposição se estrutura. Conduzidos pelos ritmos e saltos entre as imagens, mergulhamos na cor amarela, energética e ao mesmo tempo perigosa, que explorada pelo fotógrafo integra o espaço expositivo dentro do próprio trabalho. A crueza e imprevisibilidade das cinquenta fotografias de formatos retangulares iguais (40x60cm) revelam-nos reações intuitivas do artista num corpo de trabalho que se alimenta do acaso e surpreende o espectador. Jogos de luz e texturas percorrem as imagens, num equilíbrio perfeito entre as fotografias a preto e branco e a cores – nas quais se destacam os tons verdes e vermelhos – numa conseguida relação entre a verticalidade de algumas obras com a horizontalidade de outras. Naturezas-mortas, paisagens, retratos e fragmentos de corpos, utensílios domésticos, objetos, animais e até a presença de uma vanitas, revelam-se-nos num conjunto atemporal, onde apenas existe uma referência direta ao período pandémico: a imagem de um rosto de mulher tapado por uma máscara. Alguns dos trabalhos que compõem a exposição foram revelados em casa pelo artista através dos tradicionais processos de revelação fotográfica, tendo quase todas as fotografias sido capturadas com uma máquina familiar simples, não profissional, a Olympus Mju II Point & Shoot que lhe permitiu de forma perfeita o enquadramento delimitado do território fotografado [5]. Um dos aspecto interessantes em relação à série e respetivo processo de trabalho consiste no facto de que embora António Júlio Duarte crie uma construção mental da imagem do que quer fotografar, ao não utilizar o visor no seu enquadramento, a imagem revelada nem sempre corresponde ao que o fotógrafo espera, causando-lhe surpresa.
© António Júlio Duarte
Estendendo-se à Capela da Casa de Serralves, a exposição mergulha-nos de modo inesperado e surpreendente numa experiência imersiva proporcionada pela obra Queimado, imagem mais antiga de 2017, impressa em tecido e de grande formato (360x240 cm), que complementa o discurso construído na apresentação do museu. A fotografia feita durante a rodagem do filme Mariphasa, de Sandro Aguilar, em que António Júlio participou como ator, recebe-nos assim que entramos no espaço da Capela, impondo-nos a sua presença apocalíptica. Não se tratando de um autorretrato, observamos a imagem de António Júlio na tela, que caraterizado como se tivesse saído de um incêndio, imóvel entre os distorço e de olhar simultaneamente sério e complacente, nos evoca as imagens dos Santos Mártires. De destacar a intervenção artística de António em preparar o espaço da Capela para receber a tela, ao abrir o altar que se encontrava coberto e estabelecendo-se um diálogo curioso com a obra, cuja instalação tira partido do contexto intimista em que é apresentada e da duplicidade constituída pela transparência do tecido. Concebida como se de uma publicação se tratasse, através da qual exterioriza e dá-nos a conhecer o seu processo de trabalho, Febre revela-nos o olhar específico e preciso de António Júlio Duarte durante um período de incertezas e de estado febril. O interesse do artista por momentos aparentemente banais, abrem campos de possibilidades de leitura em imagens que não se esgotam e que permitem ao espectador fazer a sua própria construção, mediante a visão poética do fotógrafo capaz de trazer à superfície a beleza do quotidiano. Mafalda Teixeira :::
[1] Que comoção? Que emoção! O poder de uma Olympus Mju II Point &Shoot. [Folha de sala da exposição]
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