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RAGNAR KJARTANSSONNÃO SOFRA MAISMOSTEIRO DE SANTA CLARA-A-NOVA Calçada Santa Isabel 3040-270 Coimbra 14 ABR - 16 JUL 2023 Ragnar Kjartansson: a forma mais do que a substância
Uma bienal anual? E consagrada a um único artista? O qual terá realizado a melhor obra de arte do século XXI? Ragnar Kjartansson está na moda, não há dúvida. O Palais de Tokyo em Paris “descobriu” este artista islandês em 2015, e é hoje uma estrela mundial. O facto de se ter dignado vir cá, longe dos lugares de poder e da moda, para ocupar um antigo mosteiro degradado com 13 peças, que pelo menos uma foi concebida para este local, preenche os locais de alegria e admiração, e a imprensa portuguesa canta em sua honra (até 16 de julho). Podemos passar rapidamente pelas suas peças que não são vídeos, entre o slogan “não sofra mais“, emprestado das pastilhas para a tosse e inscrito sobre uma torre do mosteiro, e por paisagens de montanha (mal) pintadas sobre banais placas em madeira, e estar mais interessados nos seus filmes, alguns dos quais são bastante fascinantes. A exposição começa por uma cena de violência intrafamiliar Me and My Mother (2000-2020): todos os cinco anos depois de 2000, o artista e a sua mãe encontram-se na casa dela, numa decoração quase imutável, lindas encadernações nas estantes (com fotografias dele criança) e abajur com franjas, e a mãe, durante uma longa sequência (de 7 a 20 minutos consoante os anos), cospe-lhe na cara: a megera e a vítima passiva. De sequência em sequência, ambos os dois envelhecem, claro (mas não como em Nixon), mas reproduzem a mesma cena de violência cúmplice, incansavelmente. Aqui, ao lado do écran, de forma bastante simbólica, a torre abandonada do mosteiro (aqui na primeira imagem): desde a entrada, o tom é dado. Vídeos bastante espetaculares na sua forma, e um discurso entre religioso e simbólico que parece demasiado evidente. O trabalho de Kjartansson é baseado na performance duracional e na repetição: adicionando-se a duração dos seus vídeos aqui apresentados, ultrapassamos as 180 horas (um deles, Figures in landscape, dura sete dias ininterruptos…). Esgotamento do sujeito, esgotamento do espectador, especialmente porque a maioria são compostos de formas musicais simples, repetidas continuamente. Assim, o vídeo Song (2011) dura seis horas, durante as quais as três sobrinhas do artista, beldades nórdicas bastante insípidas e estereotipadas, vestidas à antiga deixando por vezes escapar um seio rosa, cantam incansavelmente as mesmas palavras “The weight of the world is love” (longe o suficiente do sulfuroso Allen Ginsberg), deitadas sobre um pódio drapeado de cetim azul enquanto a câmara gira em torno delas num décor pretensiosamente neoclássico. Sobre o cetim, alguns livros que elas fingem ler, uma guitarra que mal tocam, espelhos e escovas de cabelo. Demasiados símbolos, talvez. Encontramos um padrão semelhante no vídeo God (2007), onde, num cenário de cetim, rosa desta vez, Kjartansson, vestido de cantor romântico, brilhantina, aspecto lamechas, acompanhado por uma orquestra passando do xarope a espasmódico, canta durante uma meia hora “Sorrow conquers happiness”, terminando quase em êxtase, os olhos ao céu. Poderia ser hipnótico, mas cheira um pouco a artifício, o processo. Passamos sobre algumas outras peças de menos interesse e admiramos a instalação The Visitors (2012), sem negar o nosso prazer: um longo átrio, quatro écrans de cada lado, mais um nono ao fundo. Na mansão Rokeby ao norte do estado de Nova York, um grupo de músicos islandeses toca durante uma hora a música "Once again, I fall into my feminine ways", em que, individualmente, cada um ocupa uma das divisões da mansão, com um coro no alpendre: seis músicos, dois Instrumentistas e uma dorminhoca nua deitada num lençol verde, pianos, bateria, acordeão, cordas. De écran em écran, deambulando neste átrio, vamos de sala em sala, de instrumento em instrumento (mas sem a perfeição técnica do Motet de Janet Cardiff). No final, todos se encontram, numa sala, num écran, bebem, fumam, depois correm no parque. É bonito e divertido. Kjartansson é excelente em direção e em orquestração, as suas obras são agradáveis e encantadoras, mas é difícil encontrar um significado mais profundo. O discurso mais ou menos filosófico e espiritual apresentado aqui carece de densidade; temos de levar estas peças como momentos agradáveis e superficiais, sem mais. Não tenho a certeza se é a melhor obra do século XXI...
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