|
COLECTIVAPERCEPÇÕES E MOVIMENTOSGALERIA PRESENÇA (PORTO) Rua Miguel Bombarda, 570 4050-379 Porto 20 JAN - 09 MAR 2024
De uma simplicidade tocante, Percepções e Movimentos “emerge (…) do intuito de convocar e, de certo modo, reativar os territórios de ação e expressão desenvolvidos e partilhados pela op art e kinetic art (…)”, refere Constança Babo, curadora da exposição, na folha de sala na Galeria Presença. No entanto, vê-la somente à luz das suas especificidades conceptuais e plásticas é redutor e, por isso, “propõe-se um discurso e uma abordagem amplos e atuais”. A ótica e o movimento continuam a ser centrais na prática artística contemporânea, e não se deve considerar este atual como derivado de uma atualização. Pelo contrário, decorre de uma sequência histórica mutável que tem vindo a explorar as inesgotáveis propriedades (e possibilidades) da matéria, da composição e da tecnologia em função da estimulação dos nossos modos perceptivos. Recordo a exposição derivada do mesmo tema - The Dynamic Eye: Beyond Optical and Kinetic Art -, no Atkinson Museum em Vila Nova de Gaia, entre Julho e Novembro de 2023. A mostra de uma centena de obras da coleção da Tate Modern, exemplares da arte ótica e cinética que revolucionam a esfera do pictórico, veio reforçar e reposicionar estas duas correntes artísticas no discurso contemporâneo, afirmando-se como antecedente do digital e virtual no modo de fazer e ver arte hoje. A arte cinética e ótica, reconhecidas enquanto tais a partir dos anos 50 e 60 do século XX, e geralmente referidas em conjunto, caracterizam-se pela criação de efeitos óticos que colocam o olhar em dúvida quanto à estabilidade da imagem ou objeto. A inclusão do movimento – aparente ou real - foi determinante para estimular o olho e a experiência sensorial, espacial e temporal da obra de arte. A ilusão ótica, com os seus mecanismos de persuasão e distorção pictórica, recorria a cores saturadas, geometrias dialogantes e padrões. Também eram comuns opções como intensificar os efeitos lumínicos e/ou sonoros de uma peça com a inclusão da máquina, de forma a desmaterializar a estrutura do objeto e converter uma anterior experiência visual estática numa dinâmica. A relação entre arte e ciência é inequívoca, compreendendo um alargado campo de estudos que vão desde a psicologia aos avanços da robótica. Na Galeria Presença, Constança Babo propõe uma seleção contemporânea que bebe dessa herança, partindo de artistas vivos representados pela galeria e artistas convidados. As obras de Diogo Pimentão, Isaque Pinheiro, Lia Chaia, Marisa Ferreira, Roland Fischer, Carlos Mensil, Angelika Huber e David Magán compõem um grupo inteligente, variado e esteticamente sofisticado, que faz esquecer, por momentos, os artistas enquanto criadores. As peças dissimulam a marca da mão humana (salvo Diogo Pimentão e Carlos Mensil na última sala) através de formas depuradas, transições cromáticas subtis, uso do ready-made, e de meios definidos por dispositivos mecânicos – a fotografia, o vídeo, o motor. Além disso, as obras imanam uma dimensão poética difícil de ignorar e o espectador fica mudo ao contemplar as obras. Quando se fala, murmura-se. Se alguma vez a arte ótica/cinética suscitou uma reação audível própria da surpresa ou do inacreditável, o conjunto aqui apresentado caracteriza-se por um espanto silencioso de quem vê algo frágil, precioso e raro. As obras organizam-se no espaço segundo coincidências que o espetador vai adivinhando. Começa-se em grisalha ou preto&branco (numa possível homenagem aos inícios da op art) com obras de Huber, Pimentão, Pinheiro e Fischer, refutando a ideia de que é necessária a cor para ativar a visão. Reconhece-se uma desmaterialização (conceptual ou efetiva) das obras em três partes, como uma Santíssima Trindade. Huber apresenta In motion, walk again (2024), integrada na série Kinetic Stories, - em que faz uso de três obsoletos split-flap para colocar em andamento três películas de tons monocromáticos. A conjugação entre rotatividade, verticalidade e horizontalidade dos planos, reportam a várias imagens, como janelas, escadas, planos iluminados ou em sombra. O som das películas em movimento ressoa em Eversion (inversion) (2024), de Pimentão, que imobiliza esse encadeamento com o rasto petrificado de “três barras de grafite” em grande escala, no tempo do desenho. Em frente, Eis quando a pedra manipula a linha sob sedução da tela (2024) traz à Memória #2 (2019), de Isaque Pinheiro, o questionamento do que pode ser ainda o ofício do desenho, da pintura e da escultura subvertendo os materiais e os gestos aos objetos distintivos da disciplina protocolar a que correspondem.
Isaque Pinheiro, Eis quando a pedra manipula a linha sob sedução da tela (2024). © Galeria Presença - Carlos Campos.
A celebração da cor espera-nos quando se vira à direita. Os nossos olhos são bombeados pela energia de Halo Series 05 v. 03 (2022), de David Magán, que hipnotiza pela sua qualidade etérea ao fundo da sala, ladeado pelas corpóreas Expanded Series #Yellow / #Blue (2024), de Marisa Ferreira. A delicada irradiação das partículas de cor impressas em três planos transparentes, encontra a mesma subtileza em Uniqlo, Osaka (2014), fotografia de Fisher de um pormenor descontextualizado de uma fachada de um edifício. Enquanto as obras desafiam os limites da bi- e tri-dimensionalidade, o olho tenta discernir se é plano ou volume aquilo que vê. Os objetos modulares - e comparativamente terrenos - de Marisa Ferreira (também inspirados em estruturas arquitetónicas), incitam o espetador a mover-se no espaço para abarcar as várias composições, profundidades e reentrâncias que as obras dão a ver. O intercâmbio entre materiais duros-pesados-opacos e flexíveis-leves-transparentes, mesmo potenciando percepções opostas, acabam por partilhar de um mesmo sensível (sempre difícil de descrever) que se apoia na possibilidade ilusória e ilusionista da forma, da cor e da luz a partir do movimento. Se até aqui, a atmosfera da galeria se sente espectral, Ethereal Trace 18 (2023) assume-o na pequena montra da galeria, um White Cube que recebe uma fotografia que se situa entre uma intervenção de Flavin e uma aurora boreal. O fenómeno da luz continua, ainda hoje, sedutor e misterioso, sempre capaz de nos surpreender. Na quarta sala (curiosamente, a da quarta dimensão) juntam-se as obras permanentemente in motion: a performance de Pimentão em Returned (2012) caracteriza-se pelo gesto repetitivo de pressionar uma chapa circular com os dedos, quando a marca dessa ação torna a desaparecer assim que o ricochete do material se faz ouvir; metáfora do que pode representar “a natureza efémera e transitória do ato de criação”; Átomo (2020), de Lia Chaia, projeta o movimento infantil de pequenos berlindes dentro de uma espiral desenhada com pregos, fazendo-nos duvidar se é apenas o seu encontro umas nas outras que as faz rolar; Por fim, Carlos Mensil apresenta 16:9 (2022) ao lado de um Sem Título (2016) ainda tímido, uma peça que marca a introdução do aço inoxidável na sua prática. O formato panorâmico que gira sobre si mesmo capta as demais atenções, e tem o condão (as projeções lumínicas assim o ditam) de prolongar ou encurtar o tempo se optarmos em rodar também com ele, no mesmo ou no sentido contrário, respetivamente. Termina-se a exposição com esta dança entre dois amantes – o Homem e a Arte -, sem previsões de alguém desviar o olhar ou findar o passo. (Até 9 de Março).
Cláudia Handem
|