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Já por aqui se dedicaram textos a Delia Derbyshire e a Daphne Oram, duas das mais eminentes figuras do Radiophonic Workshop da BBC, uma verdadeira instituição da música electrónica britânica. O carácter essencialmente invisível do trabalho desenvolvido por esta célula criativa entre 1958 e 1998 tem vindo a ser alterado por uma geração que reconhece nesse legado a raiz de um pensamento estético muito particular e de uma distinta marca britânica no universo da música electrónica. Bandas como os Stereolab e os Broadcast, editoras como a Mordant Music e a Ghost Box, documentários como The Alchemists of Sound ou o por aqui abordado The Delian Mode, exposições como a que recentemente se inaugurou no Science Museum de Londres e que é dedicada à visionária Oramics Machine de Daphne Oram e, enfim, livros como Special Sound (edição da Oxford University Press de 2010) contribuíram decisivamente para lançar luz sobre um laboratório de invenção que criou música avançada para televisão e rádio efectivamente sintonizando gerações inteiras para o poder dos bleeps e dos bloops gerados por máquinas estranhas que pareciam resgatadas ao futuro.
Special Sound, o livro de Louis Niebur que tem por subtítulo «The creation and legacy of the BBC Radiophonic Workshop» é um trabalho decisivo para se compreender melhor o alcance e o verdadeiro peso da obra dos músicos que trabalhavam no edifício de Maida Vale e que aproveitaram as direcções apontadas pela escola francesa de música concreta para criarem algo de profundamente único e distinto. Niebur é um académico, que lecciona musicologia em Reno, na Universidade de Nevada, nos Estados Unidos, mas Special Sound apresenta, entre variadíssimas outras virtudes, um retrato nítido e compreensível mesmo por quem não possui uma bagagem teórica mais volumosa.
Nas páginas de Electric Eden,outro livro fundamental na construção de um mapa do pensamento musical britânico, Rob Young traça o percurso da construção de uma identidade musical inglesa, evocando os exemplos e as obras de pioneiros como Vaughan Williams, compositor que informou a sua obra com um estudo atento dos modos folclóricos que foi coleccionando ao longo da sua vida. De forma idêntica, o esforço dos criadores do Radiophonic Workshop parece ter sido apontado à construção de pilares sólidos de uma experiência que alinhasse a Grã-Bretanha com outros pólos criativos desta nova realidade electrónica – como o eram Paris, Colónia ou Nova Iorque – mas que ao mesmo tempo apresentasse uma abordagem distinta, que bebesse nas singulares circunstâncias do país que deu ao mundo a BBC. Ao contrário desses outros exemplos, onde as explorações musicais electrónicas estavam no essencial ligadas à academia, o Radiophonic Workshop acabou por se implementar por vontade presciente de Donald McWhinnie, um produtor do departamento teatral da BBC que percebeu o alcance artístico das experiências musicais mais avançadas realizadas sobretudo com a manipulação de sons concretos em fita magnética e que sobre isso escreveu em 1959 no livro The Art of Radio, uma das fontes citadas por Louis Niebur.
Através da leitura de Special Sound emerge uma imagem muito mais clara das experiências conduzidas por mentes visionárias como as já citadas Daphne Oram e Delia Derbyshire ou ainda Maddalena Fagandini, Brian Hodgson ou John Baker. Niebur é metódico e profundo na construção desse retrato. Mas o professor de musicologia vai mais longe e investiga as raízes do próprio Radiophonic Workshop que remontam ao princípio dos anos 50, erguendo assim um quadro muito nítido do contexto específico que gerou este laboratório. O acesso privilegiado aos arquivos e documentos do Radiophonic Workshop e a análise de trabalhos específicos permite entender a real dimensão do legado do Radiophonic Workshop que assim, depois de inspirar músicos contemporâneos, de servir de bússola estética para editoras que investigam a identidade electrónica do Reino Unido, de inspirar documentários e até exposições, sustenta agora uma abordagem que apesar de académica consegue não ser hermética. É um livro absolutamente fascinante, vivamente recomendado para todos os que apreciam o pulsar particular das criações do Radiophonic Workshop. São palavras que dão um sentido mais claro, mais profundo e ainda mais fascinante ao som único gerado por este laboratório.
Links úteis:
http://en.wikipedia.org/wiki/Radiophonic_Workshop
www.youtube.com/watch?v=cKPGzX5kZd0
http://sciencemuseumdiscovery.com/blogs/insight/oramics-to-electronica/