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FRIDA KAHLO DECLAROU UMA VEZ: “EU ODEIO O SURREALISMO. É UMA MANIFESTAÇÃO DECADENTE DA ARTE BURGUESA”

2024-05-15




O estatuto de Frida Kahlo como surrealista tem sido debatido há anos, mas a própria Kahlo disse: “Nunca soube que era surrealista até que André Breton veio ao México e me disse que sim”. Breton – um poeta francês e fundador do surrealismo – visitou a artista durante a sua viagem de quatro meses ao México em 1938 e convidou-a para expor em Paris em 1939, descrevendo o seu trabalho como “uma fita em torno de uma bomba”. Mas a impressão de Kahlo sobre os surrealistas franceses, sobre os quais escreveu numa carta ao fotógrafo americano (e seu amante) Nickolas Muray, foi, bem, menos positiva.

“Eles são tão “intelectuais” e podres que não aguento mais”, escreveu ela a Muray em fevereiro de 1939. “Prefiro sentar-me no chão do mercado de Toluca a vender tortilhas, do que ter qualquer coisa para fazer com aquelas vadias ‘artísticas’ de Paris.”

Qual foi a ofensa deles? Kahlo continuou: “Eles sentam-se durante horas nos 'cafés' aquecendo os seus preciosos traseiros, e falam sem parar sobre 'cultura', 'arte’, revolução’, e assim por diante, a pensarem-se os deuses do mundo, a envenenarem o ar com teorias e teorias que nunca se concretizam… Merda e só merda é o que são.”

A convite de Breton, Kahlo mostrou duas pinturas em “Méxique”, uma exposição de obras de artistas mexicanos, mas ficou desapontada ao descobrir que a mostra estava mal organizada. Ainda mais flagrante para Kahlo, encontrou o seu trabalho, incluindo o autorretrato de 1938, “The Frame”, exibido entre “bugigangas mexicanas”. Frida lamentou numa carta de março de 1939: “As minhas pinturas esperavam por mim silenciosamente na alfândega porque Breton nem as havia recolhido. Você não tem a menor ideia de que tipo de velha barata é Breton, com quase todos os do grupo surrealista.” (Kahlo, no entanto, gostava de Marcel Duchamp, em cuja casa ela ficou durante a sua estada em Paris; ela chamou-o de “o único dos artistas e pintores daqui que tem os pés no chão e o cérebro no lugar certo”. )

Ainda assim, a sua relação com os surrealistas perdurou, pelo menos por algum tempo. As suas outras obras, “As Duas Fridas” (1939) e “A Mesa Ferida” (1940), foram incluídas na Exposição Internacional de Surrealismo de Breton, em 1940, na Cidade do México.

Numa carta posterior a Muray, ela escreveu: “Eles pensavam que eu era surrealista, mas não era. Nunca pintei sonhos. Eu pintei a minha própria realidade.” Os sonhos estavam no centro da missão do surrealista: em 1924, Breton publicou o Manifesto do Surrealismo, no qual imaginava uma combinação de “dois estados, sonho e realidade, que são aparentemente tão contraditórios, numa espécie de realidade absoluta, uma surrealidade.” O uso do automatismo e a extração de imagens supostamente aleatórias do inconsciente foram partes fundamentais da metodologia surrealista. Mas onde os surrealistas abandonaram o controlo racional das suas pinturas e símbolos, as obras de arte de Kahlo foram intencionalmente compostas em narrativas sobre a sua vida consciente. A franqueza política também foi desencorajada dentro do movimento surrealista francês – Salvador Dalí foi expulso do grupo em 1939, em parte devido ao seu apoio declarado ao autoritarismo – e o trabalho de Kahlo foi profundamente político, carregado de mensagens socialistas explícitas, como em “O marxismo dará saúde aos doentes”. (1954).

Muitas biografias da artista referem-na como uma das figuras mais significativas do Surrealismo. Mas pelas suas críticas francas ao movimento, Kahlo declarou uma vez: “Eu odeio o surrealismo. É uma manifestação decadente da arte burguesa” – é bastante claro que ela não se contava entre eles.


Fonte: Artnet News