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PATRIMÓNIO CULTURAL E OS MUSEUS: VISÃO ESTRATÉGICA | PARTE 1: O PASSADO/PRESENTE![]() LUÍS RAPOSO2015-06-17![]()
-Abandono das antigas categorias mentais de “património artístico da nação”, “monumentos pátrios” ou “folclore” e criação do próprio conceito de património cultural; -Dinamização da participação dos cidadãos, que se tornou central na caracterização da democracia emergente de Abril; neste âmbito deve salientar-se a importância do movimento associativo: Associações de Defesa do Património, vulgo ADPs (expressamente reconhecidas e incentivadas na “Lei de Bases do Património Cultural Português”, de 1985, aprovada por unanimidade no Parlamento) (cf. L. Raposo (2014) – "O papel do associativismo na construção de uma política democrática de museus"); -Extinção dos organismos herdados do Estado Novo (nomeadamente a Junta nacional de Educação, em 1977); -Criação de organismos de consulta representativos e dominados por membros independentes, quer dizer, não vinculados à hierarquia do aparelho de Estado de tutela (ex: Comissão ad-hoc de Arqueologia, em 1977).
-Criação de um Conselho Nacional da Cultura que, em plenário, pouco passa de fórum de teatralidade político-mundana e, em secções técnicas, não apresenta nenhum tipo de racionalidade, já que em algumas delas se mantém os princípios democráticos da representação maioritária de membros não dependentes nem nomeados pelas tutelas político-administrativas do Estado (caso do Cinema), mas outras são dominadas por “gente da casa” (sendo a do património arquitectónco e arqueológico a mais aberrante neste sentido) ((cf. L. Raposo (2013) – “Retórica e realidade: a governamentalização do Conselho Nacional de Cultura”, Público, 20.11.2013); -Aumento dos entraves à fruição cidadã do património e dos museus (ex: aumento dos bilhetes e redução das gratuitidades, quanto a horário e quanto a idade – de 14 para 12 anos); -Desconsideração e mesmo hostilização ostensiva do contributo do movimento associativo do património cultural e dos museus, não obstante os esforços do mesmo para promover a reflexão cidadã nestes domínios.
-Afirmação sócio-profissional e institucional das Humanidades (História da Arte, Arqueologia, Museologia), conduzindo à criação da Secretaria de Estado da Cultura e mais tarde do Ministério da Cultura, ficando as Obras Publicas (mais concretamente a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, DGEMN) cada vez mais acantonadas na mera gestão de obras em edifícios de propriedade estatal; -Aumento exponencial do aparelho de Estado na área da Cultura: IPPC (1980), com sucessivo reforço do centralismo administrativo (excepto no caso da Arqueologia, em que se mantiveram Serviços Regionais até mais tarde); à generosa ideia de uma “visão holística” do património, ínsita no conceito inicial de IPPC, ou até antes, num planeado Instituto de Salvaguarda do Património Cultural e Natural (que nunca viu a luz do dia), sucedeu a prática de um “monstro administrativo” ou “verdadeira vaca sagrada dos anos 80”, como lhe cheguei a chamar (cf. L. Raposo, “A estrutura administrativa do Estado e o património cultural”, Vértice, nº 54, pp. 38-45, Maio-Junho de 1993).
-A implosão do IPPC e criação de sucessivos organismos de tutela (Institutos públicos): 1985: Bibliotecas e Arquivos; (1989: extinção do Departamento de Etnologia); 1991: Instituto Português de Museus (IPM); 1997: Instituto Português de Arqueologia (IPA); 1999: Instituto Português de Conservação e Restauro (IPCR); subsistiu no núcleo original apenas a arquitectura, dando origem ao Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) -O reforço ainda maior do centralismo (mesmo quando “travestido” sob a forma de serviços desconcentrados) e o grande aumento da máquina administrativa do Estado, tanto a nível central como a nível regional (duplicação ou até multiplicação de meios; sobreposição de competências); esta evolução atingiu o paroxismo na legislatura que agora acaba, na qual se concretizou o modelo administrativo que tinha sido idealizado na precedente (haja em vista que o SEC do Governo de Sócrates mereceu a confiança política do SEC do Governo de Coelho, que dele fez Director-Geral destes sectores). -A criação do IGESPAR, em 2006 (resultante da fusão de IPA, IPPAR E DGEMN); a criação das Direcções Regionais de Cultura (DRCs), com amplas competências (toda a Cultura); -A criação da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), em 2012; a reconfiguração das DRCs, limitando-as quase exclusivamente aos domínios do património cultural e dos museus; -A acentuada perda de autonomia estratégica dos museus: extinção de quadros de pessoal e orçamentos próprios, redução da capacidade de iniciativa (impossibilidade de protagonizar autonomamente projectos de parceria, nacionais e internacionais, com as óbvias consequências devastadoras na oportunidade de arrecadação de receitas as mais variadas, sobremaneira as dos fundos europeus) e de contratualização (de que é exemplo extremo a própria perda de NIB próprio).
[Este texto é a primeira parte do artigo Património Cultural e os Museus: visão estratégica. A segunda parte será publicada a 29 de Junho de 2015]
Luís Raposo |