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DAVID CLAERBOUT. PERSISTÊNCIA DO TEMPO![]() SUSANA MOUZINHO2010-02-15![]() O artista David Claerbout, actualmente com uma exposição no Museu do Chiado - Museu Nacional de Arte Contemporânea, integrada no festival Temps D’Images, tem vindo a trabalhar as confluências, ou as coexistências, do cinema e da fotografia a partir, principalmente, de um suporte digital. Esta prática, além de apontar uma alternativa ao nível da produção da imagem-movimento, permite ao artista unir dois regimes de percepção distintos numa mesma superfície vídeo que ao cruzar o fixo com o movimento cria uma stasis dinâmica que solicita o espectador. Configura-se na obra de David Claerbout não só um determinado regime de criação da imagem no tempo como um regime de percepção dessa mesma imagem. A visão, a recepção destas obras exige que esta seja temporal, dinâmica e compósita. Jonathan Crary refere-se a este novo regime de percepção nos seguintes termos: ‘It is a subject competent to be both a consumer of and an agent in the synthesis of a proliferating diversity of “reality effects”, and a subject who will become the object of all the proliferating demands and enticements of technological culture in the twentieth century.’ (1) Algumas peças interactivas, como “Rocking Chair” (2003), criam uma relação entre o campo e o contra-campo da imagem, no tempo e no movimento que o espectador faz ao contornar a peça e o tornam parte integrante de um diálogo com a figura sentada que parece voltar-se ao reconhecer a presença do espectador. Aquilo que era da ordem do não-evento, fixo no tempo, transforma-se numa imagem-movimento literalmente criada pelo espectador. A tecnologia digital tem facilitado um deslocamento das práticas fotográficas e cinematográficas no sentido da indecibilidade, de um reposicionamento face ao tempo (o corte no tempo operado pela fotografia e a ‘progressão temporal’ dos 24 frames por segundo do cinema), sendo actualmente comuns os trabalhos de artistas que, partindo de uma ideia de cinema ou de fotografia, os pensam numa lógica potencialmente inversa, fazendo suceder fotografias, desta forma ‘animando-as’, ou desacelerando o movimento em filme de tal forma que nos remetemos facilmente para a fixidez da fotografia. David Claerbout também trabalha estas questões da fixidez que poderíamos apelidar de ambígua, de uma imagem fixa dinâmica, ao criar obras – eventos que, a partir de várias estratégias de mobilização da imagem, lhe permitem agenciar uma nova maneira de percepcionar os tempos do cinema e da fotografia. Não será assim casual o uso de elementos como a variação da luz ao longo de um dia, em peças como “White House” (2006) ou “Bordeaux Piece” (2004) (esta última patente no Museu do Chiado), onde se verifica a criação de uma dupla temporalidade - a da acção representada e a do dia que avança. Sendo que as cenas se repetem a intervalos precisos (a mesma ‘história’, em longos planos, filmada ao longo de um dia, sucessivamente, e que se repete incessantemente pela totalidade da peça), a única diferença percepcionável é a da variação da luz. Isto permite ao artista jogar com dois tempos, o cronológico e o diegético, criando assim uma espécie de dupla dimensão temporal que traz a primeiro plano a luz, relegando para um segundo plano a duração fílmica da história, ou como pretende Claerbout, um cinema do conceito, distinto do cinema ‘da lente’, ou do ‘drama’. Paralelamente, David Claerbout cria em trabalhos como “Kindergarten Antonio Sant’Elia 1932” (1998), ou “Vietnam, 1967, near Duc Pho (reconstruction after Hiromichi Mine)” (2001), fotografias onde pequenas secções das mesmas são animadas (o gentil abanar das folhas das árvores ou a subtil mudança das nuvens na paisagem), um presente perpétuo da fotografia que, ao deixar de ser completamente estática, fixa, ultrapassa já o passado, transcende-o, trazendo à consciência a duração de um tempo (talvez ‘cinemático’), que passa. Entre o movimento e a fixidez, estas imagens operam, através da sua composição digital, e do paradoxo da sua concomitância, a criação de uma temporalidade entre o fixo e o não fixo, o antes e o depois, entre o tempo e o movimento. O referente já não é indicial, mas antes invoca uma verdadeira imagem-tempo. No seguimento destas preocupações conceptuais, o artista criou peças fotográficas que, por mostrarem uma mesma cena de centenas de pontos de vista diferentes, sucessivamente, remetem mais uma vez para um horizonte diegético que parece estar sempre presente no trabalho do artista mas criam, de forma significativa, uma acentuada tensão entre o fixo e o movimento, um passado fotográfico e a sua presentificação em forma de acontecimento que subjectivamente nos faz sentir a passagem do tempo. Os vários pontos de vista dão-nos a ver em sequência um simultâneo, uma mesma cena. Assim, “Sections of a Happy Moment” (2007), ou “Arena” (2007), representam um determinado acontecimento (em ambos os casos um jogo com uma bola, num momento de suspensão da mesma no ar), num permanente fluxo temporal, uma durée que interliga os instantes do passado e do presente, de forma bergsoniana. A suspensão na imagem e da imagem, de um único acontecimento apresentado sequencialmente cria um tempo que escamoteia o antes e o depois e que se apresenta num permanente devir, sem princípio nem fim. Ou como bem explica o próprio David Claerbout: “All for the sake of finding a moment that will evolve on itself while being suspended in time.” (2) Susana Mouzinho NOTAS (1) Jonathan Crary, Suspensions of Perception: Attention, Spectacle and Modern Culture Cambridge, Massachusetts, MIT Press, 1999, p. 148. (2) In David Green, Joanna Lowry, Visible Time: The work of David Claerbout, Brighton: Photoworks, 2004. ∗ DAVID CLAERBOUT, Festival Temps D\'Images 2009 Museu do Chiado 13.11.2009 - 07.03.2010 |