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PERSPETIVA ATUAL


dOCUMENTA 13. Museum Fridericianum 2012. Fotografia: Nils Klinger. Cortesia: dOCUMENTA 13


Janet Cardiff e George Bures Miller, Alter Banhof Video Walk, 2012


Rabih Mroué, The Pixalated Revolution, 2012. Fotografia: Henrik Stromberg


Ryan Gander, I Need Some Meaning I Can Memorize (The Invisible Pull), 2012. Fotografia: Nils Klinger


Willie Doherty, Secretion (2012). Fotografia: Krzysztof Zielinski


Walid Raad, Scratching on Things I Could Disavow: A History of Art in the Arab World


Cevdet Erek, Room of Rythms, 2012. Fotografia: Nils Klinger


Gerard Byrne, A Man and A Woman Make Love, 2012. Fotografia: Nils Klinger


The Brain. Fotografia: Roman Maerz


Hauptbanhof

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dOCUMENTA 13
9 de Junho a 16 de Setembro

Fridericianum Museum, Neue Galerie, Hauptbanhof, Documenta-Halle, Orangerie, Ottoneum, Karlsaue Park, Gloria Kino e outros espaços de Kassel, Alexandria, Cairo, Banff e Kabul



A dOCUMENTA nasce em 1955 como um evento paralelo da feira de horticultura de Kassel. À época a exposição servia principalmente para acolher as vertentes artísticas excluídas pelo regime nacional-socialista, que as denominava de práticas degeneradas. A cidade, tal como o resto do território alemão, é destruída quase por completo durante a Segunda Guerra Mundial, e a sua configuração atual é consequência direta do conflito: Kassel sofre um processo extenso de reconstrução durante a década de 50 e 60. A dOCUMENTA faz parte desse movimento concreto e simbólico de renovação e apresenta, na sua décima terceira edição, diversos trabalhos que questionam esse período.

A Hauptbanhof, estação central de comboios e um dos espaços expositivos da mostra, pode ser considerada a porta de entrada da cidade. Embora tenha mantido o nome, atualmente a maior parte do tráfico ferroviário de Kassel passa por Wilhelmshöhe, um novo interface moderno, que funciona como o verdadeiro centro de transportes da cidade desde 1991, um ano depois da reunificação do país. Os ecos históricos parecem multiplicar-se pela cidade cuja transformação urbana não terminou com o final do frenesim do pós-guerra, resultante do boom económico. A Hauptbanhof é talvez o ponto de ligação mais direto, em termos dos espaços utilizados, entre a história recente alemã e a dOCUMENTA, que renova a utilização pública da estação e adiciona uma nova camada à sua herança simbólica.

Alter Banhof Video Walk (2012) de Janet Cardiff e George Bures Miller é um trabalho paradigmático no que se refere a esse relacionamento com a história mas também em termos da linha curatorial de toda a exposição. O trabalho propõe um percurso por diferentes espaços da estação que é direcionado e comentado por um vídeo reproduzido num iphone. Durante 30 minutos, o visitante observa o que o rodeia através da sua própria visão e das representações mediadas do aparelho. Esta tipologia de recepção, conhecida como cinema físico, liberta e sobrepõe diversas temporalidades ao longo dos seus 30 minutos de duração e questiona situações e eventos enquanto o visitante se encontra no espaço concreto onde estes aconteceram e acontecem. O visitante, por exemplo, toma conhecimento da utilização da plataforma 13 como o ponto de partida de judeus em direção a campos de concentração como Auschwitz ou Terezin (Theresienstadt), enquanto caminha por esse mesmo espaço.

Outros trabalhos que investigam a herança histórica de Kassel, e em particular da Segunda Guerra Mundial, incluem a instalação vídeo de Clemens von Wedemeyer, Muster (2012) e a instalação sonora de Susan Philipsz. Em Muster, Wedemeyer reflete sobre a evolução do convento beneditino de Breitnau, situado perto de Kassel. Durante os últimos 150 anos o convento passou por diferentes etapas arquitetónicas e institucionais, tendo sido utilizado, entre outras funções, como campo de concentração durante a guerra e reformatório feminino no período pós-guerra, sendo hoje uma clínica psiquiátrica. A instalação sonora de Philipsz (vencedora do prémio Turner em 2010), decompõe a peça Study for Strings (1943) de Pavel Haas em sete altifalantes no final de uma das plataformas de comboio. Haas compôs este trabalho no campo de concentração de Terezin no verão de 1943 para onde tinha sido deportado, acabando por morrer em Auschwitz no ano seguinte.

O conflito, ou a guerra, é um dos temas mais presentes da dOCUMENTA e aparece em diversos trabalhos exibidos na Hauptbanhof. The Pixalated Revolution (2012) de Rabih Mroué é uma instalação multimédia que analisa a revolução Síria a partir da relação entre a testemunha ocular, e, simultaneamente, produtor de documento, com o espectador mediático cibernético. For the Sea (2012) de Christodoulous Panayiotou, revisita a divisão política do Chipre e a construção do país, utilizando elementos como a história de eletrificação da ilha, o mar, e o período de domínio britânico.

Para além da análise de conflitos específicos existe ainda uma outra topologia de investigação que prefere uma reflexão mais abstrata e fluida. 30 Degree Angle (2012) de Bani Abini, Secretion (2012) de Willie Doherty ou The Refusal of Time (2012) de William Kentridge, são exemplos de trabalhos exibidos no complexo da estação que interrogam situações mais genéricas mas igualmente conflituosas como a política, a ecologia, e a sistematização do tempo privado, respetivamente. O misterioso museu imaginário proposto por Haris Epaminonda e Daniel Gustav Cramer, exibidos recentemente na Kunsthalle Lissabon, constitui, tal como Alter Banhof Video Walk, um outro exemplo paradigmático da linha curatorial da dOCUMENTA. Nas suas apresentações coletivas os artistas criam um diálogo solto entre os seus trabalhos, que questiona de forma sugestiva diferentes modalidades de percepção, aliadas a um entendimento do espaço e do tempo como entidades maleáveis e imperscrutáveis de forma puramente racional.

Embora se encontrem linhas comuns entre alguns trabalhos, não existe, de facto, um centro único que agrupe todas as propostas. A Hauptbanhof constitui uma rede de diferentes aglomerados que contribuem para a produção de diálogos multidirecionais e paralelos. O grupo expositivo da estação serve como amostra da proposta curatorial da dOCUMENTA, que, de igual modo, não apresenta um tema transversal. A linha escolhida pela equipa de Carolyn Christov-Bakargiev refutou a utilização de um conceito chave que direcione a interpretação dos trabalhos incluídos nesta edição, preferindo referir quatro posições centrais que correspondem também aos quatro espaços onde a exposição acontece: under siege (sob cerco), Kabul; on retreat (em retirada, em descanso), Banff; in a state of hope (num estado de esperança) Alexandria/Cairo; e on stage (no palco), Kassel.

A curadora assinala que estes quatro estados não incorporam a totalidade das questões apresentadas na exposição, e adiciona a influência da cultura digital, a sua velocidade, simultaneidade, fraco coeficiente de atenção, e a ideia de rede, como outros pontos de referência na construção da dOCUMENTA 13. Numa entrevista ao suplemento cultural do El Mundo (El Cultural), Christov-Bakargiev assinala ainda o seu interesse na materialidade e na localização dos trabalhos, caraterísticas que aqui não funcionam como sinónimo de site specific mas do que a curadora chama de dis-placedness, uma relação com o contexto que se distingue de uma universalidade monolítica ao adotar um posicionamento simultaneamente local e global em permanente negociação. A sua perspectiva fenomenológica, distingue-se do projeto de Okwui Enwezor, curador da edição 11 da dOCUMENTA, marcada pela ideia de alteridade, e constitui outra forma de combater um conceito único. Christov-Bakargiev considera ser mais interessante analisar os pontos comuns, os vínculos entre diferentes disciplinas, e só posteriormente e, a partir desses elementos partilhados, investigar o que é diferente.

Tal como a Hauptbanhof, Alter Banhof Video Walk de Cardiff e Miller, ou o museu imaginário de Epaminonda e Cramer, o cérebro da exposição, The Brain como é chamada por Christov-Bakargiev a rotunda central no rés-do-chão do museu Fridericianum, é um conjunto eclético onde se desenham diferentes tipos de relações e onde se sobrepõem diversas modalidades temporais, espaciais, formais e simbólicas. O cérebro constitui um espaço onírico e programático que substitui o tema único, apresentando elementos que assinalam condições contraditórias e diferentes tipos de compromisso no relacionamento com o mundo. O cérebro funciona como a parte consciente da dOCUMENTA e o mosteiro de Breitnau, que todos os artistas visitam à chegada a Kassel, como a sua dimensão inconsciente, reprimida.

Este espaço central, rotunda-aquário, inclui cerca de 30 objetos que vão desde a arqueologia informática, um computador macintosh anacrónico que, paradoxalmente, mostra um vídeo dos acontecimentos da revolução egípcia na praça Tahir a 25 de Janeiro de 2011, auto-retratos de Lee Miller na banheira do apartamento de Hitler em 1945, objetos do Museu Nacional de Beirute danificados durante a guerra civil do Líbano (1975-90), um frágil filme de Tamara Henderson Sloshed Ballot & Anonymous Loan (2011), objetos de Giorgio Morandi, peças em cerâmica de Juana Marta Rodas e Julia Isidrez, ou as esculturas das princesas Bactrian originárias da Ásia Central (cerca de 2000 milénio a.C.). Este conjunto finito de objetos, materiais e temporalidades, condensa a explosão temática da exposição e produz uma hipotética infinidade de interpretações e diálogos, onde se cruzam ideias relacionadas com a materialidade, o trauma e a história. No mesmo andar, o visitante é confrontado com uma dimensão diferente da mostra, menos relacionada com o objeto, onde se inclui trabalhos como I Need Some Meaning I Can Memorize (The Invisible Pull) (2012) de Ryan Gander, uma leve brisa que percorre todo o rés-do-chão do museu, ou a instalação sonora de Ceal Floyer ‘Til I get it right (amended) (2012), um loop que transforma a frase “I’ll just keep on / ‘Til I get it right” num misto de esperança e pessimismo. Antes de se entrar no edifício, o visitante encontra ainda a versão Ocuppy da dOCUMENTA, a dOcuppy, e um trabalho não previsto originalmente na exposição que cobre de tendas brancas o espaço deixado livre pelo movimento de ocupação internacional.

É este interesse em perspectivas diferentes e, por vezes, opostas, que permite à dOCUMENTA 13 agrupar trabalhos como a emotiva performance de Tino Sehgal This Variation (2012), o magnifico conjunto de peças de Walid Raad, a ilusão óptica de Anri Sala Clocked Perspective (2012), a perturbadora peça sonora de Cevdet Erek, Room of Rythms (2012), instalada no topo da loja C&A, ou a instalação vídeo A Man and A Woman Make Love (2012) de Gerard Byrne, que inaugura uma exposição no CAM da Fundação Calouste Gulbenkian, a 21 de Setembro incluída no festival Temps d’Images. Talvez a sua própria fragmentação seja o único tema unificador da dOCUMENTA 13: a recusa da equipa curatorial em utilizar um tema e a forma como a exposição se dispersa temática e geograficamente pela cidade, seria uma caraterística enfatizada pela utilização massiva do jardim, um fato inédito na história da mostra. De igual modo, as suas outras encarnações em Alexandria/Cairo, Banff e Kabul, reforçam esta disseminação e produzem uma proposta impossível de acompanhar na sua totalidade. Este passo ambicioso, é também uma posição de humildade, um reconhecimento da impossibilidade de reduzir a produção artística a uma ideia única e portanto um admitir dos próprios limites da exposição, constituindo, em simultâneo, uma maneira de restringir a experiência do visitante. Esta amplitude excessiva da dOCUMENTA questiona a (falsa) possibilidade de conhecimento e opõe a urgência da presença física em relação aos seus sucedâneos virtuais, constituindo uma critica relevante da cultura contemporânea.


João Laia