PEDRO VALDEZ CARDOSODryA MONTANHA Rua Lucinda Simões 2 20 MAR - 29 MAR 2020 Exposição na montra da galeria de 20 a 29 de Março Dry de Pedro Valdez Cardoso, uma instalação de montra que poderá ser vista da rua de 20 a 29 de Março, e a última exposição na galeria A Montanha. "Será possível escrever sobre arte neste presente? Há três dias a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o surto do COVID-19 como uma pandemia. Cada país está a passar por esta crise de forma diferente, alguns com mais sorte, recursos, e melhor liderança do que outros. Em Portugal, entre muitas outras coisas, as escolas fecharam, assim como espaços culturais. Os apelos a se ficar em casa são acompanhados por mensagens positivas sobre os livros que podemos ler, os filmes que podemos ver, as coisas novas que podemos aprender, em termos práticos e, mais fundamentalmente, sobre nós próprios. Por quanto seja grave a situação, e portanto importantes estes apelos, não impedem de refletir uma certa mentalidade de rebanho, que incomoda, mesmo querendo atender à nossa seriedade e à nossa natureza melhor, e, portanto, bem-vindos são também às críticas enfurecidas feitas à situação e ao sistema e os memes de mão gosto. Mas quem sabe a realidade da situação são os que estão nos hospitais, profissionais e pacientes, e, não estando lá, será difícil pormo-nos no lugar deles, e portanto, do isolamento e do conforto das nossas casas, tentamos ser o mais sérios e o mais responsáveis possível - coisa que, em situações normais raramente sabemos ser -, a maior parte de nós nunca tendo estado numa situação parecida. E, portanto, será possível pensar e escrever sobre arte num presente como este? Já foi feito em presentes bem piores. A exposição Dry é um projeto que Pedro Valdez Cardoso tem pensado há já algum tempo, e, numa fortuita coincidência (que talvez não é assim tanto coincidência) vai acontecer como última exposição n’A Montanha. Uma exposição de montra, e portanto à porta fechada, em Dry, Pedro irá apresentar, durante 10 dias, uma peça que pode ser vista de fora. Esta peça é uma escultura que simula uma planta seca, fantasmática e melancólica, com vestígios da presença humana na Terra, numa garrafa de plástico vazia, numa galocha de borracha, e num osso (duma perna ou dum braço, talvez). Nas palavras do artista a obra “vive desta ideia maior de que tudo o que existe no mundo, visível e invisível, necessita de ser “alimentado”’. Em termos globais, Valdez Cardoso está a projetar-nos uma combinação de futuro e presente, e, talvez, assim como as várias interpretações mediáticas desta crise que estamos a viver neste momento, precisamos desta visão à nossa medida (uma espécie de sinédoque) para sermos capazes de verdadeiramente entender a situação (“to get our heads around it” como diriam os anglófonos). E, no seu pequeno, todas as partes desta obra de alguma forma apontam para uma dimensão maior, e portanto para grandes ideias no nosso presente. A planta sintética imita uma variedade das que se encontram muito em ambientes domésticos urbanos e que lembram plantas tropicais, quando hoje em dia poucos de nós vive em contacto directo com a verdadeira natureza, selvagem; a garrafa de água vazia também reflete a ubiquidade do plástico e o facto que o nosso acesso a um dos elementos mais básicos e mais fundamentais à vida é feito sempre de forma mediada, e não diretamente à fonte (a ironia de utilizar uma garrafa de plástico para simbolizar a seca); a galocha é o calçado dos agricultores e de alguns aventureiros, e, literalmente, uma pegada, que nos lembra também que a maior parte da natureza que agora nos circunda foi, de alguma forma, influenciada pelo humano, o osso agarrado ao galho da planta funcionando como um enxerto, para este mundo que criámos. Mas nesta crítica alargada do artista há também o que há sempre no trabalho de Valdez Cardoso, nomeadamente sensualidade e emoção. Além da melancolia já mencionada, da tristeza de algo arruinado e desperdiçado, da combinação de elementos que uma vez apontavam para a vida com aqueles que só fazem lembrar lixo, parece também haver algo de mais radical, uma espécie de ecossexualidade e uma ecophilia, um amor à natureza e um forte desejo de verdadeiramente voltar a juntar-se a ela: nesta obra, os elementos “naturais” e os vestígios humanos de alguma forma inserem-se uns nos outros, passando a fazer parte de um todo. No entanto, também parece que esta ecossexualidade foi consumada e já está gasta - porque tão forte e tão desejosa de devir pela dominação -, e que, com esta naturofagia irreprimível, acabámos por nos comermos a nós próprios, qual ouroboros. Na origem da melancolia está o sentimento de que o que era bom já passou, ou que o melhor já foi. Será este o caso, e nem demos por ele, ou quisemos sempre mais? Como indicado acima, o artista concebeu esta obra num presente algo diferente deste que vivemos hoje. Acontece muito de assustador nestes dias, sendo uma das coisas mais assustadoras o não saber quanto este presente vai prolongar-se, quanto vai piorar, e em que condições estaremos quando passarmos para o futuro. O fatalismo anterior transformou-se numa outra realidade mais imediata, e a nossa condição parece ter-se coagulado à nossa volta. Alguns perigos mantêm-se mas o que mudou, de alguma forma, foi a vista para o horizonte: abateu-se uma bruma, e agora, antes de mais, precisamos de passar por ela. Será que esta planta ainda pode ser alimentada? Se a limparmos? Se a regarmos? Ela está aqui à mão, à nossa medida." Eva Oddo |