COLECTIVAQue horas são que horas, uma galeria de histórias![]() GALERIA MUNICIPAL DO PORTO Palácio de Cristal Rua D. Manuel II 4050-346 PORTO 17 DEZ - 14 FEV 2021 ![]() ![]() Inauguração: 17 de Dezembro Que horas são que horas, uma galeria de histórias CURADORIA: José Maia Paula Parente Pinto Paulo Mendes A exposição Que horas são que horas: uma galeria de histórias parte de um convite da Galeria Municipal do Porto a três curadores para uma reflexão sobre a paisagem histórica das galerias de arte no Porto entre 1945 e 2010. Situada entre a aparente abertura cultural anunciada pelo fim da Segunda Guerra Mundial e a retração do tecido cultural provocada pela mais recente crise económica, esta paisagem forma um panorama diverso de cumplicidades transformadoras entre artistas, agentes culturais e públicos, revelador das muitas faces desta civitas. Em meados dos anos 40, as exposições “independentes” (1943-50) constituíram o primeiro sintoma de uma abertura cultural que se queria plural, consciente e debatida. Foram ações marcadas pela resiliência própria dos recomeços e por uma intervenção cívica e cultural que transformou a comunidade e construiu a cidade, educou públicos e profissionalizou as artes, assentando as fundações da sua futura sustentabilidade económica. Sem qualquer autonomia, sem salas de exposições ou museus, com um público conservador e uma crítica insipiente, as primeiras galerias de arte surgem associadas a livrarias e a casas editoras – foi o caso da Portugália (1945-51) e da Divulgação (1958-67) –, mobilizando uma cultura multidisciplinar e a atenção de uma sociedade ávida de fruição artística. Indissociável da sede de democracia e da busca de uma descentralização cultural que permitisse a independência económica do meio artístico e consolidasse novas cadeias de agentes culturais e locais de livre acesso à cultura, surge a Academia e Galeria Dominguez Alvarez (1954). Este espaço trazia a público o trabalho de jovens artistas juntamente com obras vindas de consagrados ateliers privados. O associativismo artístico, e a defesa coletiva de melhores e mais justas condições de produção, exposição e comercialização, levou à criação de estruturas como a Cooperativa Árvore (1964). A conquista de um espaço coletivo e a constituição de uma rede alargada de contactos permitia organizar colóquios, projetar filmes, instalar oficinas, circular exposições, imprimir catálogos e outros materiais visuais e sobretudo defender o direito de reunião e de animação cultural. Contrariar a “paisagem” a que o centralismo cultural reduziu tudo o que não acontecesse em Lisboa ainda demorou tempo. Só no início de 1969 a exposição portuense dos “4 Vintes” foi notícia na Colóquio: Revista de Artes e Letras, uma publicação que se apresentava como “espelho da sociedade do seu tempo.” A força da organização de base de colectivos de artistas na luta contra a continuada ausência de políticas culturais públicas, teve que esperar pela democracia para se tornar Manifesto, em acções como a “Declaração Aberta de um Grupo de Artistas Democráticos” (20 Maio 1974) ou o “Enterro do Museu Soares dos Reis” promovido pela “Comissão para uma Cultura Dinâmica” (10 Junho 1974). O fermento da contestação dos anos 60 tinha produzido efeitos críticos mais imediatos, como o aparecimento de galerias com propostas autorais, cujo sucesso de mercado reflectiu alguma abertura do meio privado durante a “Primavera Marcelista”: no Porto surgem as galerias Dinastia, Alvarez Dois (1970), Zen (1971), Arte Nova (1971), Abel Salazar (1972), Mini Galeria (1972), Espaço (1973), Paisagem (1973), a Galeria do Jornal de Notícias (1974) e o Centro Difusor de Arte: Módulo (1975), entre outras. Foram anos decisivos para a organização da crítica de arte em Portugal e para a sua difusão na imprensa, mas só a revolução de 1974 conseguiu trazer as galerias e a arte para o confronto com novos públicos e novos espaços cívicos. A livre apresentação de artistas internacionais no país permitiu confrontar uma população isolada e pouco letrada com experiências artísticas mais relacionais, abertas ao debate e à interação no recém-conquistado espaço público. Apresentaram-se novos suportes, tecnologias e performances artísticas que procuraram sair do espaço fechado da galeria e questionar o objecto de arte e o seu mercado. O grupo Alvarez promoveu os Encontros Internacionais de Arte em Portugal e o Centro de Arte Contemporânea, dirigido por Fernando Pernes, apresentou uma programação cultural de arte contemporânea sem precedente no país entre 1976 e 1980. O regresso à pintura dos anos 80 inverteu o modelo precedente, adaptando a arte e o seu mercado à pós-modernidade versão Portugal na CEE, apesar de persistirem galerias com programas mais experimentais, como a Roma e Pavia (1980) e o Espaço Lusitano (1982). É neste momento que surgem as galerias EG (1984), Nasoni e Sala Atlântica (1985), Quadrado Azul (1986), Fluxus (1989), Pedro Oliveira (1990), Fernando Santos (1993) e Presença (1995). O tecido das galerias ganha massa crítica e passa a existir como um circuito cultural, no interior do qual germinam os projectos de afirmação e mudança que se vão autonomizando. Enquanto promotores culturais, as galerias procuram igualmente afirmar valores de mercado para os artistas que representam. Mas a falta de uma política cultural, estratégica, integrada e pública, aliada à privatização do meio condiciona a criação artística, a circulação e a acessibilidade da arte. Dez anos depois, o mercado da arte no Porto reinventa-se como celebração da urbanidade, concentrando a actividade das galerias ao longo da rua Miguel Bombarda. Surgem as galerias Canvas & Companhia (1996), André Viana (1996), Serpente (1998), GLBox (2001), Marta Vidal (2001), Graça Brandão (2002) e a Reflexus / Nuno Centeno (2007), entre muitas outras. Uma rua aparentemente de sentido único e, à imagem das ruas de ofícios, plural mas convergente. A mudança de século e a crise económica obrigaram a uma nova metamorfose, conduzindo ao aparecimento de uma nova rede de lugares alternativos organizadas para resistir à Troika, o que provocou nova mutação nesta paisagem artística urbana. Contra o regime ou com o seu apoio, num vazio institucional ou alimentando museus, isolada ou globalizada, central ou periférica, herdeira de um contexto social conservador isento de discurso crítico e resistente à inscrição de novas gerações de artistas, a paisagem histórica das galerias de arte no Porto é feita de cidadania e comércio, de uma arte não apenas de culto, mas com valor de troca: uma galeria de histórias. ![]() |
