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ARQUIVO:

O seguinte guia de exposições é uma perspectiva prévia compilada pela ARTECAPITAL, antecipando as mostras. Envie-nos informação (Press-Release e imagem) das próximas inaugurações. Seleccionamos três exposições periodicamente, divulgando-as junto dos nossos leitores.

 


PEDRO POUSADA

Alguém, ninguém.




GALERIA PEDRO OLIVEIRA
Calçada de Monchique, 3
4050-393 PORTO

11 NOV - 06 JAN 2023


INAUGURAÇÃO: 11 de Novembro às 16h00 na Galeria Pedro Oliveira, Porto


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O mundo homicida do mundo. Desde que me lembro a televisão ensinou-me que não há lugares seguros. Apenas lugares à espera. Lugares amedrontados com a perspectiva de deixarem de ser. Mesmo os lugares cheios de gordura, anafados, burgueses pressentem a dor. No intervalo da dor telegénica havia desenhos animados aos sábados de manhã e ilusões boas como um cobertor num dia de chuva, uma hora mais a procrastinar depois do alarme tocar, um álbum do Spirou de Franquin lido e relido. Sou um estudioso de imagens sem infinito mas infindáveis (e como esse infindável me faz sentir um anão nos ombros de gigantes, e que bom é sentir isso, sentir a impossibilidade da totalidade, sentir a finitude emancipadora do fragmento). Eu gosto do inacabado, do espreguiçar do gesto, da cegueira do gesto, do gesto cheio de arrependimento que me diz que pouca coisa funciona em arte por improviso -há sempre um plano; mas para fugir da falsa comiseração de que às cinzas regressaremos e para poder escapar dos odores do inefável, no fundo para não ser salvo da opticalidade - se até Monet com cataratas não desistiu...- inclinei-me para aquela arte, a pintura em particular, com um excesso de consciência histórica (mas escolhendo a direção que quero dar a essa consciência); para aquela pintura que tenta, sem sorte, exorcizar as doenças endémicas do homem-lobo, essa criatura perigosa e indestrutível. O eterno Mr. Hyde. Por isso, também, sinto um desencanto, um fracasso pessoal pois a minha pintura queria abraçar (mas não consegue) um outro tipo de pintura, auto-referencial, transhistórica, cósmica mas sem galáxias, uma pintura com espaço-tempo mas sem minutos, e queria dizer-lhe como me fascina o seu macaquear do silêncio, o equívoco do desencontro que ela prolonga; queria saudar como ela consegue ser uma piscina de vazios, mas percebo que o tempo separou-me dela como duas margens de um rio que se observam sem se encontrarem. Como eu admiro o heroísmo lacónico de Robert Ryman, o agonismo de Reinhardt mas ao mesmo tempo respiro de alívio por não conseguir ser assim, por ainda tropeçar nos anacronismos da história da pintura, por ainda querer regressar ao que já foi feito e foi vivido. Sim, já estou com as costas voltadas para a outra margem, já não ouço, tantas vezes, o “tilintar do sino”. A televisão encheu-me de demasiados mortos, de demasiadas cabeças partidas, de demasiadas vozes com medo, com medo do medo, com medo de desobedecer. Como disse Kiefer a paisagem já foi redesenhada pela lagarta dos tanques, já é difícil pintar o seu bucolismo sem pathos, sem horror. Cheguei à conclusão de que a distopia não está na uniformização mas no conformismo. Alguém falou disto quando ninguém queria ouvir: a arte será a anulação do eu, a reinvenção do eu, o eu sem eu, o eu cheio de nós; será o horário das indecências quotidianas, a fisiologia do embriagado; será a lamentação otimista do filósofo, a greve escondida do enfartado, o livre-arbítrio despistado, o lume das nuvens, o roubo das ideias dos outros-para matar a fome como crianças a roubar chocolates no supermercado. Que gulodice, as ideias dos outros. A arte nem devia ser, mas é fascinante como querem que seja.
A grande conclusão é que tudo começa e tudo acaba e no meio a história cortada aos pedaços, surda e com um “h” tísico, fanado, estiolado. Uma história de impotência ou tolamente convicta da sua potência como a bomba que desconhece que vai falhar a sua explosão. E deste lado, do sem infinito infindável da imagem, as minhas pinturas dormem ao relento à espera dos pastores inquietos de Poussin, amealhando para o Carnaval zombie de Ensor, temendo os assassinos e militaristas lânguidos de Grosz ou imaginando a inocência das sifilíticas de Lautrec quando o desamor, o mundo que não sabe amar, ainda não as tinha devorado; esperam também pelo silêncio dos outros. O silêncio basbaque, o silêncio hilário, o silêncio puro ou o outro brutal. Esperam muitos silêncios.

Pedro Pousada