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CHRISTINE HENRY
LIZ VAHIA
Desde 1981 a residir e a trabalhar em Loulé, Christine Henry, nascida no Porto de pais franceses, tem desenvolvido o seu percurso passando pela escultura, instalação, pintura, fotografia e vídeo. A evocação do lugar, a memória dos ambientes, a maneira como os objectos resgatam esses espaços e tempos outros, a continuidade, o espacial e o pessoal evocados num cuidadoso uso dos materiais, são temas que sobressaem no seu trabalho.
Por Liz Vahia
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LV: A Christine nasceu no Porto mas vive há muitos anos em Loulé. Serão ambientes e cenários completamente distintos, aqueles em que se moveu e move agora. Parece-me que os lugares têm uma importância fundacional no seu trabalho. Sobretudo o lugar como espaço do quotidiano e da passagem do tempo. Concorda?
CH: Penso que mesmo com cenários distintos tudo continua intimamente ligado em mim. Assim como o tempo, o lugar pertence ao nosso quotidiano, sendo uma noção mais sentida que compreendida. A emoção vem de uma imersão profunda, e as histórias que conto são acontecimentos de vida que se alumiam umas às outras como fragmentos de um só puzzle. Na exposição “In Situ”, aparece essa conexão entre lugares distantes entre si. Uma articulação entre o prédio onde vivi na baixa do Porto, e a forma como influenciou o lugar onde vivo agora, no sul. Em “The Empty Screen” falo dessa percepção do pensamento fluído como um processo inacabado. Haverá no meu próximo trabalho esse relacionamento entre lugar e tempo, histórico e documental.
LV: Numa entrevista que tive oportunidade de fazer ao Nuno Faria em 2014, ele falou do Algarve como um “território magnético e solar”. Também tem essa percepção?
CH: Naturalmente é um lugar especial, com um céu vazio, imenso, grande aberto e vivo. A essência desta percepção não é uma obra de arte, mas um modo de vida. São as pequenas coisas que o tornam magnético e solar pela sua simplicidade em ser naturalmente como é. A partir daí todas as experiências que vivemos deixam-se trabalhar apoiando-se nas cores de base: o branco, o preto, o azul, o verde, o vermelho, o mar e a terra.
LV: Na exposição que realizou em Loulé em 2015, intitulada “As flores abrem mais depressa ao domingo”, o espaço e o tempo, a casa e a memória, eram temas base para uma exploração material de objectos industriais. A ideia de continuidade estava também muito presente. São temas que estão a emergir agora ou sempre estiveram presentes no seu trabalho?
CH: A noção de interdependência sempre existiu em mim desde muito nova. A ideia de continuidade aparece nesta grande engrenagem sem fim, como mola, na aquisição e na perda de movimento que se transmite também através da memória. Nessa exposição falei da impossibilidade da matéria articulada ser dividida em pontos independentes, assim como é pouco provável formar palavras com letras separadas. Trabalhei com papel industrial em grandes extensões repetitivas, mobiliário usado, estruturas de madeira, esculturas em ferro, e objectos do quotidiano. Usei luz e usei cinzas, nessa noção de princípio e fim ou de eterno recomeço.
LV: O atelier e a casa de habitação misturam-se no seu ritmo de trabalho?
CH: Sim, é igual estar sentada em casa ou num canto do atelier ou em cima do meu tractor. Deixo toda a sensibilidade mover-se em mim e procuro esse reflexo cativo, mas no entanto livre nos seus movimentos. Ser intermediária do que se vê lá fora e que dentro se pretende invisível. Onde as palavras parecem ter sido esquecidas e que a obra nos devolve. Salpicos de vida que ficam em alerta, como quem sai de uma sala deixando todas as luzes acesas.
LV: Disse-me que irá trabalhar para a próxima exposição sobre a colina de Ettersberg, na Alemanha. É mais um lugar com significado na memória de alguém?
CH: Trata-se de uma floresta na Turíngia, um lugar onde Goethe se costumava refugiar para pensar. Tentarei pôr em questão o que está para lá da imagem, e como certos elementos naturais testemunham destes instantes que se interrogam sobre os fenómenos do inaparente. Cada parcela de vegetação parece corresponder a um momento fugaz, onde o efémero oferece os seus recursos inesgotáveis. A floresta de faias, onde os pássaros tinham totalmente desaparecido face ao cheiro do crematório. A exposição “Birds” será uma pequena homenagem a milhares de pessoas que por ali passaram durante a segunda guerra mundial. E a meu pai que foi um sobrevivente de Buckenwald, como prisioneiro da resistência francesa. George Didi-Huberman fala-nos em ser necessário “desarmar e rearmar os olhos simultaneamente perante estes acontecimentos. Perante cada imagem perguntarmo-nos como ela (nos) olha, como ela (nos) pensa, e como ela (nos) toca ao mesmo tempo.” São frágeis estas decisões do olhar, em que no atelier a desorientação se transforma a certa altura numa percepção mais fina de montagem, uma percepção de afinidades.