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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Instalação de três ecrãs em ultra high definition com som sorround 5.1. Cortesia de Isaac Julien e Galeria Helga de Alvear. Fotografia de Stephen White.


Instalação de três ecrãs em ultra high definition com som sorround 5.1. Cortesia de Isaac Julien e Galeria Helga de Alvear. Fotografia de Stephen White.


Instalação de três ecrãs em ultra high definition com som sorround 5.1. Cortesia de Isaac Julien e Galeria Helga de Alvear. Fotografia de Stephen White.


Instalação de três ecrãs em ultra high definition com som sorround 5.1. Cortesia de Isaac Julien e Galeria Helga de Alvear. Fotografia de Stephen White.


Instalação de três ecrãs em ultra high definition com som sorround 5.1. Cortesia de Isaac Julien e Galeria Helga de Alvear. Fotografia de Stephen White.

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ARQUIVO:


ISAAC JULIEN

PLAYTIME




GALERÃA HELGA DE ALVEAR
C/ Doctor Fourquet, 12
28012 Madrid – España

15 JAN - 16 MAR 2015

A AUTOSCOPIA DE ISAAC JULIEN EM PLAYTIME


Um negociante de arte percorre em travelling, e num único take, o espaço de uma galeria. Falando directamente para o espectador, disserta um expressivo monólogo de conteúdo mastigado sobre a relação entre o capitalismo e a arte contemporânea. Quando o discurso termina, a câmara confronta-se consigo mesma: a cena é cortada, a equipa de realização entra no enquadramento e quebra a representação do negociante de arte, interpretado pelo actor James Franco. Playtime (2014), o filme de 70 minutos do artista-cineasta Isaac Julien (Londres, 1960), finaliza assim com o revelar da sua representação (algo já antecipado timidamente pelo olhar para a câmara), ou, podemos acrescentar, com a alusão a todo o carácter ficcional que acompanha as narrativas dissimuladas do capital.

Isaac Julien começou por se notabilizar no cinema no início dos anos 90, tendo vencido o Prémio da Crítica no Festival de Cannes pelo filme Young Soul Rebels (1991). Particularmente na última década, o artista encetou uma exploração sobre o campo da arte através da fotografia e da vídeo-arte, tendo ficado conhecido pelos seus filmes-instalação perfilhados numa acuidade visual. Playtime dá continuidade a outros trabalhos do artista, como Ten Thousand Waves (2010), uma instalação dinâmica e imersiva de nove ecrãs gigantes, apresentada no MoMa em 2010, que relata fragmentariamente imagens oníricas, mitológicas e documentais, alusivas a um naufrágio verídico na Baía de Morecambe (Inglaterra). Na galeria madrilena Helga de Alvear, Playtime assoma acompanhado por Enigma (2013), um filme em loop, criado em time-lapse, que fixa uma visão única sobre a cidade do Dubai, filmada durante 24 horas. Este filme manifesta a constância da pulsão, do bulício e da luz pulsante da maior cidade dos Emirados Árabes Unidos, a partir de um olhar elevado, remetendo para uma visão enigmaticamente omnipotente e divina.

Construído numa estrutura episódica, Playtime convoca três cidades “definidas pela sua relação com o capitalismo”: Londres, uma urbe delimitada pela desregulação bancária; as paisagens lunares de Reykjavik, a capital da Islândia, onde despontou a crise económica em 2008; e, o Dubai, a cidade do Médio Oriente onde está a florescer o novo capitalismo financeiro. O filme, que extravasa os limites entre o documentário e a ficção, apresenta seis personagens – um negociador de arte, um artista, uma empregada de limpeza, um leiloeiro, um gestor de fundos e uma jornalista –, actuando a partir delas sobre os efeitos das politicas neo-liberais, da resiliência do mercado da arte contemporânea e do fluxo global do capital, compondo assim uma possível representação da sociedade capitalista contemporânea.

Playtime estreou numa versão de três minutos em 17 ecrãs publicitários, na Times Square, em Nova Iorque. O filme foi, posteriormente, apresentado em diferentes formatos instalativos, sendo exibido pela primeira vez em três ecrãs na Galeria Helga de Alvear. A característica visualmente distinta desta obra está na utilização de uma multiplicidade de ecrãs – dispositivos acostumados das instalações de vídeo-arte, do cinema expandido e da cultura popular –, que usualmente repartem o todo em partes ou criam um todo a partir das partes. Na Galeria Helga de Alvear, os três ecrãs de Playtime dialogam continuamente entre si, estando dispostos espacialmente numa relação com o espectador que alude acanhadamente à ordenação do tríptico pictórico. A utilização triplica da imagem é diligenciada plasticamente por Julien, que a emprega para representar diversas questões, como por exemplo, quando expõe a mesma imagem nos ecrãs das extremidades, parecendo fechar a instalação para um centro, ou, quando coloca duas imagens lado-a-lado, uma ordenação exemplificada na paradigmática cena em que a empregada de limpeza, reflectindo-se nas janelas com vista sobre o Dubai, conta a história da sua chegada à cidade. Nesta cena, o artista reproduz uma duplicidade imagética, pois embora a imagem seja a mesma nos dois ecrãs, a sua direcção está invertida para uma convergência central, parecendo a uma primeira percepção serem imagens semelhantes, mas distintas. Esta duplicidade é reforçada pelo reflexo do vidro que origina assim múltiplos espelhos duplicados do real. Por outro lado, a utilização dos três ecrãs auxilia na reprodução de uma incessante dimensão de fluxo, movimento e passagem, dimensões reforçados quando exibe, conjuntamente, três imagens díspares sobre a inquietude das cidades.

O filme aduz, assim, a uma explosão de pontos imagéticos, visando uma postura de recepção distinta daquela do cinema clássico. Com a inclusão do ecrã dividido, o cinema exige que o espectador passe a dividir a sua atenção entre as diferentes sub-imagens incluídas dentro de um quadro geral, criando uma interrupção na sua concentração receptiva. A produção de imagens foi, desde a perspectiva renascentista, governada pelo regime do ponto de vista único: um único ponto de fuga para onde todas as linhas convergem. Embora a Arte Moderna tenha corroído o sentido de um ponto exclusivo de vista para representar a realidade, a construção das lentes fotográficas continuou esta tradição. Neste sentido, os ecrãs múltiplos contradizem esta estrutura, oferecendo imagens distintas, mas sincrónicas no mesmo campo de percepção, emancipando assim uma multiplicação de diferentes perspectivas. [1]

Em Language of New Media (2002) [2], Lev Manovich contrapõe precisamente a montagem tradicional de apenas um ecrã unidirecional, a uma nova montagem criada pelos múltiplos ecrãs. O autor afirma que a pluralidade de ecrãs contraria a montagem temporal do cinema, convergindo para uma “montagem espacial”, para uma relação de espacialização entre as imagens. Portanto, contrapõe a lógica de substituição sequencial das imagens do cinema, a uma lógica de justaposição, coexistência e fusão de várias imagens no interior de um mesmo quadro. Desta forma, é possível aportar este tipo de montagem a uma tradição pictórica europeia, onde diferentes obras versavam várias acções e personagens num mesmo quadro, tal como a muito citada Subida ao Calvário (1564) do pintor flamengo Pieter Brueghel, que expressa diversas micro-narrativas dentro da mesma pintura. Isaac Julien enfatiza esta montagem espacial, intensificando a sua moção trans-temporal e carácter não-linear, concebendo uma multiplicidade de micro-relações de espaço e tempo.

Apesar de quebrar a recepção tradicional cinematográfica, o cinema continua a ser a referência de Julien, que se reapropria da sua narrativa nas instalações que concebe. Para além do trabalho realizado com actores conhecidos como James Franco, Maggie Cheung ou Colin Salmon, Playtime inscreve-se, igualmente, no binómio ficção/realidade, partindo de situações reais para ficcionalizar, ou, ficcionalizando o próprio real. Neste contexto, podemos convocar a entrevista feita a Simon de Pury, presidente da leiloeira Phillips de Pury & Company, que apesar de assomar no filme enquanto ele próprio, sobressai pela sua viva encenação, onde parece representar-se a si mesmo. O artista consegue captar perfeitamente a ebulição e consequente depressão antes e após um leilão. E, mais uma vez, tal como na acção do Dubai, este episódio fica marcado pela imagem do leiloeiro dividida pelo seu reflexo, tornando-se um duplo de si mesmo – uma alusão a este carácter encenado, bem como à necessidade em criar duplas personalidades para se adaptar ao mercado capitalista. Assim, Julien reforça a acção performática que está implicada no acto do leiloeiro, enfatizando a força do gesto e a sua dimensão de representação e espectáculo.

Isaac Julien denominou o seu filme-instalação de Playtime referenciando a comédia homónima, de 1967, do realizador Jacques Tati, onde a personagem de Monsieur Hulot trilha uma coreografia episódica pela vivência automatizada e tecnológica de Paris. A obra de Julien inscreve o filme de Tati versando aqueles que transitam acelerados pela celeridade do mundo, mas também pela indução a um jogo constante com a transparência dos edifícios. Assim, numa tentativa de filmar o capital – tal como Serge Eisenstein o havia, malogradamente, intentado em 1928 –, Playtime concebe esta empreitada apelando a comensurações abstractizadas, como a questão do movimento do capital, ou seja, as suas circulações imateriais e impalpáveis, e, como estas influem numa sociedade mediada por esse fluxo incorpóreo, tal como alegoriza visualmente o filme Enigma. A desmaterialização cimenta-se auto-referencialmente no filme, no sentido em que este foi filmado numa câmara de alta definição Steadicam, trabalhando, assim, segundo o artista, sobre um código digital: as imagens filmadas estiverem em frente da câmara, mas são inexistentes, um não-material que é somente activado através de projecções.[3] A tecnologia lustra a natureza enigmática do capital, que se desloca continuamente, ora emergindo ou desaparecendo em segundos.

Portanto, Playtime aborda o capital pela sua invisibilidade e gravitação cinética, convocando-o a partir do seu efeito, escala e ubiquidade. O artista actua sobre as celeridades e desacelerações do capital, pois este adquire o seu valor através da movimentação de múltiplas transacções de mercado. Neste sentido, as personagens são enredadas em diversas intensidades de movimento: o gestor de fundos, o leiloeiro e o negociante de arte estão num estado constante de ansiedade sobre o movimento, enquanto a empregada de limpeza e o artista são o paradigma da ausência deste fluxo. Porém, embora alguns episódios estejam sobre o signo da negatividade, nunca há uma confrontação clara entre o poder económico dos que fazem os mecanismos mover e aqueles que são afectados por eles, esse encontro dá-se somente entre as personagens e o seu espaço envolvente.

Assim, podemos concluir que Playtime presentifica-se na moldura da autoscopia, trata-se de uma auscultação ao eu-mesmo, de uma representação patológica da própria imagem do artista. A apresentação de reflexos e transparências entre o espaço e as personagens, convoca a agudeza de um olhar implicado e comprometido: um olhar para o espelho do próprio artista e da arte onde ele existe. Desta forma, a imagética opulenta do filme, a apresentação em Times Square, a abundância de ecrãs e de materiais interditos para a maioria dos artistas, coloca o espectador numa posição ironicamente dúbia sobre o propósito desta obra que, se por um lado, admite criticar a partir do âmago o próprio sistema artístico capitalista (afinal aqui a arte é apenas citada pelo seu valor económico), por outro lado, sem este mesmo sistema o artista não teria liberdade para apresentar esta obra. Trata-se, assim, de uma relação contraditória, em que a posição de compromisso do artista face ao sistema liga-se ambiguamente a uma tentativa de desincorporação, a de intentar ver o seu próprio corpo do lado de fora deste, sendo porém uma tentativa vã de desprendimento corporal, pois não adquire um ponto de vista demasiado distante e elevado. No entanto, tal como o título da obra sintomatiza, também nesta questão (como na estrutura dos múltiplos ecrãs e do capital), trata-se de um “playtime”, um tempo para jogar – arriscar, vacilar, mover, manipular e, talvez, ganhar.

 

 

Sara Castelo Branco


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NOTAS

[1] Consulta feita em: HAGENER, Malte (2006). “Kaleidoscopic Perception. The Multiplication of Surfaces and Screens in Media and Culture” in Cinema & Cie (coord. Philippe Dubois), n. º 8, Milano, 2006, pp. 37-48.
[2] MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Cambridge, MIT Press, 2001.
[3] ISAAC JULIEN: PLAYTIME: http://www.artandaustralia.com/news/interview/isaac-julien-playtime


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[a autora escreve de acordo com a antiga ortografia]



Sara Castelo Branco