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ANA HATHERLYANA HATHERLY E O BARROCO. NUM JARDIM FEITO DE TINTAFUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN Av. de Berna, 45 A 1067-001 Lisboa 15 OUT - 15 JAN 2018
Padre J. B. de C., in Hatherly (2003). Poesia Incurável. Aspectos da Sensibilidade Barroca. Lisboa: Editorial Estampa, p. 76.
A artista concebe um território labiríntico que pressupõe um discurso estético e, por sua vez, dá a conhecer uma sensibilidade neobarroca na contemporaneidade. Através de Deleuze também contemplamos o pensamento filosófico barroco, enquanto dobra, na sua obra A Dobra: Leibniz e o Barroco (1988). Todavia, no seu discurso, sentimo-nos dilacerados pela sua perceção, na medida em que transcende o Barroco e Leibniz. A dobra reflete o próprio pensamento, «como ele se dobra». A complexidade desta leitura coloca-nos, enquanto leitores, nas variáveis da diversidade, porque cada uma incorpora uma outra. Esta riqueza de “ordem das palavras” que define o discurso estético barroco permite a um encadeamento de metalinguagens que se projetam na exposição, enquanto «exposição-ensaio», na Coleção do Fundador e Galeria Piso Inferior do Museu Calouste Gulbenkian. O “ensaio-científico”, enquanto obra de arte e pensamento literário, origina um discurso estético espiralado, tal como poderemos constatar através do pensamento da artista: «Um labirinto onde tudo gira à volta da escrita». Portanto, espectador é conduzido a uma «conversa» ilusória e labiríntica entre a obra plástica de Ana Hatherly e o seu pensamento erudito, bem como entre a contemporaneidade e o Barroco. A inovação e a tradição. Pintura e poesia, desenho e literatura, ou uma série de projeções e leituras possíveis e imagináveis. Num movimento contínuo. Jogos múltiplos e abertos, que se desconstroem, para dar lugar a uma outra leitura e interpretação. Dialogam entre si num pensamento erudito, cuja fronteira ténue une os diferentes laços. Na morte, na alegoria, na imaginação e na ilusão. Delineia-se mapas de um pensamento reflexivo, em que a sua fruição nos é concedida pelo curador Paulo Pires do Vale, na entrevista do Museu Calouste Gulbenkian (2017, p. 12): «(…) o Labirinto e as suas dobras sobre dobras; o Tempo, e consequentemente aposta paradoxal no Jogo e na Morte; a Alegoria, e a folia da interpretação que promove; e a Metamorfose entre pintura e poesia, entre desenho e escrita.» Ana Hatherly cruza esta obliquidade de possibilidades da interpretação e da reflexão, bem como o modo de sentir e de estar no espaço e no tempo, enquanto dobra. Todavia, a perceção e o entendimento da obra da artista na contemporaneidade são também desvendados por Paulo Pires do Vale, cujas linhas se espelham em variadíssimos diálogos: «As dobras sobre dobras que tornam o labirinto múltiplo» (cf. texto do site do Museu Calouste Gulbenkian). As dobras ressoam a dicotomias barrocas entre violenta sátira e sensibilidade, espiritualidade e erotismo. De certo modo, Paulo Pires do Vale incita-nos a este complexo mundo, rico em beleza e sensibilidade: «O impulso alegórico espiritualiza o sensível e sensualiza o espiritual. No Barroco, onde impera a visão, o pintor é um pregador.». (cf. texto do site do Museu Calouste Gulbenkian). Um pensador e um retórico. A artista cria e reinventa a linguagem entre signo e imagem. Em torção e contra-torção, dobram-se as linhas em tinta-da-china [Sem título, 1972. Tinta-da-china sobre papel] ou em «mapas e memórias» de formas voláteis que nos lembram as «pregas dos panejamentos» [Sem Título da série Mapas do Mundo, 1970, aguarela e tinta-da-china sobre papel]. Hatherly torce palavras, linhas e formas, gerando outras iconografias ou «textos visuais». Todavia, a artista deriva para outros universos literários e científicos. Remete-nos para uma outra “metáfora”. A lírica barroca, pela fugacidade quase burlesca da poesia. Em A romã, 1971, sentimos o gosto pela alegoria, que se multiplica. A simbologia das flores e frutos, cuja feminidade e sensibilidade erótica realçam a composição pictórica, aparece constantemente na poesia barroca. Numa experiência estética, contemplamos e deleitamo-nos com Os anjos suspensos, 1998, ou as obras de Josefa de Óbidos, a título de exemplo Agnus Dei, 1630-1684. Em torno deste movimento infinito, a dobra, enquanto pensamento, deslumbra outros caminhos. Sejam eles quais forem, continuam a ser dirigidos a um pensador ou fruidor erudito. Numa outra experiência estética, surpreendem-nos outras dobras sem fim, em gestos incertos e provocativos.
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