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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Manuel Casimiro, Le Cauchemar (1980).


Manuel Casimiro, ST. Acrílico sobre fotografia.


Manuel Casimiro, Sem título, Nice, (1976).


Vista da exposição. Fotografia Marc Lenot.


Manuel Casimiro, Venus e o Amor (1988). Acrílico sobre fotografia do autor, 200x100cm.


Manuel Casimiro, New York.


Manuel Casimiro, Artist in Crisis, New York (1977).


Manuel Casimiro, A Cidade 1 (1972). Serigrafia sobre papel, 50x70,5cm. Museu Colecção Berardo.


Manuel Casimiro, Projecto Porto de Nice (1976).


Manuel Casimiro, Projecto Praia da Luz - Estruturas Pedras de Basalto (1974).


Manuel Casimiro, Moi je n'existe pas (1977). Fotografia sobre papel, 9x62cm.


Manuel Casimiro, Moi, je n'existe pas (1978).


Manuel Casimiro, Moi, je n'existe pas (1978).

Outras exposições actuais:

TERESA TAF

LUZ MAIS LUZ


Galeria Presença (Porto), Porto
SANDRA SILVA

OSTKREUZ

DREAM ON—BERLIN, THE 90S


C/O Berlin, Berlim
CONSTANÇA BABO

JÚLIA VENTURA

1975-1983


Culturgest, Lisboa
JOANA CONSIGLIERI

MARIA CAPELO

A NOITE DE TODOS OS DIAS


Galeria Municipal Ala da Frente, Famalicão
CLÁUDIA HANDEM

ELLSWORTH KELLY

SHAPES AND COLORS, 1949-2015


Fondation Louis Vuitton, Paris
CONSTANÇA BABO

SAMUEL SILVA

RÉMIGES CANSADAS


Brotéria, Lisboa
CATARINA REAL

MORGAN QUAINTANCE

EFFORTS OF NATURE IV


Solar - Galeria de Arte Cinemática, Vila do Conde
LIZ VAHIA

REGINA DE MIGUEL

LAPIDARIO


Galería Maisterravalbuena, Madrid
CATARINA REAL

MATTHEW BARNEY

SECONDARY


Fondation Cartier pour l’art contemporain, Paris
CONSTANÇA BABO

VERA MOLNÁR

PARLER À L'ŒIL


Centre Pompidou, Paris
CONSTANÇA BABO

ARQUIVO:


MANUEL CASIMIRO

MANUEL CASIMIRO - DA HISTÓRIA DAS IMAGENS




MUSEU ARPAD SZENES - VIEIRA DA SILVA
Praça das Amoreiras, 56
1250-020 Lisboa

17 JAN - 17 MAR 2019

Um vazio na imagem

 

 

É um buraco negro na fotografia? Um vazio, uma falta, um rasgão no negativo, uma remoção? Ou, pelo contrário, uma adição, uma mancha no positivo, tinta ou pintura preta? A maioria das fotografias de Manuel Casimiro (na Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, sob o título "Da História das Imagens", até 17 de Março), são assim marcadas por um sinal oval, frequentemente preto, que cria na imagem um apelo, uma lacuna, pela qual a visão se pode dissipar, desaparecer, se abstrair da imagem; esse buraco negro é um actor, diz o artista, ele pode assumir o papel que lhe quiser dar. É uma abertura para um desconhecido (e pensamos na porta negra de Matisse em Collioureau do começo da guerra), um convite à profundidade, uma ferramenta para esvaziar o espírito e meditar (e pensamos nos desenhos orientais ou em Malevitch). Ou pode ser um jogo com a imagem, uma forma de dizer "isto não é mais que uma representação, que eu posso manipular, deformar para fazer outra coisa que não a fidelidade ao real" (e pensamos em jogos diversos de lacunas fotográficas e em todo o campo desconhecido da ausência fotográfica, que me fascina). Contrariamente a Baldessari, mais tardio, estas lacunas na imagem não a aclaram, nem enfatizam as suas principais características, elas estão lá, isso é tudo.

Claro que, alguns ovóides são jogos, montagens mais ou menos irónicas, até mesmo um pouco anedóticas, como a série de Quillebeuf de Turner onde a tempestade faz voar o oval preto (mas, enquanto as oito reproduções aqui apresentadas predizem demasiado o espectáculo, com o seu efeito cinema, o catálogo inclui uma série de 15, em que, no final, o preto devorou ​​toda a imagem, e isso é muito mais interessante), como a freira que passeia dois ovóides num carrinho de bebé. Mas outras obras são inquietantes: ninguém jamais soube o que observava o cão de Goya, maior que a natureza, e esta mancha negra, longe de esclarecer este mistério, reforça-o (Casimiro também refez os Caprichos, não apresentados aqui, com a cumplicidade de Michel Butor). Mais inquietante ainda é a série (muitas séries, na verdade) de 25 retratos de Don Sebastião, o jovem rei desaparecido que regressará um dia para salvar Portugal e o mundo: do seu busto de armadura emerge apenas um rosto negro invisível, o rei-messias não tem traços reconhecíveis, ele não é mais do que um mito (e só podemos lembrar o Quinto Império).

 

Manuel Casimiro, O cão de Goya, acrílico sobre fotografia.

 

Tal como acontece com Sebastião, por vezes é toda a imagem que é substituída, que se derrete e se liquefaz. A série Vénus e o Amor parte do quadro de Cranach, com duas composições de pequena escala. Apresenta-se com um modelo contemporâneo, uma jovem nua com a mesma pose, cujo corpo é como devorado pela pintura, branca ou preta, positiva ou negativa; em baixo, uma mancha vermelha, o sangue derramado por uma ferida da flecha de Cupido, sem dúvida. Em frente, a última imagem da série Pesadelo desaparece também sob a pintura. Estas duas séries, "Vénus e o Amor" e "Pesadelo", são as mais construídas, encenadas e baseadas em fotografias do próprio autor e não reproduções.

Casimiro é antes de tudo um pintor, e o seu trabalho é também uma obliteração da história da arte, um questionamento do ícone: a maioria das imagens obliteradas são pinturas clássicas, por vezes retomadas em grande formato, e às vezes reagrupadas em painéis de cartões postais vulgares: museu imaginário como todos nós tivemos nas nossas paredes de estudantes, de que o artista se reapropria com o seu pincel, marcando cada cartão com o seu toque, que, aqui, às vezes, é vermelho e translúcido, como se o gesto de sacrilégio o tivesse retido no último momento, suavizado e misturado de respeito.

Outras fotografias mostram Peggy Guggenheim (inteira), um projeto para pintar os balastros do porto de Nice em várias cores, jogos de frutas, legumes e pedras numa praia, uma rua esfumaçada em Nova York e um conjunto de nove exemplares de duas serigrafias representando uma maquete urbana feita de latas de conservas e de caixas de embalagem: a cidade-consumo, a cidade-desperdício.

 

Manuel Casimiro, Moi je suis de l'autre côté mais je vous vois (1978) Acrílico sobre fotografia, 61x91cm.

  

Casimiro viveu durante muito tempo em França, e participou em particular na exposição Peindre Photographier em 1986 em Nice, em muito boa companhia. E claro que podemos glosar sobre as relações entre pintura e fotografia, sobre uma fiel servente da outra, libertando-a depois para a não-figuração, inspirando-a depois (ver Peintres Photographes, de Michel Poivert). No entanto, parece-me que o trabalho de Manuel Casimiro vai além dessa dialética. Talvez porque ele seja, fundamentalmente, um artista conceptual, não na forma, mas no pensamento, inspirado pela filosofia e privilegiando a cosa mental à mera representação; ele cita Pessoa: "não posso ver sem pensar". Talvez porque o processo seja mais importante para ele do que o resultado. Em 1978, no MoMA, Casimiro colocou-se atrás do Petit Verre de 1918 (e não o Grand Verre de Philadelphia, como indicado no catálogo), que Duchamp também chamou de A regarder (l'autre côté du verre) d'un œil, de près, pendant presque une heure, e no qual ele inseriu uma lente objetiva da Kodak (Jean Clair vê um gnomo, a lente focando os raios do sol); diante dessa injunção, Casimiro realizou ali um auto-retrato fotográfico que intitulou Moi, je suis de l'autre côté mais je vous vois. Um tributo duchampiano impertinente e uma bofetada de luva branca.

Várias séries de fotografias aqui apresentadas são designadas "Moi, je n'existe pas": são séries de auto-retratos onde a face do artista se torna quase invisível num jogo de espelhos, de reflexos, de fundidos, de decomposição da identidade (e às vezes de ocultação por um ovóide). Não o rimbaudiano "Je est un Autre", mas uma identidade afirmada pela negação, pela ausência. Esta é talvez a chave.

 

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Catálogo (em português) muito interessante, com um ensaio da curadora Isabel Lopes Gomes e uma entrevista com o artista (que, no entanto, parece não apreciar as entrevistas). E um filme (ainda não visto).

 



MARC LENOT