|
PATRÍCIA SERRÃO E RODRIGO ROSASABOTAGE![]() GALERIA TREM Rua do Trem 5 8000-304 Faro 26 SET - 21 NOV 2019 ![]() ![]()
Após duas grandes guerras, que devastaram o território europeu, a arte deste continente entrou numa espécie de ensimesmamento: ora voltando-se sobre si mesma, ora retornando às origens, ao ato mais puro da criação antes da consciência do gesto artístico. Arte como pulsão, de vida e morte, como ato de resistência. A arte emudeceu, mas não se calou, seus artistas, e movimentos, deram conta do que se passava naqueles anos e contava a história dos que (sobre)viveram ao horror. Arthur Danto fala da morte da arte, ou pelo menos, da morte de uma forma de se fazer, ou pensar, a própria criação. Se o mundo mudara radicalmente, não era possível que a arte permanecesse a mesma. A partir dos anos 50, ou finais da década de 40, o eixo da produção e da distribuição artística muda-se para o novo mundo – os Estados Unidos, que saem da periferia e se convertem no centro. Por um lado, a influência dos artistas europeus que emigraram faz-se sentir no mercado norte-americano, por outro lado, começa a emergir um novo grupo de artistas, muitos deles de origem europeia, atraindo os olhares para aquele lado do oceano. No entanto, os artistas que ficaram em solo europeu, tentam, não mais agrupados em grandes movimentos, como outrora ocorrera com as vanguardas, mas em carreira solo ou em pequenos grupos, continuar a fazer arte apesar de tudo. Um destes artistas, italiano, com raízes na Argentina, Lucio Fontana, traduz com suas obras um sentimento que era generalizado – o choque, provocado pela violência pela qual passaram todos, não é representável, pelo menos não da mesma forma como fora antes, após a I grande Guerra. Se havia possibilidade de representação, ela estava noutro espaço, era preciso expandir a ideia de arte, e de objeto artístico, até ao limite do absurdo para que ela pudesse conter o sentimento do mundo e o gesto necessário do artista. Stefano Amoretti, ao falar da obra de Fontana, diz que ela é, ao mesmo tempo, uma meditação e uma performance.
Fotografia: Cortesia Patrícia Serrão.
E esta ideia de performance meditativa, ou de gesto pensativo, leva-me diretamente ao trabalho de Rodrigo Rosa. As obras que apresenta nesta exposição fazem-me recordar o gesto meditativo-performático de Fontana e também a escuridão iluminada da obra de Pierre Soulages. Da mesma forma que as peças de Patrícia Serrão fazem-me pensar em Giacometti, desde a sua fase surrealista, ao seu período mais conhecido, que desponta exatamente no final da II Guerra.
Fotografias: Cortesia Patrícia Serrão.
Ao relacionar a obra destes artistas com outros, que lhes antecederam, não pretendo, de modo algum, fazer comparações. Mas, pretendo, isso sim, falar de sensibilidades. Há uma sensibilidade comum que os une, um sentimento de desespero otimista: mesmo sem acreditar em mais nada, ainda acreditam na arte como portadora de uma mensagem, como meio capaz de falar ao mundo, como um meta-texto que se reinventa a cada instante. Cada peça de Patrícia Serrão é composta de material diverso e dissonante, criando um jogo entre o efémero e a memória, que perdura. As obras são constituídas pelo que vemos, mas, sobretudo, pelo que lá não está. Samuel Beckett, cujos textos influenciaram artistas plásticos e foram por eles influenciados, diz sobre o artista holandês Bram Van Velde que a sua pintura era “a pintura da coisa em suspenso, ou melhor, da coisa morta. A coisa isolada. O objecto puro.” O que Beckett diz sobre Van Velde, pode ser dito, por exemplo, sobre a obra de Antoni Tàpies ou Antonio Saura – são artistas que ultrapassaram a ideia de representação sem, no entanto, abrir mão da arte de representar uma memória, uma marca, uma ideia, um gesto. E vejo, passados tantos anos, estes gestos replicados, consciente ou inconscientemente, na obra de dois jovens artistas que criam objetos puros, sejam eles escultóricos ou pictóricos, instalados no espaço ou fixados na parede. São objetos que valem por si mesmo e que dialogam, nesta exposição, com as outras obras, com o processo de criação de cada um dos artistas e com uma genealogia que lhes escapa, mas que tem origem nesta arte atormentada, mas nunca desistente. Patrícia Serrão traz-nos um conjunto de peças, de dimensões variáveis, marcadas pelo binómio delicadeza-inacabamento. A aparente fragilidade, ou mesmo a pequena dimensão de alguns trabalhos, dá-nos a sensação enganosa de ocultação e de silêncio. As peças desta exposição, que existem em si mesmas, foram pensadas para funcionar em relação. As obras de Rodrigo Rosa – de grande dimensão, criam uma continuidade de significados, expandindo o espaço da sala e conduzindo-nos ao espaço da arte. Uma arte lúcida a pari passu com seu próprio tempo, um tempo que revive, vezes sem conta, os seus erros e as suas tragédias. Por isso a arte é tão necessária. Por isso esta exposição é tão urgente e vital.
![]()
|
