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:: 2ª EDIçãO DO CU.CO. CONSOLIDA COIMBRA COMO PALCO DE DEBATE DO JORNALISMO CULTURAL EM PORTUGAL

Artecapital

2025-10-08



 
Por Pedro Vaz

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Foi durante os dias 3 e 7 de Setembro que a 2ª edição do Cu.Co. mobilizou diversos jornalistas culturais na cidade de Coimbra para uma demonstração daquele que tem sido o aumento da oferta cultural em Coimbra em todas as suas ramificações, das quais surgiram questões fulcrais para pensar o estado contemporâneo do jornalismo cultural em Portugal. Face ao programa da 1ª edição, a edição deste ano procurou a coordenação com diferentes espaços para a criação de um programa mais ambicioso e plural, aumentando o número de jornalistas convidados e atividades.

 

Dia 1

Mesa redonda: "Criac?a?o Teatral em Coimbra – Zonas de Partida e Chegada”. © Marionet


O primeiro dia foi pautado para o trabalho das companhias teatrais de Coimbra, começando com a 181ª apresentação do espetáculo-oficina “As perguntas da Menina do Ó” no Largo do Romal. Tendo sido criada para o público juvenil, tem vindo a ser apresentado em salas de aula e lugares informais, com o intuito de propor momentos participativos ao mostrar diferentes ferramentas para que todos os membros do público busquem pontos de interrogação para os constantes pensamentos do dia-a-dia. À tarde, a primeira mesa redonda do programa teve como cenário a sede da Marionet, que na presença da Marionet e do Teatrão, procurou responder à relação entre a crescente afluência de programação cultural em Coimbra, e a relação com o público da cidade: como chegar a ele, mantê-lo, e integrá-lo nas produções teatrais destas companhias, dentre outras temáticas que foram desde o arquivo do imaterial, até à articulação com as diferentes instituições da cidade na processo de criação de novos projetos. O dia encerrou com uma prova prática de que a descentralização começa dentro do próprio concelho, com a antestreia de “Com que linhas te cruzas? A viagem”, a nova produção do Teatrão criada para o espaço do novo Metrobus de Coimbra, convidando o público a participar numa viagem de ida e regresso entre Serpins e Lousã, agregando à viagem um conjunto de sketches tragicómicos que protagonizados por diferentes duplas de personagens interpretados pelos mesmos dois atores, vão encontrando personagens (músicos e atores e amadores) que na sua peculiaridade, nos fazem lembrar alguém que já conhecemos anteriormente, mas que aqui surgem numa versão na qual elas se fazem ouvir no espaço metro, contrariando a espetável tendência que assola o espaço dos transportes públicos, como se nos fosse mostrado um mundo alternativo no qual escutamos e oferecemos espaço para a escuta de pessoas que alegam a transparência, mas que quando reveladas, demonstram ser verdadeiras fontes de maravilhamento, e nos faz pensar que afinal de tudo, o público é uma peça fundamental para pensar as propostas de apresentação artística, e que se torna necessário estimular a comunidade à participação na fauna cultural da cidade onde estão inseridas.

 

 

Dia 2

Visita a? MUS.MUS.CBR. © RIMA E BATIDAS

 

O segundo dia começou com a visita à Associação Cultural Museu da Música de Coimbra, uma estrutura sediada no Colégio da Graça que encontrando-se no processo de musealização do seu acervo de instrumentos de corda portugueses, tem realizado oficinas e concertos, dispondo de um atelier de restauro de onde surgem guitarras revitalizadas do lixo, ou até mesmo a instrumentos inacessíveis, criados através de uma réplica especulativa que ocorre pela referência a imagens ou gravações antigas. Seguiu-se ainda dentro do Colégio situado no coração da Rua do Sofia, a conferência de imprensa para a apresentação do Festival Instrumensal, que procura um público mais jovem dando acesso gratuito aos concertos a menores de 18 anos, e um espaçamento atenuado de forma a atender à disponibilidade financeira e atencional do público. Na mesma sala, a tarde começou com a segunda mesa redonda do Cu.Co.: “Instrumentos em vias de desextinção” moderada por Rui Miguel Abreu (ReB, Expresso), com foco para diferentes áreas de investigação em música popular portuguesa representadas por colaboradores e membros da Associação Cultural Museu da Música de Coimbra: Eduardo Loio, José Rebola, Jael Palhas, Felipe Barão e Germana do Vale. Nesta conversa surgiram pontos de encontro entre o passado e o presente, relembrando a importância de um mapeamento do vasto património musical português, as valências formativas de um laboratório de restauro e conservação, ideias para a criação de um curso técnico-profissional em música popular portuguesa, e um projeto ambicioso de expansão da associação para a antiga estação de Coimbra A de modo a transformá-la numa estação musical prevendo a criação de um estúdio de gravação, um museu, oficinas de restauro, um bar, e todo um conjunto de serviços propícios à criação, formação e investigação em música popular portuguesa. No âmbito deste peculiar universo musical, foi apresentado na um showcase de cordofones na escadaria do Colégio de modo a integrar uma acústica ideal para a audição de diferentes instrumentos de corda portugueses interpretados por diferentes grupos. O concerto seguinte aconteceu no âmbito da programação “Verão a Dois Tempos”, no qual Helena Sarmento apresentou “Tanto Mar”, um repertório baseado no seu disco homónimo de 2024, enchendo de fado e Bossa Nova o Largo do Poço, que serve de local de entrada para o Salão Brazil. Para finalizar o segundo dia do programa, a casa do Cinema de Coimbra acolheu a exibição do documentário “Por ti, Portugal, eu juro”, que na presença da realizadora Sofia da Palma Rodrigues, e Isabel Campante na qualidade de Coordenadora de comunicação do Festival “Caminhos do Cinema Português”, permitiu dialogar sobre projetos de profissionalização e internacionalização em cinema, assim como a importância dos apoios municipais para a promoção de cineastas locais e requalificação de espaços de cinema, como foi exemplo a previsão para a futura reativação da antiga sala de cinema do 7º piso do Centro Comercial Avenida.

 


Dia 3

Performa-Oficina "A Mate?ria do Gesto". © Nuno Sampaio


Foi no Seminário Maior de Coimbra que se concentrou maioritariamente o 3º dia do Encontro, começando o dia com café e pão, que pela mão de Patrícia Miguel Dias foi dado a conhecer o projeto da Padaria Brutalista, o seu projeto que utiliza a massa mãe enquanto ingrediente nuclear para a criação de diferentes tipologias de pão, cujo conhecimento advém de uma pesquisa sobre fabrico do pão que articula ao máximo a utilização de matérias-primas de qualidade com as práticas tradicionais. Ainda no mesmo espaço da Semente Atelier, na ocasião do seu primeiro aniversário de existência, ocorreu a mesa redonda do dia com o tema “Lugar que escuta, cidade que germina” com a participação de Filipa Queiroz (jornalista), Jorge Cabrera (Arte/Educação/Mediação), Rafael Nascimento (Chefe da Divisão de Cultura CM Coimbra) e jornalistas Cu.Co. A conversa realçou a importância do equilíbrio entre a escuta e a ação de modo a perceber questões elementares para a criação cultural de uma cidade: quem nós deveríamos escutar? Como é que a cidade fala? Qual é a beleza da escuta? Entre outras muitas questões. Após um breve DJ Set de Rui Miguel Abreu que aproximou o átrio do Atelier Semente ao rio Mondego que a vista dali alcança de forma singular, entrámos nas antigas salas de aula do Seminário Maior para um almoço temático alusivo ao trabalho de Póvoa dos Reis, antigo cónego do Seminário que se destacou na pesquisa de algas marinhas. Elas que integraram o menu de um almoço que permitiu saborear as algas de forma elegante e criativa, nos quais se destacaram o Gin de Algas, a sopa de creme de abóbora com pó de algas, e o gelado de nata com algas. Para a celebração do aniversário do Semente Atelier, voltámos ao espaço para a apresentação da Performance-Oficina “A matéria do gesto” cuja interpretação musical ficou a cargo de Bernardo Nascimento e Gonçalo Parreirão, e a componente performativa entregue por Inês Moura, coordenadora do espaço. Numa performance que priorizou o improviso e a experimentação, foram colmatados os princípios adversos a este atelier que demonstrou ser um novo pilar fulcral para a experimentação artística em Coimbra. Descendo até à baixa, junto à fachada do antigo Teatro Sousa Bastos, entrámos no Bar Futuro, um novo espaço que às luzes de um pequeno ambiente Lynchiano, ouvimos Paul Oak e Pedro Renato. O dueto de guitarristas, apresentou um conjunto de temas compostos (ou arranjados) por Paul (numa performance que relembra os timbres e trejeitos de Bob Dylan), que tendo editado o EP “Out Of His Head” em 2023 pela Lux Records, apresentou um repertório que integrou o EP, juntamente com covers de bandas pilares do Rockabilly e Blues como The Kinks e Chuck Berry.

 


Dia 4

Mesa redonda: “A comunicac?a?o da arte contempora?nea nos media: pra?ticas e estrate?gias”. © Nuno Sampaio

 

O início do penúltimo dia começou pelos vastos corredores e espaços do Convento de São Francisco, que não esquecendo o passado enquanto espaço albergador da antiga Fábrica de Lanifícios de Santa Clara encerrada em 1994, apresenta atualmente um projeto de reestruturação do edifício que permite ao Convento constituir-se enquanto um dos espaços mais plurais para a criação artística em Coimbra, cujo resultado adveio de um projeto de reestruturação alterado de modo a potencializar o carácter comunitário e criativo do espaço, como o exemplo da transformação da prevista sala VIP na galeria Pedro Olaio (filho), ou até mesmo da Blackbox, originalmente destinada a ser uma sala de ensaios. Após uma visita às estruturas de produção e exibição culturais do edifício, a visita terminou na Cafetaria do Convento de São Francisco, onde ocorreu a primeira mesa redonda do dia com o tema “A divulgação musical na idade do streaming”, moderada por Ricardo Farinha (ReB/Observador) e a participação de representantes do Jazz ao Centro Clube, Blue House, Lux Records e da Rádio Universidade de Coimbra. Ao longo da conversa, foram localizados vários pontos que definem a distribuição musical nos dias de hoje: a ameaça à integridade das editoras independentes face à preferência global pela distribuição digital, as diferenças entre a curadoria humana e a curadoria digital (dos algoritmos), a importância das rádios na agregação local de músicos e ouvintes, e a proliferação de modelos de negócio direcionados para colocar os músicos na qualidade de clientes para a compra de público e oportunidades de promoção. Já no início da tarde, no outro lado da cidade, o Centro de Artes Visuais foi palco para a segunda mesa redonda do dia com o tema “A comunicação da arte contemporânea nos media: práticas e estratégias” coordenada por Sílvia Escórcio (Consultora de Artes e Investigadora) e Clara Almeida Santos (Coordenadora de Comunicação da Anozero – Bienal de Coimbra). Para esta temática, a conversa procurou discutir de que forma os diferentes agentes e instituições culturais da cidade beneficiam do trabalho jornalístico na promoção das suas programações, e quais as resoluções possíveis para a criação de uma maior sinergia entre o jornalismo e a dinâmica cultural de uma cidade face à crescente precaridade no ramo do jornalismo cultural em Portugal. A partir do pátio do Centro de Artes Visuais, a voz de Adolfo Luxúria Canibal pautava o tempo limite para a mesa redonda, dando início a uma performance acompanhado de Marta Abreu, que trilhou a paisagem sonora e atmosférica ideal para uma leitura selecionada de poemas que na voz de Adolfo ganhavam garras e texturas próprias da sua declamação emblemática. Após esta apresentação, seguiram-se três concertos: Mariana Camacho que pintou o Largo do Poço de indie; uma apresentação mais intimista de André Júlio Turquesa de guitarra e voz criando uma osmose entre o virtuosismo sensível das suas composições e o salão do Hotel Astoria; e por fim, a apresentação infalível de You Can’t Win, Charlie Brown na Estação Nova de Coimbra.


Dia 5

Mesa redonda: "“Coimbra e a construc?a?o de uma nova centralidade contempora?nea”. © Nuno Sampaio

 

O último dia do Cu.Co. começou com uma visita guiada às duas exposições do Centro de Artes Visuais na ocasião do seu encerramento. A exposição “Juntos”, preencheu a galeria principal do museu com uma seleção de obras de Helena Almeida e André Rosa, que demonstrou uma sinergia que mostrou em escultura, fotografia e desenho, o que dificilmente se explica por palavras, atravessando várias fases da carreira de ambos interligados por uma forma harmoniosa de mapear o mundo através do autobiográfico e da geometria. No piso de cima, a exposição “Eu paisagem” de Andreia Nóbrega mostrou paisagens e floras ficcionais, cujo não-espaço onde elas se inserem incluíam uma das paredes do Centro de Artes Visuais, além de dois compridos papéis nos quais a artista aglomerava e conectava cenários naturalistas a preto e branco a partir de uma perspetiva que desafiava poeticamente a visão panorâmica, convidando o público a percorrer a sala e o mapa dos seus desenhos, em simultâneo. A última mesa redonda, teve como espaço o segundo piso do Centro de Arte Contemporânea de Coimbra com o tema “Coimbra e a construção de uma nova centralidade contemporânea”, que mediada por Elsa Garcia (Umbigo) contou com a participação de Jorge Cabrera (CAPC), Adailton Moura (RAPresentando), Cristina Margato (Expresso), Pedro Vaz (Arte Capital), Elisabete Carvalho (CACC), e Jorge Simões (CAV). Na iminência de uma nova edição da Bienal Anozero em 2026 e da chegada de novos públicos à cidade, foram discutidas as questões alusivas à descentralização cultural necessária para a pluralização artística e participativa de uma cidade, as ferramentas da mediação cultural à disposição de instituições culturais que procuram formas inovadoras de chamar público, e das múltiplas identidades possíveis para a promoção de uma cidade. A parte da manhã terminou com uma visita à loja A Feira, localizada ao lado da Estação Nova de Coimbra, que albergava a exposição “Cave – Obras da Coleção Encontros de Fotografia”, com curadoria de Miguel von Hafe Pérez. Ao longo de 3 pisos (pisos -1, 0 e 1) o edifício exibia um conjunto de fotografias e capas de álbuns que demarcavam memórias ligadas ao universo rock, à vida noturna e às festas populares. A partir das 15 horas da tarde, o café-concerto do Convento de São Francisco abria o palco para a secção final do encontro. A pista abriu com Rui Ferreira da Lux Records, que presenteou o ambiente com uma seleção eclética de música rock, atravessando várias épocas e lugares. De seguida, Tiago Sousa apresentou um tema no piano, que juntamente com a leitura de um guião textual para composição musical, serviram de base para a apresentação do seu próximo trabalho com o Coro das Vontades, promovido pela Associação Há Baixa. Num tom mais intensivo, o Filipe Furtado Trio encerrou o programa do Cu.Co. através de um repertório com um verniz político na sua poética, e segmentos Jazz que iam da contemplação ao caos de forma graciosa e consciente.

 

A 2ª edição do Cu.Co. sublinhou em todos os aspetos a importância infindável da relação entre o jornalismo cultural e a vida cultural de uma cidade, deixando no ar perguntas fulcrais para o desenvolvimento cultural na contemporaneidade, e o papel do jornalismo enquanto agente indispensável para a proliferação das diferentes linguagens artísticas. Tornou-se clara a intenção e a necessidade da continuidade do Cu.Co. em Coimbra, que apresentando um modelo peripatético e crítico de conhecer (e dar a conhecer) uma cidade que preza pela experimentação do desconhecido e pelo cuidado das estruturas culturais que moldaram a cultura conimbricense, as pretende juntar para benefício dos novos públicos e dos agentes culturais. O modelo do Cu.Co. apresenta-se enquanto programa harmoniosamente replicável em outras cidades, sendo que uma conclusão é inegável: muito há a fazer em Coimbra face ao sonho que habita a cidade em diferentes vozes: a do jornalismo, a das instituições, a dos artistas, e do público. O sonho é possível, e o jornalismo cultural representado pelos diferentes convidados, demonstrou estar determinado e confiante numa cidade de Coimbra que para as muitas perguntas que suscita, poderá oferecer soluções de uma grande beleza traduzível em arte, jornalismo, e fruição cultural.

 

 




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