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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição “Júlio Pomar: ver, sentir, etc. – Obras do acervo do atelier-museu Júlio Pomar”. Imagem cortesia Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos


Vista da exposição “Júlio Pomar: ver, sentir, etc. – Obras do acervo do atelier-museu Júlio Pomar”. Imagem cortesia Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos


Retrato de Camponês (Évora), 1945. Óleo sobre cartão colado sobre tela. Colecção Fundação Júlio Pomar / Acervo Atelier-Museu.


Duplo Auto-retrato do Artista, 2012. Acrílico, carvão e pastel sobre tela. Colecção Fundação Júlio Pomar / Acervo Atelier-Museu.


Cartilha do Marialva (Abécédaire du Marialva), 2005-2012. Acrílico, carvão e pastel sobre tela. Colecção Fundação Júlio Pomar / Acervo Atelier-Museu.


Vista da exposição “Júlio Pomar: ver, sentir, etc. – Obras do acervo do atelier-museu Júlio Pomar”. Imagem cortesia Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos


Vista da exposição “Júlio Pomar: ver, sentir, etc. – Obras do acervo do atelier-museu Júlio Pomar”. Imagem cortesia Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos


Estudo para o Ciclo do Arroz, 1953. Tinta-da-china a pincel sobre papel. Colecção Fundação Júlio Pomar / Acervo Atelier-Museu.


Estudo para O Mundo Desabitado, De José Gomes Ferreira, 1960. Tinta-da-china. Colecção Fundação Júlio Pomar / Acervo Atelier-Museu.


Auto-retrato, 16 de Julho de 1946, 1976-1979. Grafite sobre papel. Coleçcão Fundação Júlio Pomar / Acervo Atelier-Museu.

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ARQUIVO:


JÚLIO POMAR

JÚLIO POMAR: VER, SENTIR, ETC. – OBRAS DO ACERVO DO ATELIER-MUSEU JÚLIO POMAR




CENTRO INTERPRETATIVO DO TAPETE DE ARRAIOLOS (CITA)
Praça do Município, n.º 19
7040-027 Arraiolos

24 OUT - 16 FEV 2020

Júlio Pomar, do desfocado à construção da imagem contemporânea

 

 

A exposição “Júlio Pomar: ver, sentir, etc. – Obras do acervo do atelier-museu Júlio Pomar” instalada na pequena sala de exposições temporárias do Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos, começa por apresentar trabalhos mais antigos do artista sobre o estudo do ciclo do arroz em concreto e da vida do campo em geral. Primeira reação: não, não façam uma exposição de um artista da nossa contemporaneidade sobre a vida do campo numa povoação rural! Ninguém na região vai querer ver com especial entusiasmo uma exposição sobre os temas mais que rebatidos da sua própria realidade. Havendo já uma exposição permanente dos tapetes de Arraiolos – a tradição -, exige-se uma exposição temporária daquilo que não é comum – a novidade.

Das tradições podemos dizer que ou morrem porque as pessoas não vêem mais interesse ou utilidade nelas, ou se mantêm porque há um grupo de “loucos” ou “iluminados” que as mantêm por vezes contra a cultural da maioria, ou se resgatam de uma forma mais consensual porque essa mesma cultura da maioria, também terá os seus dias e é preciso relembrar aquilo que se aprendeu e conquistou. Deste clássico debate tradição versus novidade, as novas mentalidades exigem, no entanto, a destruição de alguns aspetos da tradição por serem causa de preconceito ou por serem destrutivos em si mesmo. Finalmente, algumas tradições acompanharão paralelamente o processo de inovação numa lógica de progresso porque essa mesma tradição é formada por um conjunto de símbolos estimuladores da inovação com o objetivo de cumprir um ideal cultural. Felizmente, que para a tradição dos tapetes de Arraiolos, conservada num museu de interiores bem contemporâneos, como demonstram os seus mármores imaculados e os textos introdutórios de cada tema focados na mais pura pedagogia, não se deixaram levar pela quezilenta ideia de mostrar uma exposição de Júlio Pomar restringida ao que a tradição conhece.

 

Os outros trabalhos de Júlio Pomar constituem, pelo contrário, tudo menos tradição. Em “Casamento” de 1961, os participantes da cerimónia são esqueletos agitando-se num movimento de queda. A noiva com o seu bouquet tornou-se num fantasma e o seu esposo numa mera radiografia a preto e branco e em tons de cinzento e castanho. Estas cores não celebram a alegria do momento, fazem antes da cerimónia do casamento uma instituição de encarceramento ou próxima de um ato fúnebre.

O autorretrato mais recente do pintor (2012), exposto no Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos, coloca a seguinte questão: quantos cabem numa identidade? Pelo menos dois. “Duplo autorretrato do artista” coloca um Júlio Pomar gigante, já com uma longa carreira atrás das suas costas, a olhar para um Júlio Pomar anão emaranhado em perguntas e problemas. Detrás deste último, a enorme forma redonda amarelada que lembra uma barriga de mulher grávida, alude ao constante desejo do artista em encontrar novas soluções criativas.

Os seus trabalhos sobre o corpo e o sexo são dos que mais fogem às temáticas tradicionais. “Graça Lobo, em vermelho com um perfil desenhado a lápis” trata-se de uma fetichização da retratada, no sentido em que a caracterização do seu corpo dá-se pelo desenho das suas partes. Uma perna, várias pálpebras, contornos dos olhos, bocas, o seu perfil, etc., estendem-se sobre um fundo vermelho do tamanho da tela. Esta obra torna-se um exemplo de estudo sobre a desigualdade das relações amorosas. Nela o amor assume o fascínio por cada detalhe do corpo do objeto desejado, ao passo que para a retratada, o seu amor ilustrava bem o ditado quem ama feio, bonito lhe parece. Como prova disto, temos uma recente entrevista de Graça Lobo ao Diário de Notícias que considerava Júlio Pomar um homem muito feio.[1]

São, no entanto, as serigrafias sobre este último tema que mostram o lado mais original, associando o esquema do movimento do(s) corpo(s) a grandes campos de cor para revelar uma ideia através da matéria e não do conteúdo. Um corpo contorce-se sobre uma espécie de sofá e debaixo de um plano branco do tipo janela, em “Le corps jaune”, mas é o facto de este ser quase esverdeado em frente de uma parede azul que acentua uma sensação de profunda agonia. Lembrando os melhores momentos do fauvismo, o enorme fundo vermelho de “Rouge” e da figura masculina na vertical saturam toda a composição de energia sexual que só o branco da figura feminina fazendo-lhe um felácio podia refrear. Por outro lado, a contorção desta mesma figura arrasa com a monotonia dos mais de ¾ de vermelho incorporados num corpo masculino hirto. “La couleur” regista o desenho de uma mulher e de um homem copulando na horizontal, cujos corpos emaranhados frente a um total plano de fundo negro lembram uma enorme aranha. Delineados por uma subtil linha rosa, estes corpos brancos representam assim o próprio enredo do amor, entre a luz e as trevas. A sugestão de aranha simplifica-se e torna-se quase abstrata na serigrafia seguinte que apesar de se chamar “Chambre noire”, tem muito mais cor que a serigrafia anterior “La Couleur” a preto e branco. A diferença é que nesta serigrafia sabemos aonde é que o ato sexual se dá - num lugar perto de uma janela de um quarto negro - e não num espaço indefinido completamente obscuro. Dois grandes campos desta composição conduzem-nos a um outro tipo de possível interpretação. Se a larga janela que se forma pela sua vista azul-indigo, e não pelo traçado das linhas, confere melancolia à relação do casal, já do lado direito, apresenta-se um campo verde vertical exprimindo esperança ou mesmo libertação. Libertação, porque a partir desse campo sai uma mão composta de dedos e punho abstratizados em direção a um quadrado branco. Libertação pelo sexo ou uma vontade de libertação da própria relação que já entrou num cansado da fusão dos corpos intervenientes? Digamos que os corpos se lançam em “La couleur” na definição de um ato entre os pontos extremos do amor e que em “Chambre noire” eles já não são dois, mas, um quase-outro corpo na procura de uma redefinição.

Este estudo do corpo e da envolvência entre os corpos, completamente fora da tradição, mostram em síntese que a matéria são também o espírito; mas é no descarnar dos elementos das artes visuais que o artista mais se demarcou. Duas obras de grande dimensão e constituídas por quatro painéis com dobradiças cada uma delas, “Cartilha do Marialva” e “Navio-Negreiro” são na verdade exercícios da gramática visual. Os temas, os títulos e a mensagem são secundários. O que interessa aqui, na verdade, é a exploração das linhas, curvas ou retas, dos pontos, pequenos ou grandes, das manchas, leves ou densas, da perspetiva aérea, dos enormes planos em contraste com a densidade dos detalhes, da saturação das cores, da mistura dos materiais, acrílico, carvão e pastel e talvez, por fim, a captação da luz. “Cartilha de Marialva”, antes de ser uma representação simbólica de um aspeto do machismo, é antes de tudo, uma delícia gustativa. Sim, eu disse delícia gustativa. Os pontos, as linhas, as manchas, os planos estão em tal concordância harmoniosa que os poderíamos lamber, como de um bolo ou de um cesto de frutas se tratasse. É isto que tornou Júlio Pomar, um dos nossos melhores pintores da segunda metade do séc. XX. Ele recuperou o interesse dos Impressionistas do séc. XIX sobre essa análise dos elementos da pintura, para apresentar na contemporaneidade, não uma imagem que se desfoca, mas o desfocado em imagem. Os elementos pictóricos, juntam-se aos elementos do desenho e efetuam-se na tela através da diferença entre cada um dos distintos materiais. A identidade de cada um destes elementos em conjunto é que potencializa a imagem.

Numa pequena sala de um museu de província podemos ver até 16 de fevereiro de 2019, mais que um bom resumo da obra de Júlio Pomar, uma exposição sobre um dos pontos primordiais da arte contemporânea, a matéria. Por isto, só resta lamentar o tão básico título da exposição.

 


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Notas

[1] NEVES, Céu – Diário de Notícias [Em linha]. Lisboa: Global Media Group, 4 de agosto de 2019. [Consult. 30 nov. 2019]. Disponível em https://www.dn.pt/edicao-do-dia/04-ago-2019/inventaram-os-lares-por-boas-causas-mas-sao-todos-muito-maus-encontrei-uma-pobreza-que-nao-imaginava-11157115.html

 

 



NUNO LOURENÇO