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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista parcial da exposição Café trabalho, espaço ah-ef-ge, Viena, 2016.


The Grand Opening, Sodu4, Vilnius, 2017.


The Grand Opening, Sodu4, Vilnius, 2017.


The Grand Opening, Sodu4, Vilnius, 2017.


J.O.Câmbios, 2018, cartaz.


Offside paradiso, #2, espaço Mira, 2020.


Offside paradiso,#4, espaço Mira, 2020.


Travessa do freixo, exposição Isto não é Manchester, central elétrica do freixo, 2014.


Vista parcial da exposição Meia Pensão, galeria do Sol, 2022.

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HOUSE OF BONDAGE


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A PONTE, O CAMPANÁRIO, A CASA E O BARQUEIRO


Centro Cultural de Cascais, Cascais
FÁTIMA LOPES CARDOSO

INÊS D'OREY / ISAQUE PINHEIRO / JUNA WELSEY

BEOGRADE CONCRETE / RESET / ENCOMPASS


Galeria Presença (Porto), Porto
CONSTANÇA BABO

ARQUIVO:


JOSÉ OLIVEIRA

MEIA PENSÃO




GALERIA DO SOL / RUA DO SOL
Rua Duque Loulé 206
4000-324 Porto

24 FEV - 20 MAR 2022


 

Meia-pensão (parte 1)
O que pode um café?

É com grande expectativa que se aguarda por um novo projecto de José Oliveira, pela criatividade, a novidade, a frescura e a inevitável implicação do espectador por vezes numa quase co-autoria, para além de uma reflexão sobre questões fundamentais não só em torno da arte como da própria existência humana.

Oliveira desloca a problemática do mundo laboral para o seio da arte, implicando colegas, familiares, amigos e público em geral, para repensar uma das bases da existência humana que é a subsistência. Desde que nascemos somos absorvidos por um sistema que apela a uma competição constante. Temos de ser os melhores, garantir um bom futuro, o que implicará uma produção incessante e, supostamente, economicamente rentável. A decisão de ser-se artista, é pessoal e diferente para cada um, contudo existirá algo que nos possa aproximar, uma forma de ver e de estar no mundo e uma urgência que nos impele na construção ou criação de objectos. Uma forma de ver o mundo, que é uma capacidade poética de compreender o que nos rodeia. Muito próximo do pensamento de Agostinho da Silva, da capacidade em potência de cada um ser poeta e de o traduzir nas diversas áreas (já o afirmava também Joseph Beuys). Contudo, para que tal se torne uma realidade é necessário termos a subsistência assegurada - a alimentação, o abrigo, a roupa, o aquecimento (algo que no nosso país continua a ser subvalorizado).

Provavelmente o rendimento básico incondicional poderá ser uma forma de nos conduzir no caminho dessa outra experiência do mundo. A maioria dos artistas plásticos em Portugal, e não só no nosso país, têm de encontrar uma ou várias profissões paralelas, ao longo da sua vida, que lhes permita estabelecer algum equilíbrio entre o fazer artístico e a subsistência. Deixando-se não poucas vezes a pele pelo caminho, num malabarismo constante e exaustivo que provoca em diversos momentos a desistência, o desencanto, a depressão, mas ao mesmo tempo, a persistência, a firmeza, uma aprendizagem e um fortalecimento.

Oliveira cedo percebeu esta condição e interessou-lhe precisamente conciliar no seu trabalho artístico estes dois mundos, o mundo laboral e a arte, desenvolvendo projectos que implicassem um retorno sobretudo de afectos, interesses comuns e energias. Interessa-lhe desbloquear o elitismo na arte e encontrar mecanismos que possam ser usufruídos por todos. Transforma os espaços galerísticos em cafés, como o caso do projecto Café-trabalho em Viena de 2016, que serve de base para a nova exploração na residência/exposição Meia Pensão na galeria do Sol. Ou o franchise com o The Grand Opening de 2017 em Vilnius, em colaboração com Albert Allgaier, em que a obra de arte é uma tosta-mista real, embrulhada em papel, ou imaginária, com edições limitadas e preços diversos. Starving Conceptual Artist (ed. de quatro sanduíches), ou A Walk Through the Forest (edição de vinte e cinco sanduíches) são dois dos títulos inscritos directamente no papel de embrulho que o espectador leva consigo. São trabalhos que relembram o conceito de ecologias culturais de Reinaldo Ladagga e as experiências de outros artistas como Eat-art de Daniel Spoerri ou o projecto Food (1971-1974) de Carol Goodden, Gordon Matta-Clark e Tina Girouard, entre muitos outros mais recentes. O que interessa ao artista mais do que construir uma obra que seja vista, é criar experiências e muitas vezes criá-las em conjunto, seja pela colaboração com outros artistas, ou quem simplesmente se inscreve nos seus workshops ou aparece nas suas exposições. Este tipo de projectos remetem ainda para as experiências construídas por Félix Gonzales-Torres, embora com um contexto e conteúdo diferentes, com as suas esquinas ou tapetes de rebuçados enquanto auto-retratos, que podem ser degustados individualmente, como parte de um corpo maior. No fim, come-se a obra.

 

Vista parcial da exposição Café trabalho, espaço ah-ef-ge, Viena, 2016.

 

J.O.Câmbios, quiosque Worst Tours, 2018.


J. O. Câmbios (2018 -…) será até ao momento o seu trabalho mais paradigmático, desenvolvido e apresentado em diferentes espaços e exposições. Criou uma empresa com uma moeda própria em estanho e 5% de cobre, que se pode comprar com moedas correntes como o euro, o dólar, o real, o iene entre outras. As moedas têm preços variados e Oliveira cria performances específicas para cada valor e pessoa em questão, uma vez que o que acontece depende de como esses dois corpos se conectam. Por exemplo, 4€ correspondem a um café, 16€ a uma hora de limpeza, 24€ a uma hora de conversa, 45€ a uma ida à praia e em 2021 introduziu uma moeda no valor de 35€ por uma hora de massagem. Estas performances podem ser realizadas pelo próprio ou pelos vários colaboradores que a empresa vai contratando, sendo a massagem realizada pela mãe na última exposição individual Offside Paradiso, apresentada no espaço Mira em 2020 e no ano passado na Bienal da Maia.

 

Vista parcial da exposição Offside Paradiso, espaço Mira, 2020.


Offside Paradiso dividia-se em três momentos: a sala de espera, a área do bem-estar e o espaço de lazer. Na sala de espera encontravam-se jornais de tamanho A1 construídos pelo próprio artista com o título Jornal Trabalho, com questões em torno do mundo laboral, do turismo, da gentrificação, das energias renováveis, entre outras, alguns livros, mesas e cadeiras que tornavam possível assistir mais comodamente ao documentário You’ll always walk alone de quase uma hora no qual Oliveira em câmara subjectiva nos mostra o dia a dia da mãe Maria José. Existe uma grande proximidade, interacção e conversa permanentes, entre quem está à frente e quem está por detrás da câmara, o filho, o artista, que sem grande vontade vai provando os frutos que a mãe lhe oferece directamente das árvores. Ao longo do filme apresenta-nos as alternativas que a mãe foi encontrando para garantir a sua sobrevivência após ter sido excluída do mercado de trabalho devido à idade. Dedica-se ao quintal e à horta, com várias árvores de fruto e outros vegetais que permitem a base da alimentação. O pintar dos matrecos que lhe trazem alguma receita e o cuidado da sua mãe, a avó do artista, que se encontra acamada. É um trabalho despreconceituoso no que à qualidade da imagem se refere, num dizer-se outro, revelando-se e compreendendo-se o próprio artista, ou a pessoa que o artista é, a partir da intimidade com que nos apresenta estas duas mulheres que marcaram e marcam a sua existência.

A tenda / instalação da área de bem-estar, é um trabalho da artista Svenja Tiger, na qual a mãe Maria José realiza massagens em troca das moedas do J. O. Câmbios, ao som de música que vários artistas criaram propositadamente para o efeito.

E, por último, ao fundo do espaço expositivo, encontra-se o espaço de convívio com uma mesa de matrecos, pintados pela mãe, ladeada por puffs que convida a um lado lúdico e vivo, por parte do público que pode optar por jogar, descansar e observar outros jogadores e restante público. Esta exposição, onde se reflecte sobre a cidade, contem rasgos de auto-retrato, uma homenagem e o altruísmo do José que vai extravasando as obras e a vida.

 

Percurso As pichagens políticas de Campanhã, projecto Isto não é Manchester, 2014.

 

Com um carácter exploratório e sensível em torno de Campanhã, uma zona da cidade do Porto que até há pouco tempo se encontrava bastante abandonada, Oliveira criou o trabalho de campo Isto não é Manchester entre 2012 e 2015. É possível, pela paisagem urbana e rural, demarcar a cidade em duas: a zona ocidental que inclui a baixa e a zona oriental que inclui Campanhã. Zona esta que ao longo de anos sofreu um desinteresse e desinvestimento público e privado, que se reflectiu também nos modos e condições de vida de quem a habita. Outrora servira de abastecimento da cidade pela exploração agrícola, onde se foram concentrando agricultores, moleiros e pescadores pela proximidade com o Rio Douro. Ergueram-se casas senhoriais durante o séc XVIII e, no século seguinte, após a guerra e as invasões napoleónicas, foram-se estabelecendo o que são hoje os resquícios de uma industrialização próspera. Na paisagem de Campanhã é ainda hoje possível perceber essa mistura entre o industrial vetusto e as diversas hortas que servem para a alimentação base das populações que aí vivem fundamentalmente em ilhas.

Foi precisamente esta dualidade e, ao mesmo tempo, riqueza e especificidade do lugar que provocaram o interesse para o artista dar a ver um território esquecido e desfavorecido a um nível político, económico, social e cultural. Criou uma série de trabalhos físicos, instalações e um filme, para além das visitas guiadas, ou melhor, os percursos in loco - com os títulos A Estação Ferroviária de Campanhã e a Linha do Minho, As pichagens políticas de Campanhã e O Melhor de Campanhã - Bus Tours - através dos quais o público poderia perceber essa ambiguidade de símbolos, de classes e de modos de viver a cidade. Os dois primeiros percursos realizaram-se a pé. No primeiro atravessava-se, sempre que possível, a linha do comboio, percebendo-se o carril como uma barreira geográfica evidente para quem habitava do lado Este da mesma. Durante a caminhada eram também visíveis os símbolos e a arquitectura que caracterizam este espaço urbano. No segundo percurso Oliveira mediava entre as pichagens e os fantasmas de pichagens procurando perceber e relacionar o seu desaparecimento com o desvanecimento da actividade e participação política populacional. O último percurso dentro de um autocarro, compreendia pontos importantes da freguesia nos quais o artista reforçava a exclusão e deslocamento dos seus habitantes. Tendo como exemplo, o bairro São João de Deus, um caso evidente de gentrificação e uma quase total impossibilidade de participação política e social da sua população na cidade. O bairro que também ficou conhecido como Tarrafal (nome do campo de concentração salazarista cabo-verdiano que funcionou entre 1936 e 1974) serve de título ao filme de 2016 do realizador Pedro Neves. Com apontamentos poéticos mostra-nos a história do bairro, das vidas, do seu quotidiano através da rememoração de alguns moradores - que habitam nas casas mais pequenas, poupadas à segunda demolição que aconteceu em 2008 dos blocos de habitação inacessíveis - dos ex-habitantes e outros errantes que continuaram a viver na área.

 

Spider man, Who is affradi of Spider man, Exposição Financiamento, 2017, OLX.

 

Outro projecto peculiar é a exposição individual Financiamento que José Oliveira apresentou no OLX de 19 de Abril a 17 de Maio de 2017, nas secções Móveis, Casa e Jardim - Utilidades e decoração - Quadros. Como se estivéssemos numa galeria, o artista coloca a fotografia correspondente a cada pintura com a ficha técnica (título, ano, técnica, dimensões) e respectivo preço para a sua venda. A possibilidade de chegar a um público mais alargado é uma realidade, assim como o seu nivelamento que, à partida, não precisa de ser especializado. Encontramos ainda uma correspondência entre o objecto vulgar e a obra de arte. É um transverso do ready-made. Não se traz um objecto do quotidiano para a galeria, volteando-o, mas é a obra de arte que invade o espaço cibernético e comunitário onde normalmente se procura o que se precisa para as necessidades mais imediatas, a um preço mais razoável e, muitas vezes, em segunda mão. Não se pretende uma contemplação e experiência da obra de arte, mas directamente a sua venda. Não se procura expor uma ideia, mas questionar o papel da galeria, o conceito de produção artística, a sua valorização e o estatuto do artista. As telas não permanecerão assim esquecidas atrás de uma porta da casa, ou de uma galeria, porque o artista adopta um outro espaço para as mostrar e se autofinanciar. Outro aspecto importante deste trabalho, é o humor com que somos presenteados na descrição dos trabalhos. Por exemplo, na pintura intitulada 500€ de 2008 na qual se encontram representadas diversas notas de 20€, o artista escreve, “sobre a pintura não há muito a dizer” e “não negociável por motivos conceptuais”. Em Auto-retrato em bocadillos de 2009, onde representa uma parte do bilhete de identidade onde se consegue ver apenas o número, escreve “motivo de venda: financiamento”, “sobre a tela: penso que a tela contem toda a informação necessária, mas podemos combinar um café para falar sobre a mesma. No caso de compra o café está incluído na mesma” e “ainda não sei se o preço é negociável”. Estabelecemos uma ligação imediata com o trabalho J.O. Câmbios e percebemos que são várias as camadas de interpretação daquele trabalho que é muito mais profundo no confronto com a realidade que uma simples piada. O OLX será possivelmente o espaço zero de estatuto artístico, sendo o cerne de todo o jogo conceptual implícito neste projecto. Fica a curiosidade de como terão reagido os usuários desta plataforma, neste caso, o público, desta exposição hilariante, que afinal se for especializado poderá imergir mais profundamente no projecto.

 

Vista parcial da exposição Meia Pensão, galeria do Sol, 2022.

 

Por fim, o novo projecto Meia Pensão inaugurado no passado dia 23 de Fevereiro e que será possível visitar e participar até ao dia 22 de Março na galeria do Sol. Esta residência/instalação foi construída em diálogo com a artista Leonor Parda, a qual ocupa a cave e o primeiro andar do espaço e Oliveira o piso térreo. Existirão ao longo do mês diversas actividades regulares em colaboração com uma série de artistas que, no caso do piso térreo, transformado em café, se desenvolverá em torno de três conceitos: o café trabalho, o café/identidade/mundo e, o terceiro momento, o café futuro. O espaço será ocupado por uma mostra de vídeos na televisão do café, a exposição de alguns trabalhos, serão criados menús e pratos de cozinha, confeccionados específicamente para o mesmo, e irão realizar-se intervenções mais performáticas que incluirão um serviço especial à mesa.

Ao contrário das experiências de Sophie Calle e Iris Zaki em que ambas se imiscuem no mercado laboral para a partir daí criarem o seu trabalho artístico, Oliveira constrói o espaço de trabalho e, também, de convívio na própria galeria. Estamos perante um projecto em aberto, rizomático, um espaço vivo que convida à partilha, à interacção, ao envolvimento. Os espectadores são agentes, os espectadores são inter-actores. Os espectadores não são mais espectadores. Socializamos num momento em que o encontro torna a ser possível e detém um outro significado e importância. Mais do que ver a obra, vivê-mo-la. Somos afectados e nela imprimimos a nossa sensibilidade.

Partilhamos interesses, contextos, hábitos, linguagens, enfim, partilhamo-nos.

 

 

Susana Chiocca
Artista e doutorada em arte contemporânea pela Facultad de Bellas Artes de la Universidad de Castilla-La Mancha (SP). Professora convidada na Universidade Lusófona do Porto e no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra.

 

 



SUSANA CHIOCCA