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INÊS D'OREY / ISAQUE PINHEIRO / JUNA WELSEYBEOGRADE CONCRETE / RESET / ENCOMPASSGALERIA PRESENÇA (PORTO) Rua Miguel Bombarda, 570 4050-379 Porto 18 MAR - 06 MAI 2023 Três em trânsito na Galeria Presença
A mais recente mostra da Galeria Presença propõe a reunião e a convergência de três exposições. Apresentam-se Beograde Concrete (Beogrado Concreto) de Inês D’Orey, Reset (Reiniciar) de Isaque Pinheiro, e Encompass (Abranger) de Juna Wesley, nas salas primeira, segunda e de projeto, respetivamente. Três artistas com distintos discursos, práticas e estéticas, unem-se e consolidam uma ocasião expositiva híbrida e multidisciplinar. Sem escapar a um certo clash (choque) próprio do encontro e do cruzamento de diferentes disciplinas e sentidos, estabelece-se uma coesa e elegante dinâmica entre os trabalhos artísticos. Justifique-se que, sendo as exposições formal e conceptualmente singulares, encontram-se estreitamente interligadas, nomeadamente, pela força da matéria, em específico, o betão capturado pela câmara de d’Orey, o cimento do qual se constituem as telas de Pinheiro, e a mimesis de redes industriais de Wesley. Donde, a articulação entre os três autores e as suas obras trespassa a disposição espacial e sobreleva-se a sua contaminação que se reverte numa mostra una, de elementos vários, mas agregados. A visita à galeria cumpre-se, então, numa cadência imprevisível, porém, harmoniosa. Comece-se por refletir sobre a obra de Inês d’Orey (Porto, 1977), que interpela profundamente aquele que a observa. Assinale-se consistir numa reconhecida qualidade da artista, isto é, atingir e afetar o espectador mediante uma decisiva e íntima aproximação. Tal como a própria dá conta da sua vivência nos espaços que fotografa, há uma “afinidade etérea” que se sente ao receber o seu trabalho. A obra de Inês d’Orey impregna-se e fixa-se naquele que a recebe, tanto quanto no local onde se expõe. É, no entanto, aespacial e atemporal, sobretudo considerando que se inscreve na memória, onde permanece, postumamente, findo o rendez-vous físico. Ademais, o seu trabalho, como é, aliás, próprio da fotografia, trata o tempo, congela-o e imortaliza-o, não comungando da sua efemeridade. Explora, igualmente, o real e o ilusório, o acontecimento e o imaginário, a notícia e a narrativa, diluindo dicotomias e firmando-as, antes, enquanto partes constitutivas de um mesmo universo. Em Beograde Concrete, d’Orey retrata Belgrado, através da sua arquitetura e dos seus espaços simbólicos da identidade da cidade. Expõe edifícios públicos datados de 1946 a 1980, e outros, de habitação ou escritórios, anteriores, de 1918 e dos anos seguintes, coincidentes com a época da Primeira Guerra Mundial, quando se formara a Jugoslávia. Hoje, Belgrado, capital da Sérvia, é uma cidade marcada pela história, o que se reflete na sua disposição, na edificação e, consequentemente, nas fotografias da artista. Recordem-se os bombardeamentos da NATO, durante a Guerra de Kosovo, que, em 1999, atingiram Belgrado. Exige-se sublinhar a particular pertinência deste trabalho face ao atual conflito na Europa, não circunscrito às suas delimitações territoriais, na medida em que ecoa com condições e repercussões planetárias. De modo análogo, o trabalho de d’Orey reverbera. É, precisamente, concreto, direto e, não obstante, sensível e indefinidamente belo. O sentido de rutura e de fricção encontra-se continuado pela obra de Isaque Pinheiro (Lisboa, 1972), que insiste na inevitabilidade da aproximação ao objeto, somente a interromper no instante imediatamente prévio ao toque. Requer-se, igualmente, a sua contemplação dedicada, lenta, penetrante. Em Pinheiro, o sublime emerge através de uma singular e marcante poética que se desvela no objeto artístico conferindo-lhe uma certa aura. Apresenta-se, aqui e agora, um trabalho on going, presentemente em desenvolvimento no seu atelier, através do qual o artista introduz os debates contemporâneos e fundamentais da especificidade do médium e da essência da prática artística, especialmente da pintura e da escultura. Questiona e desafia, igualmente, a natureza das coisas, da imagem e da matéria, a partir de reptos óticos e percetivos, da ilusão e da simulação, cujo resultado é uma interessante experiência estética. Trata-se de um trabalho que examina a subjetividade do processo visual humano e o que isto determina e significa para a recepção da obra de arte. A exposição Reset apela, justamente, a um reinício, relativo tanto à reconfiguração e à reconsideração da arte, como também a repensar a condição humana, o próprio e o outro. Recuperado o fôlego, a obra de Juna Wesley (Minneapolis, 1996) concede o que se requer neste momento final: uma recepção estética leve e delicada, embora estimulante, que anima e cativa. Fá-lo a partir de impressões em relevo azul Klein sobre papel, cada uma ímpar, mas todas visual e formalmente interligadas. En filade, uma após outra, revelam-se em cadeia e expressam-se em uníssono. Embora transcrita numa escala formal e abstrata, é também uma obra biográfica e pessoal. Em suma, é um trabalho introspetivo que perscruta uma circulação transitória, fruto de um aglomerado de memórias, pensamentos e emoções da autora. Aqueles que habitam no seu âmago, no que Wesley apela de “domínio sub-corporal”, emergem, agora, transfigurando-se e materializando-se através da sua criação artística. Deste modo, transferem-se para as esferas da visibilidade, da tangibilidade e da materialidade, a partir das quais se inscrevem no universo do percetível e do experienciável, donde, do esteticamente acessível. Em breve nota final, na medida em que esta ocasião expositiva se firma sob a forma de três mostras, ela diverge de uma coletiva. Esta escolha curatorial, por um lado, destaca a individualidade de cada artista e, por outro lado, como indica a galerista Rita Alves, permite que as mostras se afirmem enquanto entidades autónomas que se relacionam e dialogam umas com as outras. Com efeito, Beograde Concrete, Reset e Encompass são, em si, obras de arte que reclamam o seu espaço e a sua individual Presença. Encontrando-se a Galeria Presença inserida no circuito da Rua Miguel Bombarda, no Porto, integrou as inaugurações do passado dia 18 de março, e permanecerá com as três exposições passíveis de visitar até 6 de maio.
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