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MIGUEL PALMAO mundo às avessas![]() CULTURGEST Edifício Sede da Caixa Geral de Depósitos, Rua Arco do Cego 1000-300 Lisboa 01 JUN - 02 SET 2007 ![]() ![]() A definição de John Welchman assenta-lhe magnificamente bem. O corpo de trabalho que Miguel Palma (1964) dá actualmente a ver na Culturgest de Lisboa confirma-o como “uma espécie de engenheiro ou para-mecânico contra-utópico”. Comissariada por Miguel Wandschneider num contexto programático que privilegia a apresentação monográfica e sistemática da produção de artistas portugueses contemporâneos, a exposição reúne onze peças cirurgicamente seleccionadas da globalidade do seu percurso artístico, ousando declarar o marco histórico da sua consolidação. Dentro da década que o viu construir um papel social e politicamente interventivo e o consagrou um dos seus protagonistas geracionais, 1993 é o ano da materialização seminal de “Olho mágico” e “Engenho”, obras aqui determinadas como indicadores fundamentais do seu imaginário futuro e do seu lugar actual na contemporaneidade. Aurática e asséptica, a exposição estabelece uma relação paradoxal com o método intuitivo, experimental e laboratorial de Palma e com a qualidade trasher dos materiais que convoca. As obras de dimensão monumental seleccionadas induzem uma leitura unívoca que o percurso de Palma não tem. O seu carácter institucional sacrifica obras isentas de peso mediático que são fundamentais para uma leitura de conjunto do seu trabalho. As salas de obra única definem uma lógica expositiva mainstream que se permite, ironicamente, a uma auto-crítica consubstanciada nos fundamentos conceptuais do trabalho exibido. A situação de “Património” (2002) é paradigmática. A colocação no átrio de acesso às galerias da Caixa Geral de Depósitos da cópia kitsch restaurada de um jarrão Imari do século XVIII, que Miguel Palma deliberada, programatica, absurda e obsessivamente destrói e reconstrói, rodeado de meios técnicos altamente especializados e dispendiosos, estabelece um fecundo e crítico diálogo com o sentido político e a estética decorativa do próprio edifício. A ausência do vídeo realizado por Paulo Mendes a propósito da acção fundadora da obra para a exposição individual de Miguel Palma no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra é uma oportunidade perdida para a convocação, ainda que explicada em texto, das relações de profunda intimidade entre obra e contexto de produção, tão estruturais no trabalho de Palma. “Cofre Com Mil Contos” (1994) marca, justamente, a abertura do percurso expositivo nas galerias. O título determina a descrição física exacta da metáfora-manifesto crítico do sistema mercantilizado da arte contemporânea. Questões como a legitimação, a consagração, a artisticidade, o valor, a economia, a raridade, a segurança ou o coleccionismo, são contundentemente colocadas nesta obra, a mais determinante e mediática deste programa político específico. São, no entanto, as máquinas ou maquinismos disfuncionais que operam resultados deliberadamente excessivos ou insignificantes, que mais seduzem. A espectacularidade que encenam, frequentemente coadjuvada por ruídos quase ensurdecedores e temporizadores funcionais, surpreende e obriga à atenção involuntária do espectador. Assim acontece na incrível destrutividade consumista de “Peneira” (2000) ou da inútil turbulência de “Gerador” (1999). O valor de desperdício dos materiais tecnológicos, conjuga-se com o próprio desperdício de tempo e energia na sua reciclagem implicado. A resolução objectual dos brinquedos conceptuais, simultaneamente lúdicos e cínicos, projecta um imaginário profundamente individual e criativo. O mundo reconstruído de Miguel Palma é uma proposta de uma realidade alternativa e “contra-utópica”, fundada na falência dos valores gestacionais do progresso da modernidade, traduzida em terno e simultaneamente negro sorriso. “Engenho” (1993) é a visão ironicamente declarada triunfalista dessa modernidade. O monolugar construído à escala natural e performativamente utilizado por Palma é a sua obra mais mediática. O culto nostálgico, estético e fetichista do automóvel e da velocidade é a recorrência mais evidente e transversal do seu trabalho e a ela se ligam cerca de uma vintena de trabalhos entre performance, fotografia, instalação e vídeo. O modelo miniatura do SEAT amarelo que solitária, lenta, labiríntica e interminavelmente circula a “2,5 Km a 100 à hora” (2001) numa pista eléctrica, funciona em simultânea continuidade e oposição ao primeiro. A ecologia surge necessariamente como um vector fundamental do campo de pesquisa experimental do trabalho de Palma. A viciosa e progressiva degradação das condições de vida no planeta justifica uma série muito particular de trabalhos realizados durante a década de 90. “Ecossistema” (1995) e “Carbono 14” (1998) são exemplos de maquetas de micro-cidades estratificadas (algumas incubadas com sistemas fechados de ventilação incorporados), realizadas à escala de complexos brinquedos, que dão corpo a estas preocupações. Disposto sobre um “Tapete Voador” (2005) persa manufacturado no Irão, um banco ejectável do cockpit de um caça americano simula a disposição convencional de uma sala de ambiente civil. Evidente paródia a Carpet bombing, estratégia militar aqui convocada, a obra denuncia a contradição e o absurdo da guerra, crítica igualmente patente na órbita belicista delineada por “Little Boy” (2007), a mais recente obra exposta. Os inventivos, demolidores, exaustivos, inúteis, complexos, desconcertantes e fantasiosos circuitos maquinais de Miguel Palma dialogam com o tempo que passa. Engenheiro do tempo perdido, apropria-se e subordina os objectos a uma ludicidade construída num registo proto-infantil que comove e perturba. Sonhador, multifacetado e habilidoso Gepetto (assim auto-denominado no vídeo “Pinóquio” ausente da exposição), Miguel Palma assume simultânea e subversivamente papéis tão diversos como os de arquitecto, maquetista, escultor, designer, artista, engenhocas ou engenheiro. A evidente semelhança fonética entre engenhoso (ingenious) e ingénuo (ingenuous) (ver Jorge Calado in cat. “INGenuidades”), permite a resolução do problema. “Ingenuidade é a condição da pessoa que nasceu livre, que nunca foi escrava”. Acresce ainda genuíno, genial e generoso. Assim é o trabalho de Miguel Palma. ![]()
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