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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Nazarbazi @ João Brites


Nazarbazi @ Filipa Almeida


Nazarbazi @ Filipa Almeida


Nazarbazi @ Filipa Almeida


Nazarbazi @ Filipa Almeida


Irani Bag @ João Brites


Irani Bag @ Filipa Almeida


Codenames (ongoing) @ João Brites


She Shuttered @ João Brites


Mahmoud Darwish: In the Presence of Absence e Is the impossible distant? @ João Brites

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MARYAM TAFAKORY

WHICH PAIN DOES FILM CURE?




SOLAR - GALERIA DE ARTE CINEMÃTICA
Solar de S. Roque Rua do Lidador
Vila do Conde

12 JUL - 30 AGO 2025

CONTRAFEITIÇO VISIONÃRIO

 

 

Maryam Tafakory foi a realizadora convidada deste ano para o festival de Curtas de Vila do Conde e a sua exposição “Which pain does film cure?” está patente na Galeria Solar até 30 de Agosto.
Nascida e criada no Irão, Maryam vive entre Londres e Shiraz. Inicialmente formada em engenharia informática, desistiu deste percurso para se dedicar às artes, tendo realizado um mestrado em Oxford e um doutoramento na Kingston University, ambos em belas artes.

Tafakory é uma artista visual que faz colagens textuais e cinematográficas reunindo poesia e material de arquivo. Trabalha políticas da memória e de resistência através de filmes-ensaio experimentais onde tece imagens anacronicamente, para falar daquilo que não pode ser mostrado, num Irão profundamente reprimido e censurado pelo estado. Fala daquilo que não se vê, do proibido e do oculto, revelando deliciosamente o seu desejo inerente.

Em Tafakory, a figura feminina do cinema iraniano pós-revolucionário transforma-se e ressurge como um tema central, em constelações de imagens poéticas e eroticamente tensas. 

Pratica o “storying otherwise” de Donna Haraway como ferramenta de inscrição da resistência diária de mulheres e corpos queer que nunca podiam aparecer nos ecrãs do cinema iraniano. Enfatizando os códigos de modéstia e censura do governo, monta possíveis e plurais ressignificações que abrem horizontes iluminados de força e potência. Re-imaginar, re-significar, re-configurar como ferramentas para a libertação — relembrando o gesto de acenar o hijab de Vida Movahed.

Um desejo transformado em ethos contra o poder — destruí-lo, dobrá-lo, redirecioná-lo.

Ao sobrepor, repetir, desfocar e inverter, em gestos poéticos e políticos, Tafakory questiona heranças estéticas-estáticas e institucionais, deslocando a nossa atenção para as complexidades e cumplicidades ocultas nas imagens. Como escreve Daniel Ribas, a sua montagem audaciosa, torna brilhante aquilo que a censura tentou ocultar. [1]

Cria espaços novos para o afecto, participando do movimento diferenciador implicado na temporalidade não determinista, como nos diz Silvina Rodrigues Lopes no seu texto “Defesa do atrito”. [2] O seu anacronismo é um portal aberto para lá do tempo. Ao contemporizar torna(-nos) contemporâneas (a) estas imagens. 
Para Didi-Huberman, no seu livro “Quando as imagens tomam posição”, em que explora um pensamento da montagem e dis-posição a partir da obra de Bertold Brecht e do pensamento de Walter Benjamin, a montagem é o procedimento que permite abrir as imagens à sua própria descontinuidade histórica.
Para o Curtas de Vila do Conde, além da exposição e da apresentação de alguns dos seus filmes, reuniu um programa de todo o Médio Oriente: “obras que não procuram explicar nem traduzir. Foram feitas com a urgência de falar.” [3] ; filmes que, assim como vejo os dela, não reproduzem, não representam — excedem.

As peças presentes na exposição, dispostas simplesmente, sem qualquer aparato e despidas na grandiosidade e generosidade do seu cinema, fazem parte de um trabalho que começou em 2017 com o seu doutoramento, e questionam todas o mesmo: “Como falar daquilo que é invisível?”; ou ultrapassar o invivível e começar a viver. 

Além das imagens, os textos e o som dos seus filmes são também ferramentas incontornáveis. Escrevendo em inglês e farsi, da esquerda para a direita e da direita para a esquerda, envolve e abraça a tela com fragmentos de textos seus e extraídos de autores pós- estruturalistas franceses como Roland Barthes e Jacques Derrida ou poesia iraniana moderna de Nima Yushij e Forugh Farrokhzad. 
Cria texturas sonoras complexas, abafadas e sensuais, entre o som da água libidinosa, a repetição de suspiros e murmúrios e um fósforo que se acende na escuridão. 

Em Nazarbazi, um filme belíssimo com um ritmo viciante, Tafakory fala-nos do desejo através de fragmentos de filmes com os quais cresceu, mas que sente que a traíram. Neste jogo de olhares (uma das traduções do título) há um desfragmentar que faz o filme explodir por dentro. O vermelho que mergulha a tela lembra-nos que “só o sangue é rasto visivel do que desapareceu  — o afecto”.[4]

Momento central do filme é aquele em que uma enfermeira está prestes a colocar um pedaço de pão na boca de um soldado ferido e vendado. É uma cena retirada do filme “Sheida” (Kamal Tabrizi, 1999) conhecido por ter arriscado falar de amor nos ecrãs iranianos naquela altura. A tensão latejante tem uma carga erótica e vital fortíssima.

Irani Bag, na verdade uma introdução a Nazarbazi, é um filme mais didático e explicativo. Aqui, Maryam explora o papel dos objectos como mediadores do toque proibido, autênticas próteses para o tacto, sob os olhos de um governo que observa e controla. Mostra-nos como na verdade a censura faz o oposto daquilo que tenta fazer, tornando o desejo ainda mais evidente. Aquela viagem de mota, ao vento, a partilhar uma maçã torna-se extraordinariamente sensual.
Talvez aqui importe referir que uma das razões para Maryam utilizar imagens de arquivo se deva ao facto de ter sido proibida de filmar imagens suas — a prova de que as forças de querer dizer, todas as forças criadoras, são mais fortes do que qualquer censura. O que importa realmente fazer é feito.

Em Codenames (ongoing) Maryam usa as ferramentas do seu background em performance para criar iterações e ramificações vivas de um trabalho sempre em construção — as imagens que vamos vendo também noutros trabalhos deixam um rasto surpreendente e fazem-nos viajar. Entre a dor e o dom. 
O loop de 6 minutos em She Shuttered fala-nos de um momento subtil ao qual é preciso prestar mais atenção —  “a woman trying to say no without being allowed to say no” pelas palavras de Maryam. Testemunhamos um momento de hesitação e um olhar que contêm o poder de mudar tudo.    

Na última sala da exposição, as duas telas completam-se mutuamente.
Num lado temos um vídeo de Mahmoud Darwish, poeta e escritor palestiniano, e no outro temos a carta de um amigo de Maryam, Mohamad Golabi (com quem partilha os créditos da peça) a explicar-lhe o porquê de lhe ter enviado o mesmo vídeo uns meses antes, após a morte de uma pessoa amiga num protesto no Irão e depois do movimento “Woman, Life Freedom” irromper. Este foi um “movimento de que os meios de comunicação e instituições culturais ocidentais se apropriaram, para encobrir a sua cumplicidade com as mesmas estruturas de poder que dizem criticar. “Mulher, vida, liberdade”, tornou- se a posição política mais lucrativa e confortável no Ocidente para aqueles que optam por permanecer em silêncio enquanto crianças, mulheres e homens palestinianos são queimados vivos.” [5]
Tendo crescido com uma memória colectiva de guerras cíclicas, ambos (Maryam e Mohamad) tecem esta paisagem visual expandida a partir de uma exigente posição diaspórica.

“Uma guerra que começou este ano. Uma guerra que começou no ano passado. E outra há quatro anos. Depois daquela de há catorze anos. E a de há vinte e quatro anos. E a de há quarenta e dois anos, que durou oito anos, ainda que só no papel. E, claro, a de há quarenta e quatro anos, depois da qual houve uma guerra todos os dias.” [6]

 

O vídeo de Darwish e a carta entrelaçam-se, reflectindo sobre futuros possíveis depois de um passado e de um presente destroçados. Como lidar com uma história que está a ser apagada?

“This is why, in the restless days for both of us in the year oh Zhina’s death” — escreve, explicando lhe o porquê de lhe ter enviado o vídeo — um motor de reflexão conjunta perante o desafio que carregam — “so that perhaps, with its help, we could reflect on our shared, impossible path.” [7]

Perante um mundo onde o silêncio é visto como diplomacia e um genocídio é chamado de conflito ou crise, como fazer cinema? Como viver? Um mundo “onde o artista é bem vindo desde que nao perturbe o espectáculo e desde que o negócio continue como de costume.”  [8] 

O cinema de Maryam é de arquivo, mas é sobretudo um cinema do futuro. Nao o fixo, mas o que está em devir. Perante a perda do mundo, encontrarmo-nos numa comunidade fundada no impossível do comum. Encontrar uma força e ser por ela deformado. Como diz Eleonora Fabião: “ não há regra, não há régua, há égua!” 
Descolando e deslocando, aprender a v(iv)er.

As suas imagens, na sua aparição e desaparecimento, são fogo que se move sobre a água. Um contrafeitiço visionário.
Não me esqueço da última frase do texto de Maryam, em que cita Toni Morrison: “ Este é precisamente o momento em que os artistas vão trabalhar.” [9] 

Não ter outra coisa a fazer. Transformar a vida, ou não fazer mais nada. 

 

:::

 

Filipa Almeida (1996) é artista visual multidisciplinar e curadora independente. Licenciada em Ciências da Cultura e Comunicação, com pós-graduação em Curadoria e Mestrado em Práticas Tipográficas. Destacam-se as exposições Algo se mexeu (2022) Toshiba Dreams (2023) e Bestiário Subterrâneo (2025). Explora a interseção entre curadoria, edição e artes visuais, acreditando que estas disciplinas se complementam mutuamente, numa contínua tensão/extensão.

 

 

Notas

[1] citação retirada do texto-carta escrito por Daniel Ribas no livreto da exposição
[2] LOPES, Silvina Rodrigues. Literatura, defesa do atrito. Lisboa: Edições Vendaval, 2003, p.139
[3] citação retirada do texto de Maryam Tafakory no livreto da exposição.
[4] citação retirada do texto-carta escrito por Daniel Ribas no livreto da exposição 
[5] citação retirada do texto de Maryam Tafakory no livreto da exposição.
[6] parte de texto usado para sinopse da peça codenames
[7] excertos de texto retirados da peça Is the impossible distant?
[8] citação retirada do texto de Maryam Tafakory no livreto da exposição
[9] Ibid

 



FILIPA ALMEIDA