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DO REMEMBER, THEY CANT CANCEL DAVID HOCKNEY![]() CLÁUDIA HANDEM2025-07-30![]()
Sobre David Hockney 25, Fondation Louis Vuitton, Paris
Escusado será dizer que a exposição David Hockney 25, patente na Fundação Louis Vuitton em Paris, até 31 de Agosto, é a sua maior de sempre, reunindo cerca de 400 obras de 1955 até 2025, provenientes de coleções privadas, instituições museológicas, e acervo do artista. Um esforço notável que compreende um arco temporal de 70 anos de dedicação à prática artística, mas que se concentra essencialmente nos últimos 25 anos, não podendo ser considerada uma retrospectiva verdadeiramente dita. A exposição está organizada em 6 secções principais, começando por seguir o artista desde a sua cidade-natal - Bradford - até Londres-Paris-Los Angeles (1ª secção - 1955-1998), antes do seu regresso ao Yorkshire (2ª secção - 1997-2013) e à estadia na Normandia (4ª secção - 2019-2023). No entremeio, dá-se destaque aos retratos de estúdio e às cenas de interior (3ª secção - 2000-2025). A 5ª e 6ª secções estão reservadas à sua relação com a história da arte e da pintura, prestando homenagem aos artistas/mestres a que se sente filiado (5ª secção), e à sua relação com a música e o teatro, onde concebe para a maior sala da fundação, uma instalação imersiva com som e movimento de cenários e figurinos desenhados para óperas (6ª secção). Da tradicional pintura sobre tela (silenciosa) à animação digital (musical), Hockney oferece-nos um festim, uma celebração da vida à qual não acreditava que assistiria após os dois anos de preparação da mostra. Quem a viu, que se ache um sortudo:
David Hockney, "Portrait of My Father", 1955. Oil on canvas, 50.8 x 40.6 cm. © David Hockney. Photo Credit: Richard Schmidt / The David Hockney Foundation
A primeira secção começa com Portrait of My Father (1955) que pintou aos 18 anos, idade que marca o início da vida adulta e a partir da qual Hockney se aventura nos temas, na linguagem pictórica e na média escala, com uma diferenciada sensibilidade pop para o desenho e pintura. Reconhece-se os indícios: a apropriação de imagens da história de arte, a tendência pictórica para a criação de espaço, o retrato, a paisagem, a cor, o reconhecimento da sua homossexualidade. O anúncio dos duches com homens nus (ex. Boy about to Take a Shower, 1964-1969) é o convite para a próxima sala, a do calor da Califórnia e das míticas pinturas de L.A, para onde se muda em 1964. Estão presentes A Bigger Splash (1967), Portrait of an Artist (Pool with Two Figures) (1972) - a pintura mais cara de um artista vivo, vendida em leilão -, os retratos duplos de Mr. and Mrs Clark and Percy (1971), e de Christopher Isherwood and Don Bachardy (1968). E podia continuar a nomear as pinturas desta divisão (a minha preferida foi The Room,Tarzana (1967), uma pintura que não conhecia e que, talvez por isso - sem ter uma reprodução mental para comparar - tenha experienciado a pintura genuinamente). Apesar desta secção fazer as delícias a qualquer visitante, - pois é uma oportunidade única ver este conjunto emblemático que, dificilmente, se verá noutro contexto semelhante e próximo - as pinturas reunidas servem mais para mapear, de forma genérica, um percurso geográfico e visual dos seus temas prediletos, do que para dar a conhecer a obra deste período. O tão esperado início expositivo peca por serem poucos os trabalhos expostos, quando existe uma extensíssima obra nos hiatos temporais entre eles. Nada em Hockney é pontual, tudo é uma preocupação constante e multiplicada, o que nos fez estar preparados para a abundância que prescreve e que aqui não existe dado o compasso de 43 anos. A passagem do erotismo dos corpos e da temperatura saturada refletida nas paredes vermelhas desta primeira secção, é substituído pelo ar fresco das paisagens verdejantes do Yorkshire e sente-se o salto entre o Hockney de 30-40 anos e o de 60. A gradual mudança de território fá-lo levar a luz e a cor da Costa Oeste dos EUA para o norte de Inglaterra. Inicia-se a ode às estações do ano e ao género da paisagem. Desde que Hockney se apercebeu da chegada da Primavera em 2002, em Londres, quando se dirigia para o atelier de Lucien Freud, tem vindo a pintar a passagem das estações e dos dias, nas suas constantes variações (séries The Arrival of Spring) e inspirado por pintores como Constable, William Turner, Monet e Van Gogh. Mas Hockney não pinta apenas paisagens. Hockney e a sua obsessão pelo ato de ver fá-lo ser detentor de um conhecimento profundo da história das imagens, e sabe conciliar os meios tradicionais da representação pictórica com os mais recentes e tecnológicos, combinando-os para conseguir capturar cada variação formal e lumínica nos mais diferentes meios e escalas - a carvão, caneta, aguarela, acrílico, óleo, no digital do iPad, ao ar livre ou em estúdio, mapeando as imagens através da fotografia e vídeo. A gigante pintura Bigger Trees near Warter or/ou Peinture sur le Motif pour le Nouvel Age Post-Photographique (2007) é disso exemplo: é composta por 50 telas pintadas in situ, por observação directa, durante 6 semanas, o que também coloca sobre a mesa a problemática temporal e sazonal do que é representado. Esta pintura transporta o observador para um ambiente envolvente que desafia a escala e a nossa noção de espaço e perspetiva. O uso de ferramentas como o Photoshop e o iPad deram origem à realização dos 220 desenhos da Normandia durante a pandemia do Covid-19 em 2020, em que explora a panóplia de pincéis e a construção por camadas editáveis, além de que o tempo de execução é mais acelerado. Na exposição, grande parte dos desenhos são impressos sobre papel, numa escala maior que o ecrã, o que permite re-avaliar os pontos positivos e negativos do digital. As sobreposições de mancha e linha são controladas com mestria por Hockney o que, ao primeiro olhar, podem ser confundidas com uma pintura tradicional. Mas rapidamente se percebe que é uma imagem lisa, sem a textura e as nuances da pintura, mesmo assim com maior profundidade do que uma fotografia. No entanto, graças à luminosidade do ecrã, Hockney foi capaz de se introduzir nas paisagens nocturnas, sem nunca deixar de parte a pintura em acrílico. Paisagens do luar são apresentadas numa sala escura, em grande e média escala, criando uma relação subtil entre os dois media, mesmo que diferenciada. O compromisso com a natureza neste primeiro quarto de século em que Hockney passou em Inglaterra e França, não impediu o regresso ao seu estúdio em L.A. para retratar família, amigos e visitas, atividade que continuou também na Europa. A seleção que se mostra junta trabalhos em diferentes técnicas, sendo os mais icónicos aqueles cujo fundo se divide em tons de azul turquesa. Recentemente, Hockney tem optado por manter o fundo branco, sem qualquer enquadramento espacial, salvo a representação da cadeira/poltrona ou de uma moldura rectangular. Não obstante, os retratados são alvo da mesma atenção com que pinta uma paisagem, mesmo que os mais recentes sejam de pincelada mais solta. A sua capacidade de desenho é formidável, e é pena que a quantidade de desenhos expostos (falo daqueles feitos por materiais riscadores) não iguale a das pinturas. Chegando ao último piso da exposição dedicado às influências de David, senti que até aqui, existiram momentos em que houve demasiado para ver - são, ao todo, 13 salas expositivas, com bastante informação visual. Esta estratégia, como referi anteriormente, não surpreende vinda do entusiasmo de Hockney e é sinónimo da sua enorme curiosidade pela beleza do mundo e pela forma como o podemos representar bidimensionalmente. Hockney é, no fundo, um artista de ambições clássicas que pensa os mesmos temas que pensaram Rembrandt ou Matisse, Ingres ou Picasso, Corot ou Monet. Questões simples e, por isso, intemporais, eternamente irresolúveis.
David Hockney, "After Munch: Less is Known that People Think", 2023. Acrylic on canvas, 48 x 72". © David Hockney / Photo Credit: Jonathan Wilkinson
A representação da realidade que se vê diante de si num plano bidimensional, em qualquer medium, é por si só uma tarefa ‘impossível’, que convoca sempre dificuldades e dúvidas. É esse o encantamento da arte em Hockney, suponho, quando a dificuldade se transforma em alegria: “Art should be about joy”, proclama. Segundo ele, há artistas que o conseguiram e que ele faz questão de inserir no The Great Wall (2000), um mapa visual das suas referências de artistas que acredita terem utilizado os conceitos da óptica e mecanismos de projeção de imagens para produzir desenhos e pinturas em tempo real. Tal teve um peso tremendo na história das imagens e na forma como Hockney ainda aprende a ver e a criar arte, subscrevendo nas últimas duas pinturas da exposição a máxima de que “sabe-se menos do que as pessoas pensam” (After Munch/After Blake: Less is Known than People Think (2023-2024)). As imagens sabem mais e melhor que nós, não é verdade?
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