|
ISABEL MADUREIRA ANDRADE E PAULO BRIGHENTIOUTRAS VOZES![]() 07 DEZ - 21 FEV 2020 ![]() ![]()
Ao jeito de site specific tecidos suspensos seccionam o espaço — como véus semi-translúcidos e cambaleantes, estabelecendo o jogo entre a visibilidade e a invisibilidade — convidando à intromissão do espectador para o simples acesso do conjunto… À sua volta, pedras são erguidas ou justapostas, uma coluna de barro e ferro faz-se também erigir acompanhada de parte da sua matéria bruta, como se o seu processo de execução tivesse sido abruptamente interrompido… Nas extremidades encontramos, pois, a pintura, a ação privada de cada um dos artistas confluindo para este centro heterogéneo onde as vocalizações encontradas (dando continuidade à metáfora pelo título da exposição sugerida) são profundamente pictóricas.
Se no trabalho da jovem artista a voz pictórica resulta numa imagem total, completa, assente na grelha e nos vários padrões provenientes de registos do quotidiano que se fazem repetir compulsivamente e de forma tão ordeira quanto a mão permite — instaurando, na verdade, pela não-narrativa e não-representação, dentro da sua comunicação específica, uma zona de silêncio (ou do quase inaudível) à semelhança do assinalado por Sontag[1]; já na obra de Brighenti ela surge frequentemente como o espaço da convocação de memórias, de vivências, por meio da sugestão ou da enunciação de certos elementos e ambientes… Dentro da salutar imprecisão do género (paisagem ou vanitas? — pouco importa) a voz pictórica em Brighenti é aquela onde a contemplação passa do estado de silenciosa quietude para retomar a latitude entre a subtil sonoridade e o arrebatamento — o rumor — na qual observamos a reabilitação da correspondência entre representação (ou imagem) e motivo representado.
Vista da exposição Outras Vozes. Fotografia cortesia Paulo Brighenti.
Estas duas abordagens encontram como fundo comum não só a pintura e a sua instituição enquanto realidade visível, como também a concentração na substância germinal que lhe dá origem — a matéria. Ambos os artistas elegem o momento anterior à pintura como mote da sua própria execução: esse momento em que a obra em potência se faz anunciar entre as coisas… É no caos matérico — ainda coisa e ainda nada — que se descobre o por vir, a forma, a composição, a obra. Naturalmente, este mesmo diálogo com a matéria ressalta na dimensão colaborativa, tão presente nesta exposição. É com ele que conjuntamente se encontra a fissura que traz o invisível para o visível, o indizível para um certo grau de comunicabilidade. À semelhança do que podemos constatar na modelação do discurso, as muitas ações aqui envolvidas, tanto na pintura como na escultura/instalação, foram sujeitas a um processo de proposta e revisão, de avanços e recuos. Torna-se sensível que cada parte constituinte resulta deste processo modelar em que se reúnem duas subjetividades: dois pares mãos que precipitaram a pintura com o tingimento dos panos e a mancha na parede, que moldaram o barro em torno de uma viga, que desmancharam, refizeram e recontextualizaram parte de um muro… As “outras vozes” que aqui constatamos resultam, assim, de uma relação dinâmica em que as vozes primeiras ganham sentido na voz do outro, como uma conversa formando-se ao seu ritmo, presa a uma sucessão e troca de pareceres, de gestos e até mesmo expressões, consubstanciadas em obra e no âmbito da pura visibilidade.
Andreia César
Notas [1] Sontag, S. (1967), The Aesthetics of Silence, Aspen, 5+6, §VII-§XI
:::
Projecto em parceria Sindicato dos Pintores e O Armário.
![]()
|
