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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição. © António Jorge Silva / Cortesia Galeria Municipal de Almada


Sérgio Carronha,Sol e Lua (2021). Cimento armado policromado. © António Jorge Silva / Cortesia Galeria Municipal de Almada


Sérgio Carronha, Aries (2021). Xisto gravado pintado. © António Jorge Silva / Cortesia Galeria Municipal de Almada


Sérgio Carronha, Sem título (2021). Xisto gravado. © António Jorge Silva / Cortesia Galeria Municipal de Almada


Sérgio Carronha, caderno de campo, esboços, desenhos, calendário biodinânico e bússula. © António Jorge Silva / Cortesia Galeria Municipal de Almada


Sérgio Carronha, Crescente (2021). Mármore e cimento. © António Jorge Silva / Cortesia Galeria Municipal de Almada


Sérgio Carronha,Crescente (pormenor). © António Jorge Silva / Cortesia Galeria Municipal de Almada


Vista da exposição. © António Jorge Silva / Cortesia Galeria Municipal de Almada


Vista da exposição. © António Jorge Silva / Cortesia Galeria Municipal de Almada


Sérgio Carronha, Sem título (2021). Cimento policromado. © António Jorge Silva / Cortesia Galeria Municipal de Almada


Sérgio Carronha, Alinhamento #1 (2021); Alinhamento #2, 2020; Alinhamento #3, 2021. © António Jorge Silva / Cortesia Galeria Municipal de Almada


Sérgio Carronha, Sem título (2016). Xisto de Alandroal. © António Jorge Silva / Cortesia Galeria Municipal de Almada


Vista da exposição. © António Jorge Silva / Cortesia Galeria Municipal de Almada


Sérgio Carronha,Sem título (2021). Mural, pigmento e óxidos s/parede. © António Jorge Silva / Cortesia Galeria Municipal de Almada

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ARQUIVO:


SÉRGIO CARRONHA

COMPOSIÇÃO PARA UM ESPAÇO COM BASE NAS ESTRELAS E PLANETAS




GALERIA MUNICIPAL DE ALMADA
Av. Nuno Álvares Pereira 74A, 2800-177 Almada


17 JUL - 16 OUT 2021

Ética e Infinito - Sobre Composição para um espaço com base nas estrelas e planetas de Sérgio Carronha

 

 
Existe um movimento que parece alojado numa memória que não possuímos.

Poderíamos designá-la memória material - aquela que verificamos por via da experiência das linhas de um rasto; os desenhos que compõem os estratos do solo; as marcas inscritas nas rochas; ou o testemunho a que acedemos desde há milénios -, a herança partilhada da biodiversidade com a qual convivemos.

A experiência da terra, viver com ela, permite-nos ainda - sublinhando a urgência no tom das reflexões Guy Debord em La Planète malade (2004) [1] -, aceder a um dado precioso: o de que existe uma desordem - ao nosso entendimento -, que se regula a si mesma, sem as nossas mãos. Essa desordem, à qual chamamos Natureza, persiste numa circulação de intensidades e de forças, aquilo que é para nós, em muitas ocasiões, misterioso. E há que conviver com isso.

 

TENSÃO / EXTENSÃO

A tensão gerada por qualquer coisa que é da ordem do desmedido, se quisermos, sublime, e qualquer coisa determinada por uma exactidão física, matemática, próxima e precisa, parece ser uma das questões lançadas por Sérgio Carronha em Composição para um espaço com base nas estrelas e nos planetas.

Sediado em Montemor-o-Novo, o artista trabalha há quatro anos num terreno no qual tem vindo a descobrir as dinâmicas profundas da terra, as tensões que a regem e que oscilam entre a exactidão e o infinito.
Fruto da atenção ao enigmático funcionamento da Natureza, a exposição patente na Galeria Municipal de Almada, traz ao espaço uma proposta que resulta da intersecção entre o que é dado pela Natureza, a terra e o seu potencial «desterritorializador» e «reterritorializador», usando as palavras de Deleuze e Guattari, e aquilo que é feito pelas mãos, um regime artificial que sedimenta camadas sob essa desordem natural.

 

ESPAÇO / ALINHAMENTO

Falemos do espaço e dos alinhamentos nele produzidos.

A exposição é o resultado de um exercício de mapeamento carregado de linhas, círculos e paradoxos, a começar pelo facto de que acedemos a estas peças no interior de um espaço artificial.

Carronha trouxe para a galeria um exercício de composição espacial site-specific, baseado na investigação e experimentação da terra que leva a cabo no terreno em Montemor.

A constatação de que existe uma taxa de sucesso nas plantações, e que esta depende da posição dos astros, cria um vácuo no nosso entendimento. Existem zonas às quais não acedemos através da razão, e se o encontro entre os ciclos lunares e a escolha de determinada espécie a plantar, dita o sucesso da plantação, a razão em tudo isso é um vazio, ou porventura, infinita.

À entrada da galeria, no piso superior, encontramos a sugestão de uma órbita na qual corpos celestes (Vénus; Marte), trabalhados em mármore e em calcário, se conjugam com a influência solar que desenha o mapa do zodíaco (Gémeos; Aries), uma espécie de prelúdio das forças e orientações que agem no piso inferior da galeria.

Ainda nesta zona, ao centro, um círculo em cimento completa a órbita que vemos ser formada pelos planetas. O círculo começa a desenhar-se respeitando o espaço da galeria, mas também, a própria terra e os seus ciclos. A órbita estaria incompleta sem o dia e a noite (Sol e Lua).

 

MATÉRIA / LUGAR

O dia e a noite, o longe e o perto. Percorremos o círculo do piso inferior, sob a influência da Lua (Crescente, mármore e cimento). A disposição das peças cruza-se com as contingências que o artista experiencia no terreno e a influência dos astros e do calendário lunar.

Partindo de uma matriz circular, com uma morada longínqua - tão longe que a distância são anos -, é notória a atenção prestada às matérias utilizadas nas peças e as suas respectivas geografias.

A especificidade dos lugares de onde as matérias são provenientes parece subverter o efémero e veloz tempo presente: Sem título I, xisto de Alandroal; Alinhamento #1, mármore de Pardais, cal e cimento; Sem título, escória (Guadiana/Serpa) e cimento.

O consumo massificado a que assistimos na contemporaneidade oblitera a origem dos objectos e dos produtos, aquilo que Marx designou como «fetichismo da mercadoria». A origem dos objectos aos quais acedemos permanece desconhecida por detrás do véu alienado do acesso rápido, para o qual as tecnologias muito têm contribuído, num movimento de aceleração exacerbado, exaltando a sedentariedade, e em última análise, a perda de experiência, algo diagnosticado por Walter Benjamin em Experiência e Pobreza (1933): “Ficámos pobres. Fomos desbaratando o património da humanidade, muitas vezes tivemos de empenhá-lo por um centésimo do seu valor, para receber em troca a insignificante moeda do «atual». À porta temos a crise económica, atrás dela uma sombra, a próxima guerra.” [2]; “Na verdade, de que nos serve toda a cultura se não houver uma experiência que nos ligue a ela ?” [3].

Actualizando uma das expressões de Benjamin nesse texto [4], no qual lamenta o vazio que a guerra provocou no humano, mas igualmente, o preço que pagamos pelo galopante desenvolvimento da técnica, poderíamos questionar-nos sobre se haverá hoje quem saiba em que direcção o vento sopra, ou em que ponto o sol se põe, pela via da experiência mediada pelo espaço ocupado pelo ar, o corpo lançado ao tempo, e os pés à terra.

 

CIMENTO / MEMÓRIA

Interrogar-se sobre os detalhes de determinado objecto, a sua origem e qualidades, um trabalho próximo da arqueologia, fundado num exercício de observação e proximidade, feito de passos e de poeira, mas também das mãos e do tacto, é chegar perto do modo de viver de Sérgio Carronha e do contexto implicado na génese das suas peças.

Ao falarmos de uma exposição carregada de energias telúricas, notamos a existência de um material que desalinha essa carga. Observamos que o cimento é uma das matérias com maior presença na exposição, (Alinhamento #7, quartzo e cimento; Alinhamento #8, mármore e cimento; Alinhamento #9, mármore e cimento).

Convocando uma imagem alojada num substracto antigo da memória, a lembrança do tempo no qual a paisagem nua foi ocupada por estruturas de cimento - o material que hoje serve de base para algumas peças; ou que surge integrado e pintado noutras (Alinhamento #5, xisto Alandroal gravado e cimento; Sem título, cimento policromado) -, o cimento foi o que noutro tempo, paradoxalmente, lhe permitiu ver melhor, mais alto, a paisagem. O cimento e a sua plasticidade, permitem-lhe ter um suporte que sustenta as linhas que o orientam no terreno. O cimento que igualmente reforça a tensão e fricção entre natural e artificial, um trabalho que não elimina o legado da indústria e da velocidade, embora reequilibrado pelo peso da terra. O cimento reinventando e integrado com a terra, contribuindo para lhe devolver uma ética. As peças que podemos ver na galeria, são largadas à paisagem e aos elementos naturais no terreno em Montemor-o-Novo.

 

ÉTICA / TERRA

“Conjugar os fluxos desterritorializados. Seguir as plantas: começar por fixar os limites de uma primeira linha segundo círculos de convergência à volta de singularidades sucessivas; e depois ver se no interior dessa linha, se estabelece novos círculos de convergência com novos pontos situados fora dos limites e noutras direcções.” [5]

Lembrando as considerações de Deleuze e Guattari sobre a ideia de abertura em causa no rizoma, poderíamos dizer que existe uma afinidade entre isso e os princípios da permacultura: a coexistência de espécies distintas no terreno; um modo de habitar a terra que contraria o princípio do cimento, e que antes, acolhe o estrangeiro integrando-o, «reterritorializando-o».

O artista tira proveito dessa convivência multiplicada, intervindo na terra com o propósito de melhorar as suas condições, não cessando de abrir novos «círculos».

As plantas e animais co-habitam o terreno, criando sistemas de ajuda mútua. Neste cenário, as peças servem como marcas de orientação no terreno, adicionando uma dimensão estética à ética. A posição das peças no terreno, tal como no espaço da galeria, é criadora de linhas que permitem, por exemplo, circunscrever e marcar o movimento da luz solar nos solstícios e equinócios, recuperando um modo de habitar ancestral.

 

MARCAS / LINHAS

As linhas da terra possuem um equivalente no espaço celeste. As estrelas produzem alinhamentos.

Mas também existem linhas nas pedras, aquilo que podemos encontrar em peças como Cometa, (xisto gravado). Desenhar na pedra evoca o primitivismo implicado nos antípodas da escrita - o desenho antes palavra, a linha antes da letra. Se as peças dispostas no espaço remetem para reflexões em torno dos caminhos da escultura e a potencialidade do espaço exterior, um elogio às noções de ética e comunidade, as inscrições no mármore e no xisto, tal como o trabalho com pigmentos naturais (Sem título, Caulino e calcário de Sintra s/ vidro; Sem título, mural, pigmento e óxidos s/parede) - levam-nos a reflectir sobre as antigas relações humanas com o mundo - os sinais, as marcas, os pictogramas, uma linguagem antes da escrita.

Diria que a exposição de Carronha é uma homenagem à Terra e a um sentido da terra, uma via de acesso a modos de habitar, onde o acolhimento das regiões desabitadas também é considerado. Um desejo de harmonia, totalidade ou infinito: “Acordam pouco a pouco os construtores terrenos, gente que desperta no rumo das casas, forças surgindo da terra inesgotável, crianças que passam ao ar livre gargalhando. Como um rio lento e irrevogável, a humanidade está na rua” [6].

 

 

 

Rita Anuar
Autora e investigadora interdisciplinar pós graduada em Filosofia (Estética) pela FCSH-UNL, frequenta o mestrado em História da Arte Contemporânea na mesma universidade. Membro do grupo de investigação em Literatura, Filosofia e Artes (FCSH/ IELT).

 

 

 

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Notas


[1] Conjunto de três textos editados pela editora francesa Gallimard em 2004, e escritos pelo autor em 1964, 1967, e 1971. No último dos textos, em que reflecte sobre o estado do planeta e a poluição, pode ler-se: “A época que tem todos os meios técnicos de alterar as condições de vida na Terra é igualmente a época que, pelo mesmo desenvolvimento técnico e científico separado, dispõe de todos os meios de controle e de previsão matematicamente indubitável para medir com exatidão antecipada para onde conduz — e em que data — o crescimento automático das forças produtivas alienadas da sociedade de classes: isto é, para medir a degradação rápida das condições de sobrevida, no sentido o mais geral e o mais trivial do termo.”; “(…) o problema da degradação da totalidade do ambiente natural e humano deixou completamente de se colocar no plano da pretensa qualidade antiga, estética ou outra, para se tornar radicalmente o próprio problema da possibilidade material de existência do mundo que persegue um tal movimento.”
[2] Walter Benjamin, «Experiência e Pobreza», em O Anjo da História, Trad., João Barrento, Belo Horizonte: Autêntica, 2012, p. 167.
[3] Idem, Ibidem, p. 160.
[4] “Onde é que se encontram ainda pessoas capazes de contar uma história como deve ser? Haverá ainda moribundos que digam palavras tão perduráveis, que passam como um anel de geração em geração? Um provérbio serve hoje para alguma coisa? ”, Idem, Ibidem, p. 157- 158.
[5] Gilles Deleuze e Felix Guattari, Rizoma, Trad,. Sousa Dias, Lisboa: Documenta, 2020, p. 28.
[6] Carlos de Oliveira, Quando a harmonia chega, em Trabalho Poético, Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1998, p. 147.

 

 



RITA ANUAR