WOLFGANG TILLMANS: O SENSÃVEL DO FOTOGRÃFICO. A ÚLTIMA EXPOSIÇÃO DO CENTRE GEORGES POMPIDOUCONSTANÇA BABO2025-10-05
Wolfgang Tillmans é reconhecido por uma distinta e sensível abordagem tanto aos universos do íntimo e do privado, quanto a problemáticas culturais e sociais. Recorre, sobretudo, à prática fotográfica, mas também ao vídeo e, mais recentemente, a outros processos digitais. Assim, a sua obra abrange diferentes tipos de imagens, as quais ora nos confrontam com o real, ora instigam o nosso imaginário. Com um certo imediatismo, na medida em que inúmeras fotografias resultam da captura de ocasiões e instantes, o trabalho do artista é dotado de uma profunda autenticidade, refletindo a condição humana e a sua vulnerabilidade. A sua mais recente exposição, “Nothing could have prepared us – Everything could have prepared us” (“Nada nos poderia ter preparado – Tudo nos poderia ter preparado”), no Centre Georges Pompidou, em Paris, de 13 de junho a 22 de setembro de 2025, consistiu numa das suas maiores retrospectivas. Nela, mostrou-se o imenso conjunto de trabalhos desenvolvido ao longo de mais de três décadas, por aquele que é um dos fotógrafos mais relevantes e vanguardistas do nosso tempo. Assinale-se que esta exibição é a última do Centro cultural, antes de encerrar até 2030, para um extenso projeto de renovação. Wolfgang Tillmans iniciou o seu percurso artístico no final dos anos 80, quando a fotografia se encontrava em fase de transição, no decorrer do surgimento do digital que veio confrontar o processo analógico. Neste contexto, com um modo singular de acionar a câmara, o artista alemão destacou-se, o que se acentuou no decorrer dos anos 90, mantendo-se deste então. Tillmans questiona os conceitos e as noções de representação e de imagem na cultura visual contemporânea, ao mesmo tempo que se debruça sobre problemáticas sociais e humanas, nomeadamente os ativismos sociais e políticos. O artista afirma-se contra o autoritarismo e as desigualdades, em defesa da igualdade social, dos direitos civis e, em especial nos últimos anos, dos refugiados. Manifesta, ainda, preocupações ambientais, especialmente com a crise climática. Demonstra resistência face às lógicas dominantes e ao capitalismo e explora as identidades, a sexualidade, as relações humanas e os direitos LGBTQ+, com os quais revela um forte compromisso. Foi, aliás, uma feliz coincidência, que a abertura da exposição de Tillmans tenha ocorrido em junho, o mês do Orgulho em França. Tillmans trabalha, igualmente, o domínio da criação e da composição imagéticas, desde a percepção à forma e à variação cromática, ao mesmo tempo que desafia a representação, cruzando fotografias reais com mais abstratas. Adotando uma abordagem da fotografia de certo modo subjetiva, interpretativa e experimental, o artista desconstrói a conceção desta técnica enquanto meio documental objetivo. Em resultado, a riqueza da sua obra é não só temática mas também plástica, atravessando diferentes escalas, formatos e perspetivas, na sua maioria de campo mais fechado, com foco em detalhes e pormenores. Em suma, Tillmans aparenta não deixar por explorar qualquer dimensão da prática fotográfica. Foram, justamente, essas extensão e pluralidade do campo imagético que se encontraram exploradas no espaço da Bibliothèque Publique d’Information do Centre Georges Pompidou. Situada no nível 2 do edifício, com uma dimensão que ultrapassa os mais de 6000 metros quadrados, a bilioteca pública é dotada de uma arquitetura ampla, aberta e de estrutura exposta, com condutas de ar e tubos em metal visíveis, contrastando largamente com o white cube, a habitual galeria de exposição de arte de tecto e paredes brancos. Esta especificidade espacial respondeu e acomodou particularmente bem o trabalho de Tillmans, na medida em que quer um quer o outro escapam, ou mesmo rejeitam, convenções e modelos, apresentando-se, pelo contrário, livres e dinâmicos. Apesar dessa abertura expositiva e artística, identificou-se um dedicado exercício de curadoria, desde a organização e a distribuição das mais de 500 obras no espaço à designação e à construção de áreas específicas para determinadas séries ou conjuntos de fotografias. Alguns elementos da biblioteca foram mantidos, tais como mesas com computadores, embora apropriados por vídeos de Tillmans, assim como algumas estantes com livros que estabeleceram diálogo com as fotografias exibidas em redor. A partir daqui, consolidou-se uma exposição que interpelou e confrontou o espectador, não deixando de se desdobrar com coerência no espaço e permitindo a concretização de uma visita harmoniosa. Deste modo, na exposição do Centre Georges Pompidou, testemunhou-se como o trabalho de Wolfgang Tillmans atravessa e ensaia várias possibilidades e âmbitos sensoriais da fotografia. O artista desafia e transgride as mais diversas fronteiras, entre real e imaginário, documental e ficcional, público e privado, comum e individual. Diluindo barreiras e confluindo diferentes formas e campos, contribui para a abertura e a ampliação do campo fotográfico e, no limite, da criação visual. Em Wolfgang Tillmans, a fotografia emerge tanto como meio de expressão e comunicação, como enquanto ocasião do sensorial e de uma profunda experiência estética: as suas imagens se expressam e discursam ativamente, ora geram situações contemplativas e imersivas. Trata-se de uma obra que em nós se inscreve, que em nós se imprime, e que, se assim o permitirmos, nos afeta e até transforma.
Constança Babo
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