|
PAULO LISBOACICLÓPTICO![]() MAAT Av. de Brasília, Central Tejo 1300-598 Lisboa 05 OUT - 12 FEV 2024 ![]() O movimento da Passagem![]()
Numa primeira sala, como corpos celestes sólidos, três discos orbitam. Dois círculos de alumínio de 140 centímetros de diâmetro estão na parede, e um terceiro em vidro, ligeiramente menor, é apresentado quase rente ao chão. Neles, fluxos de partículas ínfimas de carvão irradiam a luz de holofotes. Um movimento de rotação assiste o procedimento metodológico de Paulo Lisboa: fazendo girar os discos numa bancada que preparou para esse efeito, sedimentam-se partículas-infra de carvão em estratos horizontais. A alegoria do Planetário joga-se na óptica [1], e nota-se como as engrenagens que conduziram o processo vivem secretamente nestes discos. Um cinetismo perpassa então a rigidez da fixação geológica das partículas. Ocorre pensar em brinquedos ópticos na base da constituição do cinema, como o zootrópio ou o taumatrópio, também conhecidos como brinquedos filosóficos, ou em modelos científicos como as Orrery ou planetárias, os dispositivos mecânicos que George Graham inventou em 1713 para reproduzir a órbita dos planetas em torno do Sol. Mas a distância essencial a que se mantêm os 3 discos, a sua condição de Obra, furtam o espectador de lhes tocar – perante a sua geometria impõe-se Arquimedes, que antes de ter sido executado no cerco romano a Siracusa disse protegendo os seus teoremas: Nōlī turbāre circulōs meōs... Não perturbem os meus círculos... Invertendo o sentido do método, um outro objeto alucina um conjunto que se supunha estável. Passivamente vertical, uma flanela, pendurada por uma mola metálica reversível do lado esquerdo e por um pionés amarelo de cabeça alta do outro, dá a ver o lado casuístico da criação. Trata-se do pano que serviu de cortina no atelier, e que foi sendo tocado pela infra-matéria que aí se depositara em 1096 dias de produção.
Vista da exposição Ciclóptico de Paulo Lisboa, MAAT, 2023. © Ricardo Geraldes
Na segunda sala, a luz dos projetores esclarece o propósito da exposição. Assumindo um carácter monumental, que remete para fenómenos originários como a formação dos planetas, a rede constituída por três discos de vidro, os cabos de aço que os suspendem e os projetores que os iluminam, dão a ver como o Universo é um grande oco onde a luz viaja por entre corpos. Polarizando leituras, apesar da constância da redondeza das formas e do carvão como matéria, uma ruptura precipita-se – já não é a produção que conduz o produzir, é antes o processo que conduz a produção. Vão surgir objetos: os discos, como cortes operados a planetas ou a astros, e também os seus reflexos ou sombras, que são sempre atualizações de circunferências, que se re-formam indefinidamente quando impelidas por micro-movimentos do ar à passagem de um visitante. O tipo de divisão aqui realizada remete para uma reconstrução em que os grandes vidros, funcionando como lentes gravitacionais, dão a ver uma dobra no espaço-tempo. Dispensam um ponto focal único. Podemos, como satélites em torno de um astro, circular em torno de si, para perceber que a linha de corte aproxima uma história anterior a uma história posterior. Assim suspenso, a face polida do vidro dá a ver a primeira camada de pós assentes, e que estava oculta. Essa anterioridade só pode ser vista porque o vidro, epítome da transparência, se antes fora o suporte agora torna-se no corte que divide o espaço-tempo. Do outro lado, na face iluminada do vidro, uma micro-topografia desenha-se concentricamente com os últimos grãos depositados. E a sua fina camada ulterior permanecerá disponível para a sedimentação do por vir, a sua posterioridade. Um subtil abismo, cavado entre um lado e o outro, desenha o esquema geral das coisas e das suas imagens. Com Ciclóptico, Paulo Lisboa dá a conhecer uma matéria ativa, com estruturas e tensores que definem direções para a forma, e uma forma que não pode ser absoluta, porque se torna, ela própria, no movimento da passagem.
Notas [1] Vejamos com Benjamin como «O interesse primeiro pela alegoria não é linguístico, mas óptico. “As imagens, a minha grande, a minha primitiva paixão”.» Walter Benjamin, As Passagens de Paris. Edição e tradução de João Barrento (Lisboa, Assírio & Alvim, 2019) [J59, 4]. ![]()
|
